Brasil não deve desligar 2G e 3G antes de 2028; entenda o processo
Por Léo Müller |

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) já começou a se movimentar para viabilizar o desligamento das redes 2G e 3G no Brasil, mas isso não deve acontecer antes de 2028, quando será feito um “refarming” ou “rearranjo” das principais faixas de frequências usadas hoje pela telefonia celular. O Canaltech conversou com o superintendente de outorga e recursos da agência, Sidney Azeredo Nince, para entender como esse processo deve acontecer.
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A partir do ano que vem, a Anatel não vai mais homologar e certificar dispositivos que só possuam tecnologia 2G+3G. A ideia é impedir que a base de usuários sem a possibilidade de migrar para o 4G e 5G cresça, o que poderia gerar problemas para um eventual desligamento das tecnologias mais antigas.
“Temos algumas aplicações em Internet das Coisas (IoT), como rastreamento de frotas e máquinas de pagamento, que ainda usam essas redes mais antigas. Mas boa parte dos dispositivos IoT já é compatível com 4G, então, mesmo quando 2G e 3G forem desativados, muitos equipamentos continuarão operando em 4G. Para evitar dependência futura dessas tecnologias, novos equipamentos devem ser compatíveis com 2G, 3G e 4G, mas exclusivamente 2G ou 3G não são mais certificados”, esclareceu Nince.
Apesar de o rearranjo das frequências usadas hoje pelo 2G e pelo 3G estar previsto para acontecer em 2028, a Anatel ainda não se comprometeu com um prazo ou mesmo janela de desligamento dessas redes mais antigas. Segundo Nince, a ideia é que o próprio mercado migre gradualmente os usuários para novas redes, e a Anatel entraria em cena para organizar o fim do 2G e do 3G quando isso não tiver mais potencial de prejudicar os clientes das operadoras.
Felipe Roberto de Lima, gerente de Regulamentação da Anatel, também comentou o assunto na última terça-feira (12) em evento organizado pelo Tele.Síntese. “Temos que nos preocupar com essa questão do ponto de vista de caminhar bem para o desligamento dessas tecnologias, mas não acredito que isso venha de maneira abrupta. Assim, geraria mais problemas do que benefícios”, disse Lima.
O que é “refarming” e como ele impacta no fim do 2G e do 3G?
“Refarming” das redes móveis significa tecnicamente rearranjar ou reorganizar o espectro eletromagnético disponível para esse tipo de aplicação. O objetivo da agência é melhorar a distribuição das subfaixas de frequências entre as operadoras, segundo contou Nince, para evitar desperdícios e preparar o cenário para novas tecnologias.
Mas isso não quer dizer que a Anatel vai “tomar” frequências das operadoras para fazer essa reorganização. Na verdade, as concessões de uso das principais faixas que são alvo do refarming começaram a vencer em 2020, e a agência prorrogou a utilização até 2028, quando todas as concessões envolvidas vencem, para só então fazer um novo leilão.
“As redes móveis utilizam diversas faixas de frequência. Historicamente, as operadoras começaram a trabalhar com tecnologias vigentes na época. Por isso, as faixas de frequência foram utilizadas inicialmente para sistemas analógicos, depois para 2G e 3G, evoluindo conforme novas tecnologias eram adotadas. Esse uso, ao longo do tempo, resultou em faixas com blocos 'quebrados', como blocos de 10, 11, 11,5 e 12,5 MHz, o que gera desperdício de frequência”, esclareceu o superintendente.
O refarming de 2028 deve organizar essas faixas em blocos menores e estratégicos para facilitar o uso eficiente do espectro com as novas tecnologias, segundo a Anatel. As faixas que sofrerão maior impacto são as de 850, 900 e 1.800 MHz. Nelas, havia blocos irregulares citados por Nince e, com o refarming, elas serão rearranjadas para múltiplos de 5 MHz, melhorando o aproveitamento.
A agência percebeu, com o desenvolvimento do 4G e do 5G, que as entidades que definem os padrões das novas redes móveis passaram a prever subfaixas de frequência mínimas para o funcionamento da tecnologia que envolvem números múltiplos de 5.
Assim, caso o 6G acabe exigindo uma quantidade mínima de 30 MHz ou de 100 MHz para cada operadora fazer a tecnologia funcionar, a Anatel poderia simplesmente leiloar blocos com 6 subfaixas de 5 MHz, para o primeiro caso, ou 20 faixas iguais para a segunda possibilidade. Dessa forma, não haveria pedaços de frequência sem uso, como acontece hoje.
“Em 2028, com a configuração anterior de arranjo de frequências já vencida, poderemos realizar uma licitação seguindo o novo rearranjo planejado. Assim, faremos uma organização geral em todo o Brasil, considerando o novo arranjo de 30 MHz + 30 MHz em vários blocos de 5 MHz, aplicado a todas as regiões”, completou Nince.
A polêmica em volta do refarming
O refarming das bandas mais antigas em utilização pela telefonia móvel é necessário porque as bandas A e B, ambas na faixa dos 850 MHz, foram distribuídas em lotes de 12,5 MHz. Hoje, isso é pouco para transmitir dados em grande quantidade, o que deixou as faixas subutilizadas. A banda A foi vendida para a iniciativa privada na privatização da Telebras nos anos 1990, e a banda B foi leiloada em seguida.
Fazer a reorganização em blocos de 5 MHz permitiria que operadoras adquirissem vários deles de uma vez em um novo leilão e os utilizassem da melhor maneira possível. Anatel e operadoras reconhecem as vantagens dessa reorganização, mas a polêmica está em como isso deve ser feito.
A diretora de regulamentação da Claro, Monique Barros, chegou a defender durante evento na quarta-feira (6/11) a realização de um refarming feito pelas próprias operadoras. Ou seja, as empresas que já usam as bandas afetadas hoje entrariam em acordo conjunto para reorganizar as bandas A e B, além das demais frequências previstas pela Anatel.
Para tal, a agência teria que prorrogar o prazo para o fim das concessões que estão em vigor, sem leilão, e sem investimento das operadoras. A questão é que isso não foi previsto nos editais dessas concessões, e o Tribunal de Contas da União (TCU) já rechaçou a possibilidade dessa prorrogação, segundo o presidente da Anatel, Carlos Baigorri.
O TCU teria dado autorização para prorrogar esses prazos até 2028 em caráter de exceção para que um leilão completo de frequências fosse realizado até lá, garantindo a reorganização. Legalmente, apenas o edital do leilão das frequências para o 5G possibilita essa prorrogação sem investimento das operadoras.
O Canaltech consultou a Conexis Brasil, representante das operadoras de telecomunicações no país, mas a organização não deu um posicionamento sobre o tema até o fechamento desta reportagem.
Fonte: Teletime, Tele.Síntese