O que acontece se um raio cair em um avião?
Por Luciana Zaramela • Editado por Patricia Gnipper | •
Imagine-se na seguinte situação: enquanto você aguarda o embarque no aeroporto, lá fora o tempo se fecha cada vez mais, mas sua viagem é inadiável e o voo segue confirmado. A quantidade de relâmpagos só aumenta e você se pega pensando: o que acontece se cair um raio no avião?
Apesar de parecer assustador viajar entre a nuvem e a Terra justo durante uma tempestade, saiba que praticamente não há perigo. Afinal, se as consequências das descargas atmosféricas fossem graves sempre que um raio atingisse um avião, notícias sobre esse tipo de acidente seriam divulgadas constantemente. E quando foi a última vez que você viu uma notícia dessas na televisão?
Pois é. Segundo o ELAT (Grupo de Eletricidade Atmosférica do INPE), aviões comerciais são atingidos por relâmpagos uma vez por ano durante a decolagem ou a aterrissagem.
Como um raio pode atingir um avião?
O formato e o tamanho das aeronaves podem atrair descargas elétricas, mas os resultados, geralmente, não causam danos profundos.
Na maioria das vezes, o que acontece é que, ao adentrar uma nuvem ou só voar próximo dela, um avião pode intensificar o campo elétrico e dar início a descargas, formando relâmpagos induzidos. Após formado, o raio pode vir de dentro de uma nuvem, da nuvem ao solo ou mesmo se formar entre duas nuvens.
Desde que um acidente terrível acometeu um Boeing 707 em 1963, nos Estados Unidos, a indústria aeroespacial modificou os projetos de aeronaves. Na época, um raio acertou em cheio o Boeing em pleno voo e ocasionou a explosão do tanque de combustível, resultando na queda do avião e na morte de 81 pessoas.
A partir daí, novas pesquisas foram conduzidas e a indústria remanejou o projeto dos aviões, modificando o sistema de combustível para praticamente eliminar os riscos de acidentes como esse.
Agora, quando um raio atinge um avião, ele causa apenas danos parciais na fuselagem e nas antenas externas. Isso acontece porque, além da modificação do sistema de combustível, os sistemas eletrônicos das aeronaves geralmente são blindados para evitar interferências da radiação dos relâmpagos.
Como é estar em um avião atingido por um raio?
Uma vez dentro de uma nuvem ou próximo a ela, seu avião acaba virando um para-raio. Isso acontece porque um relâmpago atinge uma extremidade da aeronave, como o nariz ou a ponta da asa, e percorre todo o corpo do veículo na sequência, indo em direção ao solo no final. Devido ao atrito com o ar, a carenagem do avião acumula muita eletricidade estática, o que acaba atraindo essas descargas elétricas.
Mas se você estiver no interior da cabine, não vai sentir muita coisa, a não ser um ruído bem alto de trovão e aquele clarão característico de um relâmpago, caso esteja olhando pela janelinha. O raio atinge e se dissipa da aeronave em fração de segundos — ou seja, logo tudo volta ao normal.
No vídeo abaixo, um avião da KLM é acertado em cheio por um raio em pleno voo e, pelo que você pode perceber, continuou operando normalmente:
Os pilotos podem identificar, com a ajuda dos sistemas de bordo, se houve algum dano à aeronave e se todos os passageiros e tripulantes estão bem. As torres de controle também servem para informar ou serem informadas sobre a incidência de raios para que, quando pousar, a aeronave passe por uma inspeção.
Mas mesmo cientes do efeito e da “passagem” do raio pela carcaça do avião, os engenheiros desenvolveram um sistema de segurança para evitar que uma descarga elevadíssima de energia cause danos maiores à aeronave. Afinal, um raio tem, em média, uma corrente de 200 mil ampères — e estima-se que sete ampères já são o suficiente para causar arritmia cardíaca grave e matar uma pessoa.
Sendo assim, as asas do avião contam com dissipadores que servem para descarregar essa energia estática acumulada e liberá-la durante o voo, sem comprometer os sistemas elétricos e eletrônicos do veículo.
A Gaiola de Faraday
Você deve se lembrar desse nome quando estudou física no ensino médio. Um experimento conduzido por Michael Faraday em 1836 explica perfeitamente por que o avião recebe a descarga elétrica e ninguém em seu interior sofre os danos.
O físico-químico usou uma gaiola metálica com um isolante e uma cadeira de madeira em seu interior, onde ele mesmo se sentou antes que uma descarga elétrica fosse aplicada de um transformador diretamente à estrutura. Quando a energia foi aplicada à gaiola, Faraday escapou ileso, provando que o corpo dentro de uma estrutura metálica submetida a uma descarga elétrica fica protegido devido ao caminho percorrido pelos elétrons na parte externa da superfície.
Na prática, aviões funcionam como essas gaiolas. Eles possuem fuselagem metálica e criam um campo eletrostático. Quando um raio atinge a carcaça, esta conduz a eletricidade apenas na parte externa, e ela logo se dissipa. Como na Gaiola de Faraday, o interior do avião permanece intacto.
Um raio, após atingir um avião, percorre toda a sua fuselagem e parte dele acaba se desviando em direção ao solo.
Fonte: ELAT (INPE), Scientific American