Por que há tanto hype em torno da série de The Last of Us?
Por Durval Ramos • Editado por Jones Oliveira |
Depois de muitos anos de espera, estreia neste domingo (15) o primeiro episódio da adaptação de The Last of Us produzida pela HBO. A série vem sendo muito aguardada não só pelos fãs do jogo do PlayStation, mas por toda a comunidade gamer como um todo por uma razão bem simples: o misto de curiosidade, empolgação e medo de como um dos grandes clássicos recentes dos videogames vai ser transportado para a TV.
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A tal maldição das adaptações não é nenhuma novidade e os próprios produtores do seriado já falaram abertamente sobre o cuidado que todos tiveram para garantir que a série fugisse à infame regra e conseguisse não só atender à expectativa dos fãs, mas superá-la. E, para isso, é preciso entender por que The Last of Us é uma das principais estreias deste ano de 2023.
Afinal, à primeira vista, a história protagonizada por Pedro Pascal e Bella Ramsey não traz nada de diferente em relação a outras tramas pós-apocalípticas ou mesmo de zumbi, como o próprio The Walking Dead. Contudo, basta olhar para os games para entender o tamanho da responsabilidade que o novo seriado carrega antes mesmo de ganhar as telas.
O fenômeno do pai triste
Lançado em 2013 para PlayStation 3, The Last of Us não demorou nada para se tornar um dos games mais aclamados e influentes da última década. Produzido pela Naughty Dog, o jogo fez tanto sucesso que ganhou versões para PS4 e PS5 nos anos seguintes e já totaliza mais de 17 milhões de cópias vendidas ao longo desses quase 10 anos.
Só que a importância do game não está nos números, mas no impacto que ele trouxe ao mercado. Embora não seja nada inovador em nenhum dos aspectos apresentados, seja em mecânicas ou no próprio enredo, a ênfase dada à narrativa trazia nuances e camadas que não eram comuns no mundo gamer até então — principalmente em um gênero bastante comum.
Segundo o próprio criador desse universo pós-apocalíptico, Neil Druckmann, uma trama centrada mais nos personagens e em seus detalhes era algo que a indústria não estava acostumada a ver e ele próprio sabia que era um risco seguir por esse caminho. “Nós fazíamos Uncharted, que era muito mais como um filme da Marvel — um grande espetáculo com grandes cenas de ação — com uma história à la Indiana Jones”, conta o diretor, que temia que a sua ideia fosse sutil demais para ser compreendida pelo público.
Mas não foi. “As pessoas se apagaram de verdade ao jogo. Eu as subestimei e o quanto elas ansiavam por algo assim”, relembra.
Tudo isso porque a história de The Last of Us não é meramente mais uma história de zumbi. Embora a trama seja mesmo ambientada em um cenário bastante comum e que já vimos à exaustão em todos os meios possíveis, o game deixou de lado o foco na ação e até mesmo na sobrevivência para focar na relação entre seus protagonistas. É uma atualização do clássico Lobo Solitário.
Joel era um sobrevivente da infecção que carregava todas as dores de ter perdido tudo e precisava levar Ellie, uma menina imune ao fungo mortal, para o outro lado do país. E é no meio dessa grande jornada que eles criam um vínculo bastante singelo e em que as nuances comentadas por Druckmann são percebidas — uma sutileza com a qual os videogames não estavam acostumados a ver.
Por isso mesmo, não demorou para que The Last of Us passasse a influenciar outros jogos — o que gerou o curioso fenômeno do “pai triste”, em que outros lançamentos passaram a tratar de relacionamentos familiares e trazer uma abordagem bem mais intimista e pessoal em suas histórias. Basta olhar para The Witcher 3: Wild Hunt e God of War para entender o tamanho do impacto de TLOU.
O curioso é notar que nem mesmo essa abordagem era original. Um ano antes da Naughty Dog lançar seu maior sucesso até então, a Telltale tinha trazido a primeira temporada de The Walking Dead que também seguia uma premissa bastante parecida de um homem que precisa escoltar uma menina em meio ao fim do mundo e com uma carga bastante dramática no roteiro. Só que, mesmo tendo sido escolhido o jogo do ano de 2012, a história não fisgou o público da mesma forma.
O fato é que The Last of Us conseguiu arregimentar uma legião de fãs a partir dessa abordagem mais emocional dentro de um jogo de ação. Os fãs se tornaram tão ligados a esses personagens que, no lançamento de The Last of Us - Part II, Neil Druckmann e alguns dubladores chegaram a ser ameaçados por causa do destino de alguns dos heróis. Uma ação reprovável, mas que ilustra bem o quanto as pessoas se conectaram com esses bonecos.
A expectativa em torno da série
Por isso mesmo, o anúncio de que o jogo ganharia uma versão em live-action causou um misto de expectativa e preocupação. Todo fã sonha em ver seu game favorito ganhar as telas em carne e osso, mas o histórico de decepções é tão grande que é natural que a primeira reação seja a desconfiança. Adicione à equação o fato de o sucesso de The Last of Us ser justamente o seu roteiro e você passa a entender o porquê de toda a ansiedade em volta.
Afinal, se o que transformou o jogo no fenômeno que conhecemos foi a sua trama e a escrita que soube usar esse mundo caótico e desgraçado para desenvolver e aprofundar a relação entre seus protagonistas, é natural que haja um temor enorme de que a adaptação não consiga manter a qualidade no mesmo nível. Há em Hollywood uma ideia de que histórias de videogames precisam ser ação e referências, uma combinação perfeita para esvaziar tudo aquilo que TLOU conquistou.
O maior exemplo disso é a saga Resident Evil. Mesmo com a franquia de jogos nunca sendo um primor narrativo, o cinema e a TV nunca entregaram aos fãs uma história minimamente decente. Assim, por que seria diferente com The Last of Us?
A preocupação é tão grande que até mesmo as primeiras informações de mudanças já geraram revolta na internet. Nas últimas semanas, os produtores da série da HBO comentaram que precisaram fazer algumas adequações na história, como a retirada dos esporos da trama. No jogo, há áreas em que os personagens só podem circular usando máscaras sob o risco de contaminação. No seriado, isso foi abolido por não se encaixar na narrativa. Ainda assim, não faltaram acusações de que isso vai arruinar a série.
Ao mesmo tempo, tudo o que foi mostrado até agora apresenta um grau de fidelidade quase inédito no mundo das adaptações. Neil Druckmann já disse que trata The Last of Us como um de seus filhos que, por isso mesmo, fazia questão de participar de todas as etapas da adaptação. Inclusive, foi por isso que ele diz ter preferido uma série ao invés de um filme: o tempo oferecido pela TV funciona muito mais para apresentar, desenvolver e aprofundar toda essa dinâmica entre Joel e Ellie.
E aqui reside o principal desafio do seriado: reproduzir o mesmo impacto entre o público não jogador. Para o gamer, a estreia deste domingo vem acompanhada de toda a carga e a conexão que ele já tem com o jogo. No entanto, há um universo de espectadores que vão conhecer esses personagens pela primeira vez — e esse será o verdadeiro teste para a narrativa criada uma década atrás.
Segundo o próprio Druckmann, a intenção de manter a série tão fiel ao jogo original é mostrar a esse público “não iniciado” o quanto os jogos podem ter histórias profundas e impactantes, revelando o potencial do meio. Só que, para a audiência — gamer ou não —, tudo o que esperamos é uma adaptação que deixe para trás a famigerada maldição.