Ciência registra primeiro caso de cego congênito com sinestesia [estudo]
Por Augusto Dala Costa | Editado por Luciana Zaramela | 26 de Abril de 2022 às 09h40
Pela primeira vez, a ciência registrou o caso de um cego congênito com sinestesia — algo que, na literatura, era debatido anteriormente, com alguns pesquisadores acreditando que a deficiência visual completa desde o nascimento impossibilitaria a condição neurológica, definida, entre outros aspectos, pela sensação de cores e formas em associação a objetos e conceitos.
- Você enxerga o mesmo azul que eu? É assim que o cérebro processa as cores
- Estudo mostra como o cérebro aprende com estímulos visuais no subconsciente
Quase todas as formas de sinestesia, incluindo as mais famosas, envolvem a visão de alguma forma. Um exemplo é Franz Liszt, virtuoso e compositor clássico, que certa vez pediu à sua orquestra que tocasse "um pouco mais azul" — outro é Richard Feynman, físico que interpretava equações matemáticas a partir de cores, associando números aos tons.
Detalhes do estudo
Publicado no periódico científico Neuropsychologia, o estudo de caso de pesquisadores da Università degli Studi di Trento provou que a sinestesia não requer, na verdade, visão para funcionar. Segundo eles, é um importante passo para preencher algumas lacunas sobre a condição e desvendar alguns mecanismos da comunicação sensorial na mente humana.
O sinestésico estudado é um homem de 40 anos, cuja sinestesia não-visual é descrita como uma sensação nos dedos indicadores que associa números, letras, meses e dias da semana a posições no espaço mental e com sensações táteis de textura. O número 3, por exemplo, tem uma textura semelhante à do veludo, enquanto o mês de abril lhe remete a plástico.
Para testar a sinestesia, os pesquisadores montaram um quadro coberto com 40 quadrados de materiais com várias texturas diferentes, dando ao sujeito alguns minutos para sentir todos eles. Então, junto a dez voluntários não-sinestésicos, foi pedido que sentissem qual material passava mais a sensação de certos números, meses ou dias da semana (com os olhos vendados). Um mês depois, os materiais foram rearranjados aleatoriamente e os indivíduos foram chamados para repetir o experimento.
Os não-sinestésicos, como era esperado, tiveram uma perfomance baixa, selecionando as mesmas texturas para os conceitos anteriormente apresentados com precisão em apenas 7% das vezes. O homem sinestésico se saiu cerca de dez vezes melhor, escolhendo as mesmas texturas do mês anterior com 75% de acurácia. Com isso, os cientistas verificaram a presença de sinestesia número-textura e letra-textura, demonstrando que a característica pode, sim, se desenvolver sem visão.
Como é o primeiro caso reconhecido pela ciência, ele desbanca algumas teorias que se baseavam em uma integração sensorial cruzada do cérebro que geraria a sinestesia. A visão é predominante em muitos aspectos da nossa percepção e na sinestesia, dizem os especialistas, mas não porque nosso cérebro processa o visual de forma diferente dos sons e toques.
A sinestesia cria sinais de entrada gerados internamente, e que, neste caso, até ajudam o homem cego a guardar informações, imaginando texturas para acompanhar números da mesma forma que um indivíduo que vê o faz com cores.
Fonte: Neuropsychologia