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Crítica | AmarElo - É Tudo Pra Ontem: urgência, arte e potência

Por| 11 de Dezembro de 2020 às 21h30

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AmarElo - É Tudo Pra Ontem é um documentário impecável em todos os sentidos: o tema não apenas é pertinente, como é trabalhado com maestria pelo roteiro, que conecta todos os pontos como um enorme mapa mental, com clareza e utilizando uma linguagem acessível para transmitir uma forte mensagem que clama a urgência do fim do preconceito para ontem.

Tratar AmarElo como se fosse apenas mais um filme no catálogo da Netflix, fazendo uma análise de como a montagem é excelente, de como o roteiro foi intelectual e artisticamente construído, de como a fotografia é essencial no engrandecimento de tudo o que vemos na tela, etc. é válido, claro, mas não é suficiente. Estamos diante de todo o poder e potência da arte com AmarElo e só podemos entender isso no elo evocado pelo título e minuciosamente conclamado por cada desdobramento do filme.

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AmarElo é um tremendo golpe no cerne de toda a arrogância intelectual que assombra a arte. Todos os conceitos de uma suposta arte superior vêm abaixo com o documentário, que mostra como a diminuição de uma certa expressão artística, como o samba, tem muito mais a ver com um apagamento histórico do que com conceitos técnicos que tentam ditar a fórmula da boa arte. Ainda pior, essa ideia tem a ver com a invisibilização desses artistas, um processo de remover uma das únicas vozes de protesto e opção de lazer que lhes resta. Este é apenas um dos muitos, inúmeros, talvez infinitos pensamentos de resistência que Emicida sabiamente planta nos espectadores.

Amar é um elo / entre o azul / e o amarelo

Não acho exagero algum dizer que AmarElo é um dos filmes mais importantes deste ano. Isso é, na verdade, uma hipossemia. O título nasce como um dos melhores documentários da história do nosso país, não apenas pela qualidade técnica (que é impressionante também), mas pela capacidade de gerar mudanças reais. Ele impressiona por conseguir, através do documentário (um gênero não amplamente consumido) gerar o mesmo tipo de engajamento crítico, intelectual e emocional do qual o próprio rap é capaz.

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Isso não porque o documentário não seja uma arte sem essa capacidade de causar algum tipo de transcendência do material, mas porque é raro ver, hoje, um doc brasileiro com tamanha potência e ostentando com orgulho um público-alvo tão diverso, ou seja, todos aqueles que estiverem dispostos a criar um elo: “Os curiosos terão o prazer em descobrir minhas conclusões, confrontando obra e dados. Para quem me rejeita trabalho perdido explicar o que antes de ler, já não aceitou...”, diz a frase de Mário de Andrade que abre AmarElo.

O documentário não tenta ser rebuscado, nem tenta convencer o espectador através de argumentos sinuosos ou entrevistas fora de contexto. Tudo o que vemos são fatos, fatos históricos que estavam, de certo modo, desvanecendo não por um mero capricho do tempo, mas porque foram e continuam sendo sistematicamente apagados. AmarElo, que até aqui era apenas um primor técnico e um convite ao diálogo, agora se torna resgate e documento, uma aula de história melhor do que qualquer livro didático escolar que conhecemos.

Mas não se encerram aí os méritos de AmarElo, que são inúmeros. O filme consegue algo que para muitos talvez seja impossível de se pensar no momento: um amor pela arte brasileira. Emicida e o diretor Fred Ouro Preto conseguem evocar um sentimento de justiça histórica que eu nunca vi no nosso cinema. Já vi história, política, denúncia e muita resistência, mas nunca vi uma obra que dialogasse tanto com o público do meu tempo e que conseguisse transmitir uma energia tão grande.

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Tudo que nóiz tem é nóiz

Falar em “energia” pode soar bastante vago, mas me refiro, aqui, à energia de ação. Emicida não abre mão de uma linguagem coloquial, mas nem por isso seu discurso é raso e, assim, ele prova mais uma vez que é uma a falácia a ideia de que a cultura, para ser profunda, rica e complexa, precisa ser pedante.

Em meio a resgates históricos, reflexões sobre a contemporaneidade, elementos biográficos e bastidores de gravações... um show. Mas não é qualquer show. É um momento histórico, de ocupação de espaços e ressignificações. Ali, tudo importa, incluindo as pessoas que compõem a plateia. Emicida demanda transformação estética com AmarElo no sentido de que é nas imagens cotidianas que a mudança se faz. Não foi no alto escalão do governo que o samba se fez e transformou o nosso país, mas na rua, no cotidiano, nos elos e nos prazeres de viver.

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Essa mesma escolha, de quem queremos ser, feita por tantos grandes artistas como o próprio Emicida e todos os nomes que ele cita, é uma escolha que nos é oferecida de bom grado, como uma semente plantada em nós e que devemos cultivar, respeitando seu tempo, mas atentando para seu crescimento, que exige certos cuidados muito específicos.

O filme é encerrado com a repetição em coro da frase “tudo que nóiz tem é nóiz”, conectando todos os elos que o documentário propõe. Não é nada distante, é simples e talvez por isso tão difícil de enxergar, mas AmerElo consegue tornar esse simples e cotidiano em algo merecidamente enorme, potente e urgente.

AmarElo - É Tudo Pra Ontem está disponível no catálogo da Netflix.

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*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.