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Especial Nanotecnologia [3] | O combate de doenças de dentro para fora

Por| 24 de Abril de 2019 às 14h00

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Especial Nanotecnologia [3] | O combate de doenças de dentro para fora
Especial Nanotecnologia [3] | O combate de doenças de dentro para fora

Em 2016, um trio de cientistas ganhou o Nobel de Química pela criação das "menores máquinas do mundo". O estudo foi apontado como precursor dos nanorobôs, que no futuro poderão ser injetados no corpo humano para atacar células doentes e curar doenças ou anormalidades no organismo.

Na prática, o francês Jean-Pierre Sauvage, o britânico J. Fraser Stoddart e o holandês Bernard Feringa desenvolveram estruturas sintéticas capazes de transformar energia em movimentos controláveis. Em comunicado, a Academia Real de Ciências da Suécia chegou a afirmar que "os laureados deste ano miniaturizaram máquinas e conduziram a química a uma nova dimensão".

Quatro anos mais tarde, a ciência continua longe de desenvolver nanorobôs – de acordo com sua definição mais futurística –, mas outros estudos se aproximam do uso da nanotecnologia dentro do corpo humano.

No Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), o pesquisador Mateus Borba Cardoso estuda o uso de nanopartículas para combater a proliferação de superbactérias, aquelas que desenvolvem resistência aos antibióticos. "Recobrimos a nanopartícula, como se fosse uma bolinha de ping pong, e modificamos a sua superfície de forma que ela possa ser teleguiada até o local que a gente quer [dentro do corpo humano]", explicou Cardoso.

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Embora o carro-chefe do estudo seja a interação entre nanopartícula e bactéria, o pesquisador conta que é possível trabalhar com outros microrganismos. "Da mesma forma que conseguimos levar de maneira seletiva uma nanopartícula até a superfície de uma bactéria, também podemos alcançar células tumorais ou vírus".

As nanopartículas são recobertas de grupos químicos, que são capazes de direcioná-la até o alvo. "No caso das bactérias, podemos usar alguns açúcares e outras estruturas similares a antibióticos".

No futuro, o estudo pode acabar minimizando o volume de antibióticos consumidos, além de reduzir impactos ambientais e aumentar a eficiência dos medicamentos.

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"Hoje, os fármacos são inespecíficos e se distribuem igualmente pelo corpo. A gente toma uma dose gigantesca, mas não usamos nem 5% disso. Em determinado ponto, as bactérias não morrem mais e todo o antibiótico é jogado para fora do corpo, vai para o esgoto e volta para o meio-ambiente causando a resistência bacteriana ambiental", disse Cardoso.

Uma lógica parecida é usada em pacientes que fazem quimioterapia. A dose alta é distribuída por todo o organismo, afetando as células tumorais, mas também causando a morte das células sadias. "Se conseguirmos criar nanopartículas teleguiadas, reduzimos a dose e não vamos ver com tanta frequência sintomas como a queda de cabelo e o vômito".

A expectativa é de que o campo de estudo avance com mais rapidez com o acelerador de elétrons Sirius, criado no Brasil pelo CNPEM e o segundo do mundo com a tecnologia de quarta geração. "O Sirius nada mais é do que um grande microscópio, mas ele nos permite entender como as micropartículas interagem com as células. Com o Sirius, poderemos observar a dinâmica das nanopartículas entrando na célula e indo para outra região, como se fosse uma TV em tempo real. Na minha área, o Sirius é uma revolução".

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Uma outra versão do acelerador de elétrons de quarta geração existe na Suécia, mas "até hoje não deslanchou", pontuou Cardoso. "Estive lá no segundo semestre do ano passado. Eles não têm estações experimentais e não são capazes de realizar os experimentos que poderemos fazer aqui".

Atualmente, a equipe de Cardoso se prepara para começar os experimentos em animais. Nesta etapa, o desafio é manter a identidade nano das partículas quando elas estão dentro do organismo. "Quando colocamos uma nanopartícula na corrente sanguínea, existe um mecanismo de defesa que faz com que as proteínas tentem recobrir essas partículas. A maioria destas proteínas são de sinalização e ao recobri-las mandam um sinal para o macrófago, um dos grandes guardiões do nosso corpo, que vai tentar atacar as nanopartículas, expulsá-las ou destruí-las. Por isso, estamos tentando criar uma nanopartícula ao mesmo tempo direcionável e invisível ao mecanismo de defesa do organismo".

Já existem medicamentos no mercado com nanopartículas, mas que utilizam o lipossoma. "São lipídios que se organizam e formam nanopartículas. Eles não têm nenhuma toxicidade para o organismo, mas não podem ser direcionados", explicou Cardoso. "Estamos trabalhando com nanopartículas duras, que permitem modificações como a de se tornar invisível ao organismo. Por outro lado, estas nanopartículas tendem a bioacumular quando estão na corrente sanguínea".

