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Mas, afinal: o corretor ortográfico ajuda ou atrapalha?

Por| 03 de Setembro de 2020 às 16h20

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Quem nunca passou por aquela situação constrangedora proporcionada pelo corretor ortográfico, que atire a primeira pedra. Essa ferramenta, que na teoria deveria nos ajudar a escrever perfeitamente e com mais facilidade, tem potencial para ser mais uma inimiga do que uma aliada. Mas, afinal: será que o corretor mais ajuda ou mais atrapalha? Com essa pulga atrás da orelha, o Canaltech resolveu conversar com alguns especialistas para entender um pouco melhor sobre a funcionalidade do corretor.

Quando a gente já tem a ferramenta em mãos (com tudo acontecendo de modo tão automático (literalmente) e até inconveniente, a ponto de gerar reclamações), não para muito para pensar no quão trabalhoso pode ser seu desenvolvimento. Segundo Arthur Igreja, especialista em Inovação e Tecnologia e professor da Fundação Getulio Vargas, os profissionais responsáveis pelo corretor automático são programadores, basicamente equipes de TI, pois envolve muito software. "São profissionais de infraestrutura, de algoritmo, de big data, de reconhecimento de imagem, um somatório de expertises em diferentes ramos da TI que desenvolvem o corretor ortográfico".

Questionado sobre como é a criação desses corretores e no que a equipe precisa se atentar ao desenvolver, Arthur afirma que essa ferramenta pode ser criada de várias maneiras. "Temos o trabalho humano, com pessoas checando os detalhes. E de outro lado existe a 'inputagem' de dicionários, que, em tese, têm as palavras escritas corretamente, bem como a comparação com bases confiáveis". O professor ainda acrescenta: "Além disso, é usado muito OCR (Reconhecimento Óptico de Caracteres) de obras publicadas, como os livros, e é por isso que o Google se tornou uma referência tão forte em correção, autocomplemento de palavras e busca. A combinação de OCR, inteligência artificial e big data é o que possibilita o desenvolvimento de corretores. E o feedback dos usuários é o que faz essa calibragem na funcionalidade".

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Arthur conta que, no começo, era algo muito manual e humano, depois passou pela capacidade de agregar e encontrar concordância em obras. Na sequência, veio a digitalização de um número ainda maior de obras através do OCR, com uso de verificação de segurança, onde palavras e informações são confirmadas.

Os desafios do corretor

Segundo um estudo do Núcleo Interinstitucional de Linguística Computacional (NILC) da USP intitulado "A Importância dos Falsos Homógrafos para a Correção Automática de Erros Ortográficos em Português", os corretores ortográficos são voltados para duas tarefas: julgar se é erro ou não e, caso seja, escolher as palavras mais similares que podem ser oferecidas como candidatas à correção. Para a primeira tarefa, o corretor procura a palavra no léxico (uma espécie de acervo de palavras) e, caso não a encontre, aponta automaticamente como erro. "É importante que o léxico contenha muitas palavras da língua, inclusive neologismos e estrangeirismos, pois caso contrário o corretor aponta como erro palavras que não são erros", aponta o estudo.

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Já a segunda tarefa, a de sugerir palavras para corrigir a palavra errada, enfrenta vários desafios. Segundo esse estudo, quanto menor a palavra, maior o número de palavras similares. Além disso, nas palavras menores, uma letra errada ou fora do lugar representa um percentual grande do número total de letras e sobram menos “pistas” para descobrir qual é a provável palavra certa. "Por exemplo, a palavra 'coza' não existe no léxico e, considerando-se apenas três letras como pista, há várias palavras similares que poderiam ser sugeridas para corrigi-la: cota, cola, coma, cora, copa, só para citar algumas que têm uma letra de distância da palavra errada", aponta o levantamento.

"Já em uma palavra maior, como 'excelente', uma letra errada representa um nono do total de letras da palavra, sobrando oito letras como pistas para a palavra correta (“exelente”, “ecelente” são erros ortográficos comuns). Por isso, é relativamente mais fácil corrigir palavras grandes do que palavras pequenas", o estudo ressalta.

No estudo ainda consta que, quanto maior o número de palavras similares, mais difícil classificá-las em ordem de probabilidade para correção — e que, se há interação humana, ou seja, se o corretor é usado dentro de um editor de textos, o usuário pode escolher entre as várias palavras oferecidas como candidatas para a correção;porém, se não há interação humana (a correção é automática), os critérios para decidir qual é a melhor candidata precisam ser mais eficiente sainda.

"Entre os critérios mais utilizados estão a distância das letras no teclado (importante para erros de digitação) e a semelhança fonética entre a palavra errada e a palavra candidata a correção", explica a análise dos pesquisadores da USP.

