Orange Is The New Black se despede com temporada morna e missão cumprida
Por Natalie Rosa |
Orange Is The New Black tinha que acabar. Quando foi lançada lá em 2013 — pasmem: seis anos atrás —, contou com a vantagem de ser uma das primeiras produções originais da Netflix. Antes dela foram lançadas House of Cards e Hemlock Grove, no mesmo ano.
Mas o que mais chamou a atenção do público foi a premissa da série. O sistema penitenciário feminino não é o tema preferido entre os roteiristas e diretores, mas a produção conseguiu adaptar o assunto de forma não tão pesada, com um belo toque de humor.
A série é baseada em uma história real vivida por Piper Kerman, relatada no livro Orange Is The New Black: My Year in a Women’s Prision (no Brasil, Laranja é o Novo Preto: Meu Ano em uma Prisão Feminina). Seu nome foi dado, inclusive, à personagem principal mudando apenas o sobrenome: Piper Chapman (Taylor Schilling).
Atenção! Daqui em diante esta crítica pode conter spoilers, então cuidado!
Piper tinha tudo para ter uma vida tranquila. Família rica, branca, olhos claros, bonita e privilegiada. Mas em um momento de transgressão acaba se envolvendo com Alex Vause (Laura Prepon), traficante de drogas. Elas vivem um romance intenso, mas que acaba 10 anos antes do início da série. Já com a vida novamente estável e noiva de Larry Bloom (Jason Biggs), a polícia federal descobre que Piper fez parte de um esquema de transporte internacional de drogas e precisa cumprir pena de 15 meses em uma prisão federal feminina. Então, ela resolve se entregar.
A protagonista então descobre um mundo completamente novo do crime e, junto com ela, descobrimos casos tristes, crimes horrendos e, mais chocante ainda, vemos como as mulheres são tratadas nesses lugares. No decorrer das sete temporadas, vemos guardas da prisão cometendo barbaridades com as detentas em estupros, assédio moral e sexual, tráfico de drogas e objetos, e chantagens.
Vimos grupos divididos por negras, asiáticas, latinas, idosas, mulheres com algum tipo de condição mental, transsexuais e até supremacistas brancas. Conhecemos suas histórias de vida, seus crimes, suas motivações e o que as espera fora da prisão, se algum dia conseguirem sair dela. Nos encantamos por algumas e torcemos por elas, enquanto outras apresentam situações em que é mais difícil sentir empatia.
Mas por que Orange Is The New Black precisava acabar? Na verdade, já deveria ter acabado. As primeiras temporadas nos mostram o inédito, afinal, como já foi citado, histórias sobre prisões femininas não estão “a rodo” por aí. Mas a fórmula entrou em um clico sem fim: história de detentas, rebeliões, mortes, guardas perigosos, lições de vida, Piper não colaborando para conseguir sair da cadeia, novos personagens, e assim segue.
Um bom momento em que poderia ter acontecido esse fechamento seria na quinta temporada, depois de uma das personagens mais queridas de Orange Is The New Black ser assassinada violentamente por nada, a Poussey (Samira Wiley). Foi uma morte triste e que, de uma vez por todas, mostrou ao público o perigo do sistema carcerário e o poder que é dado aos funcionários, que se descontrolam com o poder que têm em mãos.
Uma série boa e que conta com um bom retorno do público precisa saber o momento de acabar ou de se reinventar. A segunda opção, no entanto, não faria muito sentido para OITNB devido ao ciclo infinito de situações. A não ser que, por exemplo, continuasse em outra prisão e com outras personagens, mas o ciclo voltaria a se repetir em algum momento.
Sétima e última temporada
Apesar de ter se tornado repetitiva, Orange Is The New Black se encerrou com boas lições e a sétima temporada foi prova disso.
Depois de cumprir sua pena, Piper tenta se adaptar à vida fora da penitenciária, que fica mais complicada por estar casada, mesmo que “de mentira”, com Alex. É quando vemos um cenário menos comum dentro de OITNB, que ganha mais destaque por se tratar da protagonista.
