Herança digital e o impacto de aderir às regras e políticas das redes sociais
Por Douglas Ribas Jr. | 11 de Agosto de 2021 às 10h00
Este texto foi escrito em coautoria com a advogada Roberta Paiva
Não há dúvida sobre as facilidades trazidas pela tecnologia. Aliados a isso, a inerente velocidade e o alto grau de sofisticação dos meios tecnológicos tornaram tortuosa a tarefa do legislador e do operador do Direito na busca de soluções para conflitos digitais.
É fato que a pandemia provocada pelo novo coronavírus acelerou processos, positiva e negativamente. Assim, acabou por agravar preocupações diante do intenso uso da tecnologia, tendo tornado evidente a finitude da vida dentro de todo o emaranhado de mudanças e criações digitais.
Ficou constatada, para muitos, a ausência de conversa, nos núcleos familiares, sobre a vontade das pessoas para o momento em que não mais estiverem vivas, seja para a destinação dos bens ou para atos e pequenas providências, como a organização e divisão de objetos.
Esse artigo não busca trazer informações técnicas a respeito dos instrumentos legais disponíveis para garantir a vontade das pessoas no momento pós morte, mas pontuar que a pandemia acentuou as discussões sobre um assunto relativamente recente: a herança digital.
São os chamados “ativos digitais”, “legado digital” ou “patrimônio digital”:
E-mails, páginas, manifestações, blogs, vlogs, diários pessoais, contatos, postagens, likes, seguidores, perfis pessoais, senhas, músicas, vídeos, e-books, games, fotos, documentos e arquivos digitais, dentre tantos infindáveis elementos imateriais que compõem nosso patrimônio digital.
Não faz muito tempo, a história das pessoas era registrada por fotografias em papel ou, até mesmo, por meio de textos em diários e cartas físicas.
Atualmente, grande parte da nossa vivência está armazenada em mídias digitais por meio de fotografias e vídeos, blogs e conteúdo em diversas plataformas e “nuvens”, sem contar a interação e manifestação de opinião nas redes sociais.
A forma de materialização da história de vida de cada um no meio digital está cada vez mais presente e é realidade para a geração atual e para a futura.
Muitos questionamentos nascem da constatação da forte presença digital em nossas vidas e o que será feito após a morte. Destacamos:
- O que fazer com o acervo digital das pessoas?
- Quando o titular morre, quem pode ter acesso a esse patrimônio digital?
- É importante que o titular declare a sua vontade em vida?
- Como os tribunais têm interpretado os conflitos envolvendo o legado digital?
A despeito do trâmite de alguns projetos de lei, é importante dizer que no Brasil não existe previsão legal sobre o assunto até o momento. Esse fato faz com que os conflitos acabem batendo às portas do Judiciário cabendo a ele a palavra final em busca da solução mais adequada.
De toda forma, o assunto ainda é bastante polêmico e divide a opinião de especialistas, o que demonstra a necessidade de amadurecimento contínuo para que chegue a um consenso e previsão legal que atenda ao justo e adequado conforme o sistema jurídico.
O tema é polêmico por envolver várias áreas do Direito e garantias importantes da Constituição Federal. O que mais preocupa é o risco de ferir a privacidade e intimidade das pessoas.
Tanto é assim que as poucas decisões existentes envolvendo o tema indicam a resistência da Justiça em admitir a herança digital. Compreensível diante da novidade e complexidade do tema.
Um bom exemplo, aconteceu em março último quando o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou o pedido de uma mãe acessar regularmente o perfil no Facebook da sua falecida filha. A mãe alegou que, mesmo quando a filha era viva, acessava normalmente o seu perfil na rede social, através de usuário e senha informados pela filha. Ao fazer uma postagem tempo depois do falecimento da filha, teve o acesso repentinamente bloqueado. (Apelação Cível nº 1119688-66.2019.8.26.0100).
Referido fato fez com que fosse se socorrer junto ao Judiciário a fim de obter novamente o acesso regular ou a obtenção dos dados do perfil e indenização por danos morais.
O juiz de Guarulhos que julgou a causa negou totalmente a pretensão da mãe, o que foi confirmado pelos desembargadores do TJ-SP (2ª instância), de forma unânime.
A decisão foi baseada na análise da vontade da filha enquanto viva e na ausência de abusividade ou falha pelo Facebook, somado à constatação de violação às regras da plataforma em razão do compartilhamento de senha da filha para a mãe.
Para tanto, foi constatado que, ao criar o perfil no Facebook, a filha aderiu aos Termos de Serviço e Padrões da Comunidade na plataforma que detém política própria em caso de morte do usuário. Nesse sentido, os julgadores disseram:
“Do exposto extrai-se que o usuário tem duas opções em caso de óbito: optar previamente pela exclusão de sua conta ou requerer a manutenção do perfil, com a indicação ou não de um contato herdeiro nesse último caso, oportunidade em que a conta será transformada em memorial”.
E, por fim, sintetizaram com um forte indicador do que é esperado e o que será levado em conta em análises de casos que tratam da herança digital, especificamente no que tange ao acesso às plataformas sociais:
“Assim, devem prevalecer, quando existentes, as escolhas sobre o destino da conta realizadas pelos indivíduos em cada uma das plataformas, ou em outro instrumento negocial legítimo, não caracterizando arbitrariedade a exclusão post mortem dos perfis. Inexistente manifestação de vontade do titular neste particular, sobressaem os termos de uso dos sites, quando alinhados ao ordenamento jurídico”.
Independentemente da previsão legal, recomendamos que sejam verificadas as regras de cada plataforma em que a pessoa detém perfil para eleger a forma como pretende ter o seu acervo digital tratado naquela rede: disponível após sua morte ou mesmo se a vontade é que seja excluído.
Você já parou para dar atenção ao seu legado digital?
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