Polvos conseguem editar seu próprio cérebro para suportar o frio, mostra estudo
Por Lillian Sibila Dala Costa • Editado por Luciana Zaramela |

Novo estudo mostra que os polvos, curiosos cefalópodes que figuram entre os mais inteligentes dos invertebrados, conseguem recodificar suas células nervosas para proteger o cérebro de mudanças na temperatura. Mais especificamente, eles podem modificar seu RNA — as moléculas mensageiras do nosso código genético — para evitar que a atividade neurológica seja prejudicada em períodos mais frios.
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É comum pensarmos que as informações genéticas do corpo são fixas, mas a ciência vem mostrando que o ambiente consegue influenciar a codificação de proteínas no DNA. Nos cefalópodes, como polvos e lulas, isso acontece em uma escala enorme, uma habilidade que permite expressar determinadas proteínas quando e onde é necessário. Para esse gênero de animais, a maior parte das modificações serve para proteger as funções do sistema nervoso, já que ele se espalha por todos os tentáculos.
Cefalópodes, ao contrário de mamíferos, não geram seu próprio calor corporal, então mudanças de temperatura no ambiente podem ameaçar sua sobrevivência. Isso pode acontecer quando mergulham ou nas mudanças de estação, por exemplo. Editar o RNA se torna, então, uma maneira flexível e temporária de se adaptar a ambientes mais frios através da produção de proteínas neurais diferentes.
Lulas também modificam seu RNA
O fato de que os cefalópodes conseguem modificar seu DNA não é novidade, na verdade — em 2015, vimos lulas conseguindo fazer isso, e, em seguida, polvos. O que não sabíamos era o propósito da mudança. Para descobrir isso, uma equipe do Laboratório de Biologia Marinha da Universidade de Chicago estudou dois polvos-da-califórnia (Octopus bimaculoides) selvagens capturados, os expondo a temperaturas quentes e frias.
Depois de 2 a 3 semanas, o RNA dos bichos foi observado, quando foram notadas edições em mais de 20.000 lugares. Segundo os cientistas, o acontecimento não é pontual, ocorrendo em apenas alguns lugares ou alguns espécimes, e sim um fenômeno global. A distribuição das mudanças, no entanto, não é igualitária — as proteínas modificadas tendem a ser neutras, e quase todas as posições de RNA editadas são sensíveis à temperatura, passando por muito mais mudanças em épocas frias.
Investigando mais a fundo, os pesquisadores notaram que a edição ocorria de forma surpreendentemente rápida — quando expostos ao frio, os polvos modificaram o RNA em questão de horas, com mudanças mais significativas ocorrendo em menos de um dia e estados mais estáveis sendo atingidos dentro de 4 dias.
Também foi estudado o efeito das mudanças em duas proteínas específicas, a cinesina-1 e a sinaptotagmina, que possuem funções importantes no sistema nervoso. A edição de RNA alterou a taxa de movimento da cinesina-1, e prejudicou a responsividade da sinaptotagmina.
Por fim, testes mostraram que polvos selvagens também editam o RNA em resposta a mudanças de temperatura — isso foi visto em polvos-de-duas-manchas-de-Verrill (Octopus bimaculatus), e acredita-se que outras espécies de polvos e lulas façam o mesmo.
Animais excêntricos, os polvos são incrivelmente inteligentes, possuem cérebros surpreendentemente parecidos com os dos humanos e conseguem até resolver testes criados para crianças — e, aparentemente, até têm pesadelos, segundo algumas filmagens.
Fonte: Cell, EurekAlert!, IFLScience