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A escrita fica preguiçosa?

Tendo em mente principalmente o corretor ortográfico, é possível afirmar que a tecnologia e o acesso mais fácil à informação permitiram que as pessoas escrevessem de maneira mais correta? De acordo com Karina Broock, professora do curso de Letras da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), depende primeiramente da concepção de escrita.

"Se consideramos apenas a gramática e a ortografia, há ferramentas de revisão que auxiliam em aspectos ortográficos e até sintáticos. Mas essas ferramentas não garantem a coesão e a coerência, ou seja, as articulações e o sentido do texto. O acesso amplo à informação pode auxiliar na construção de repertório para a escrita, mas também é necessário ter contato com diferentes gêneros textuais e o aprendizado de aspectos formais relacionados à escrita", disserta a professora.

Questionada se o uso do corretor automático (tanto dos celulares quanto em programas como o Word, por exemplo) atrapalha no aprendizado sobre gramática, a professora do curso de Letras responde que não: "É possível até mesmo utilizar o corretor como uma ferramenta no ensino de línguas, facilitando a verificação e a reflexão sobre questões ortográficas e sintáticas, por exemplo".

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Karina argumenta que esses programas ainda são muito limitados a aspectos ortográficos e algumas questões sintáticas, mas ainda não dão conta de todas as construções da estrutura de uma língua, por isso, o ensino contextualizado da gramática ainda é muito necessário e não será prejudicado por essas ferramentas. "Dessa forma, o corretor é uma ferramenta para determinados aspectos, mas não para outros", diz.

Mas mesmo que essa ferramenta tenha sua utilidade, a professora alerta a não confiar nela às cegas. "O corretor não fará a revisão do sentido e da articulação entre as partes do texto, além disso, não cobre a revisão de todas as questões sintáticas", aponta. "Se formos pensar na consulta de aspectos ortográficos e no emprego de sinônimos, o corretor nos fornece essas funcionalidades. No entanto, ainda utilizamos dicionários impressos e digitais para busca da definição de um vocábulo ou para indicação da classe gramatical. Destaco que novas ferramentas surgem para atender as demandas da sociedade, podendo ser até evolução de outras, mas isso não significa que as duas ferramentas não possam coexistir", ressalta.

Internet x Escrita

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Segundo Karina, em alguns aspectos, teóricos como Chartier afirmam que novos suportes demandam ações específicas para ler e escrever, de acordo com a cultura em que os indivíduos estão inseridos e os objetivos de escrita/leitura. "O historiador chega a comparar o texto digital ao livro em rolo na antiguidade, no qual a leitura e a escrita eram realizadas em um fluxo sequencial do texto vertical". Ainda, Chartier destaca que o meio eletrônico não permite que o escritor e o leitor tenham um contato físico tão próximo com o texto. No entanto, há outras funcionalidades, por exemplo, copiar e colar em poucas e rápidas ações, selecionar todo um trecho com o mouse e apagar, acessar rapidamente um hiperlink em um clique, ou seja, novas configurações propiciadas pelo suporte digital.

Nesse sentido, a professora do curso de Letras reafirma que consideramos que a tela do computador é um espaço de escrita, como já foi a madeira e a argila, por exemplo. Na atualidade, esse ambiente de escrita divide espaço com os meios analógicos, como o papel, e estudos na área indicam que esses meios demandam ações específicas do escritor e do leitor. "Em minha pesquisa de mestrado, verifiquei como os leitores realizam anotações no papel e na tela do computador, uma das conclusões é que determinados conhecimentos sobre a leitura são comuns para os dois meios, mas que o leitor precisa ter domínio de ações específicas para atuar em cada um deles", conclui.

Um verdadeiro aliado

Certo, o corretor ortográfico pode ser sinônimo de inconveniência em algumas ocasiões, mas para o público certo, essa ferramenta pode ser uma verdadeira aliada. O estudo "A Tecnologia como facilitadora na aprendizagem de Disléxico", da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, traz à tona justamente isso.

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"A Dislexia é um distúrbio genético e neurológico, que inibe o processo de entendimento das letras e, por sua vez, pode comprometer a escrita de um aluno. Na sala de aula, o educador utiliza o celular para fazer áudios, o computador para estudos, com os programas de escrita, corretores de ortografia, auxiliando-o gramaticalmente. Os programas do computador, entre eles, o Word, auxiliam na leitura, pois explicitam a pronúncia correta das palavras, a compreensão textual, favorecem o contato correto com as palavras, evidenciando melhoras no vocabulário", aponta o estudo. Ah, e vale ressaltar que a gente já falou sobre como a tecnologia pode facilitar a vida de pessoas com dislexia aqui no Canaltech.

Fonte: Com informações de USP, UFSC