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Crítica The Crown | Início da 6ª temporada emociona, mas traz visão distorcida

Por  • Editado por Durval Ramos | 

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Divulgação/Netflix
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A primeira parte da sexta e última temporada de The Crown chegou ao catálogo da Netflix rodeada de muita expectativa pela história que prometia contar. Composta por quatro episódios, ela mostra o início da relação entre Diana e o bilionário egípcio Dodi Al-Fayed, o trágico acidente em que o casal morreu e a repercussão do episódio em todo o mundo. Um “início do fim” que emociona, mas que também toma liberdades criativas questionáveis a respeito de uma tragédia real.

Continuação direta da quinta temporada, o início deste sexto ano mostra Diana aceitando o convite feito por Mohamed Al-Fayed para levar os filhos para passar alguns dias na cidade francesa de Saint-Tropez, no iate da família egípcia. Pouco antes, a princesa havia confidenciado ao dono do Ritz que queria estar longe do país quando seu marido Charles, em comemoração aos 50 anos da amante Camilla, desse uma grande festa de aniversário para ela em Highgrove.

Os dias no iate são ensolarados, engraçados e relaxantes, dando quase um aperitivo para Diana da vida que ela e os filhos poderiam ter longe dos holofotes da mídia. O problema é que os paparazzi continuam lá para lembrá-la de que essa realidade não existe e que, não importa para onde ela for, flashes, comentários maldosos e gritos para chamar a sua atenção ainda irão persegui-la.

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É também durante seus dias em Saint-Tropez que a princesa se aproxima de Dodi. Pressionado pelo pai para conquistar Diana, mesmo já noivo de outra mulher, Dodi cede à vontade do patriarca. A princesa e o jovem egípcio passam então a ter uma relação confusa, em que tentam se agarrar um ao outro para não se afogarem em seus próprios problemas.

“Vamos admitir, isso é só drama de novo”, diz a terapeuta de Diana ao telefone, depois que a princesa volta ao iate, agora sem os meninos, e o casal vira notícia em todos os jornais do Reino Unido.

Os dois fotógrafos

A conturbada cobertura midiática do relacionamento de Dodi e Diana é, inclusive, o ponto de partida para que The Crown comece a mostrar o pior e o melhor de si. A série, ao chegar no episódio “As Duas Fotos”, o segundo da sexta temporada, toma dois caminhos diferentes para continuar sua história.

O primeiro deles – e mais tocante – é quando somos apresentados a dois novos personagens: Mario Brenna, paparazzo famoso dos anos 1990, que faz cliques bombásticos e polêmicos de celebridades; e Duncan Muir, fotógrafo que ganha a vida fazendo retratos tradicionais e fotos de eventos oficiais da Família Real.

Personagens novos, mas centrais nesse episódio, os fotógrafos são a representação viva daquilo que estamos assistindo na trama principal do show: a “irresponsabilidade e escândalo” que se tornou a vida da princesa de Gales nos tablóides e a figura de dever e princípios que Charles busca representar.

São Mario e Duncan, respectivamente, os responsáveis pelas duas fotos icônicas retratadas na série: a primeira, o beijo de Diana com Dodi em Saint-Tropez (imagem vendida por 1 milhão de libras ao Sunday Mirror) e, a segunda, a de Charles em um momento familiar com os filhos.

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Por outro lado, é também nesse episódio que The Crown passa a tomar algumas liberdades criativas no mínimo questionáveis. Embora o programa se descreva como uma “ficção dramatizada” e faça parte do seu papel preencher lacunas desconhecidas do público, a série segue por um caminho perigoso.

Decididos a criar a sua própria versão do relacionamento entre Dodi e Diana, a série mostra Mohamed Al-Fayed como a pessoa que delatou o romance dos dois aos paparazzi. E pior: que passa a fazer de tudo para que a imprensa os descubra e eles se se casem — fazendo assim com que ele consiga sua tão sonhada cidadania britânica.

Não é algo que se saiba se é verdade ou não, mas a série decide trabalhar essa trama quase maquiavélica do patriarca egípcio, dando à tragédia envolvendo Diana e Dodi contornos bastante questionáveis, trazendo uma polêmica desnecessária para a produção.

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A perseguição e o acidente

Se há algo inegável nessa sexta temporada de The Crown é que Peter Morgan, criador e roteirista do show, soube fazer o público se colocar no lugar de Diana.

Quando chegamos no terceiro episódio da série e a perseguição dos tablóides chega ao seu limite, com o derradeiro momento do acidente se aproximando, o sentimento de angústia e claustrofobia vividos pela princesa também são sentidos pelo público.

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Diana chega a um ponto de sua vida em que parece não haver lugar no mundo — e nem momento no futuro — no qual ela possa existir para além da figura midiática que se tornou. Até suas tentativas de usar a atenção da imprensa para causas humanitárias dão errado, fazendo com que tudo gire em torno de sua relação com Dodi.

O momento do acidente — um dos acontecimentos mais aguardados desde que a série teve início em 2016 — traz um desfecho já conhecido do público, mas que nem por isso deixa de ser triste e emocionante. A escolha do show em mostrá-lo pelos olhos de um cidadão comum, que passeava com seu cachorro perto do túnel em Paris, traz ainda mais melancolia ao momento.

Todos choram pela morte da "princesa do povo", venerada, perseguida e depreciada, quase na mesma medida.

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A repercussão pelo mundo

Possivelmente o mais problemático dos episódios já disponíveis, o quarto capítulo da temporada se debruça sobre a repercussão do acidente e a cobrança que passa a rondar a Rainha Elizabeth para que ela demonstre algum tipo de compaixão pela tragédia.

Após a série dar ainda mais peso à narrativa de que Dodi Al-Fayed é um fantoche na mão do pai — levando a uma cena, momentos antes do acidente, em que Diana recusa o seu pedido de casamento e o encoraja a sair das asas de Mohamed —, aqui The Crown toma a decisão de ser ainda mais fantasiosa.

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Como forma de mostrar o que se passa na consciência de alguns personagens, o show faz com que Diana e Dodi “apareçam” e conversem com eles, mesmo depois de mortos. Uma cena que serve como metáfora, obviamente, para as angústias e arrependimentos que esses personagens têm, mas que fica deslocada em uma série sempre tão realista.

Apesar disso, são tocantes os momentos finais desta primeira parte, em que a Rainha decide fazer um discurso televisivo e é possível ver uma multidão em frente ao Palácio de Buckingham. Sua fala, intercalada às imagens reais de comoção do público, se mistura também a cenas que mostram outros personagens tentando lidar com a perda de Diana, como é o caso dos príncipes William e Harry.

Ao final, fica a sensação de que The Crown ainda sabe como contar uma história que impressiona, não só pelo dinheiro e opulência que aparecem na tela. No entanto, fica também a sensação de que em seu momento mais importante, a série levou um tropeção e entregou ao público muito mais ficção do que realidade.

Ao escolher transformar em “novela” um momento tão tocante para os fãs e para a própria História, ela perde um pouco do seu brilho — e, diria até, de sua credibilidade, ainda que essa nunca tenha sido sua intenção. Um começo de desfecho agridoce para um programa que sempre foi tão brilhante.