Ao longo do tempo, as nanopartículas acumuladas podem causar ao paciente a silicose, doença pulmonar causada pela inalação de poeiras inorgânicas. "Em laboratório, gostamos de usar a sílica. Neste ano, publicamos um [artigo] sobre sílica biodegradável que vira resíduo e, em teoria, não é tóxica. Ainda não a testamos em animais. Mas meu sonho é ter uma droga invisível, que vai onde eu quero e que em até 72h comece a se desintegrar".

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Um outro estudo liderado por Cardoso utilizava nanopartículas para reduzir os efeitos colaterais do tratamento do câncer. Nos testes invitro, os pesquisadores pegaram a sílica, a curcumina (um fármaco contra o câncer de próstata) e os revestiram por uma vitamina que é atraída pelas células tumorais, o folato. As nanopartículas foram capazes de matar cerca de 70% das células doentes e apenas 10% das saudáveis da mesma linhagem foram atingidas.

"Não temos conhecimento para fazer os testes em animais. Contamos só com uma bióloga no grupo", contou Cardoso. "O trabalho conceitual provou que o experimento funciona, mas precisamos de apoio financeiro e de aporte de conhecimento para que possamos levar o estudo para frente".

Outra pesquisadora do CNPEM, Juliana Bernardes, conduz um trabalho que extraí insumos nano que existem na biomassa. Uma de suas linhas de estudo faz uso da nanocelulose presente no bagaço da cana de açúcar. "No Brasil, temos essa fonte abundante de produção de nanocelulose", comentou a pesquisadora. Em outros países, como no Canadá, a biomassa é extraída da polpa das árvores. "Como a nanocelulose não é tóxica, ela causa grande interesse. Podemos pensar até em aplicá-la em alimentos para aumentar sua viscosidade", explicou.

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Juliana conta que um dos seus trabalhos com nanocelulose permite a liberação controlada de fármacos para funcionar como um curativo. "Criamos um hidrogel para colocar em cima de feridas. Isso melhora a ação do medicamento na pele e o fármaco é liberado de forma mais lenta e controlada".

Medicamentos nanoencapsulados podem vir a substituir quatro a cinco doses do método tradicional. Além disso, por estar protegido por uma estrutura, o medicamento fica mais estável. Assim, é possível reduzir sua concentração, obtendo o mesmo resultado, mas minimizando efeitos colaterais.

A nanocelulose também é reciclável e aumenta o desempenho de outros materiais, como a espuma, adesivos e compostos. O estudo ainda tem potencial para reduzir os poluentes ambientais causados pela queima da cana de açúcar. De acordo com Juliana, 90% do bagaço é queimado para gerar eletricidade.

A produção de cana de açúcar no Brasil chega a 647 milhões de toneladas por ano. Destes, cerca de 200 milhões de toneladas são bagaços.

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"O bagaço da cana de açúcar é muito rico em celulose. Dentro da celulose existem dois componentes que dão uma resistência e elasticidade fantástica, que são a nanofibrila e o nanocristal. Nossa ideia é desconstruir a biomassa, pegar os tijolinhos de construção em escala nano e construir outros materiais usando a impressão 3D. Com isso, poderemos criar até órgãos artificiais", contou o diretor científico da LNNano, Edson Leite. "Estamos pegando um produto de baixíssimo valor agregado, que é a biomassa, e o transformando em um insumo de altíssimo valor agregado".

Futuro

Apesar dos estudos e avanços, a ciência ainda não sabe quais os efeitos das nanopartículas na saúde e no meio-ambiente. "É fundamental para a indústria que possamos avaliar o impacto dos materiais nanométricos. Sem regulamentação, você não faz nada", disse Leite.

Ele conta que existem várias tentativas do governo federal de criar uma regulamentação. "Existe um rascunho de um documento que o CNPEM deve lançar em breve para debater a importância da regulamentação, como ela deve ser encaminhada no Brasil e como uma regulamentação errada pode bloquear o investimento na área".

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Para o pesquisador Cardoso, falta uma estratégia no campo da nanomedicina para que as nanopartículas possam ser mais efetivas e eficazes onde elas precisam atuar. "O primeiro remédio com nanopartículas foi lançado em 1995, mas desde então a comunidade científica não vem conseguindo fazer avanços significativos nesta área".

De acordo com o professor da FGV, Arthur Igreja, a medicina tem a sorte de ser um campo amplo para a aplicação da ciência. "A nanotecnologia aumenta a absorção de medicamentos e sua eficiência, além de reduzir danos e dosagem. Os ganhos são exatamente esses: das composições se tornarem muito mais eficientes".

Ele diz que o campo parece muito promissor. "A saúde caminho para o campo de nanorobôs, que vão trabalhar como operários no corpo das pessoas".

Para Igreja, países como Israel, Estados Unidos e China devem sair na frente no desenvolvimento de nanomedicamentos por serem mais "permissíveis no campo da pesquisa".

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Quer saber mais? Fique de olho no site do Canaltech. Esta matéria é a terceira de uma série de reportagens semanais sobre a nanotecnologia.

1. Entenda a ciência invisível a olho nu
2. A revolução das roupas que não sujam
3. O combate de doenças de dentro para fora

Fonte: Nobel Prize, Ensinano e Governo do Brasil