A todo momento ficamos esperando que Piper se comporte de uma forma que a levaria de volta à cadeia, o que não seria novidade se tratando da personagem. Isso não acontece, mas a relação entre elas fica muito complicada.
Apesar de concluir com sucesso a missão de não ser presa novamente, no final Piper age de forma que não chega nem a ser impulsiva, mas desesperada, de não perder o seu grande amor. Em meio a flertes, beijos e sexo com outras pessoas, Alex chega à conclusão que Piper precisa se libertar, afinal ela só foi presa por causa dela. Então, ao ser transferida de cidade depois de se relacionar com uma guarda, que se apaixona e fica extremamente ciumenta com a relação das detentas, e faz isso como uma forma para que elas fiquem separadas.
Isso não acontece, afinal estamos falando de Piper. Ela decide se mudar para Ohio, onde fica a nova “casa” de Alex para construir a sua vida lá e esperar que ela seja solta. Final feliz para o casal!
Críticas e fatos
Para a última temporada, a série pega mais leve nas histórias para pontuar as críticas mais importantes, falando sobre aborto, estupro, denúncias de assédio sexual, tráfico de drogas e a deportação.
Um ponto que é abordado na sétima temporada é o questionamento: “merecemos estar aqui?”. Muitos dos crimes são extremamente graves, como o de uma mulher que assassinou seus filhos, mas ela acaba recebendo o mesmo tratamento de quem roubou ou traficou porque vivia em pobreza extrema, por exemplo. Qual seria a melhor forma de tratar essas mulheres como seres humanos? Apenas punindo ou punindo e ressocializando? A vida dentro na prisão realmente vai fazer com que elas aprendam a lição e nunca mais queiram ou precisem cometer crimes?
Esse questionamento leva a um projeto idealizado pela detenta Taystee (Danielle Brooks), uma das personagens presentes desde o início e que sempre sofreu muito. Ela cria um fundo financeiro que faz um empréstimo a uma detenta recém-liberada para que ela consiga estabilizar a sua vida nos primeiros meses de soltura. Quando a ex-detenta consegue um emprego que a permita se sustentar, ela devolve o dinheiro do empréstimo, que é redirecionado a uma próxima detenta. O projeto se chama Poussey Washington Fund, em homenagem à amiga Poussey.
As questões de assédio sexual e estupro também são abordadas na última temporada. Vemos o personagem Joe Caputo (Nick Sandow), que teve diversos comportamentos inapropriados com as detentas, ser exposto na internet pelo movimento #MeToo. A hashtag tem bastante relevância nos Estados Unidos por expor casos envolvendo, até mesmo, famosos.
Caputo sofre com as consequências da acusação, mas com muita dificuldade ele começa a compreender o motivo de estar errado, mesmo que o comportamento não diga o mesmo.
A deportação de imigrantes também é bem aprofundada nesta temporada. Algumas detentas já conhecidas desde o início, do núcleo latino, são soltas, mas logo capturadas pela ICE por estarem de forma ilegal nos Estados Unidos. Novas personagens aparecem também para contar como as políticas imigratórias são cruéis.
Em uma parte bem chocante, crianças com menos de 10 anos estão sozinhas no tribunal, precisando se defender sem a ajuda de um adulto e, muito menos, de um advogado. Em um determinado momento, é perguntado se eles têm um advogado de defesa, mas, sem entender o que estava acontecendo, não sabem o que responder.
Outra forma de debater o problema do estupro e aborto foi mostrar uma nova personagem que havia sido estuprada enquanto cruzava a fronteira dos Estados Unidos, o que acabou a deixando grávida. Ela não quer ter o filho devido ao trauma, mas também não é algo colaborado pela polícia. Isso também é uma crítica à recente medida de alguns estados norte-americanos que querem dificultar e criminalizar o processo. A imigrante, no entanto, conta com a ajuda de Natalie (Alysia Reiner), que consegue um comprimido para ajudá-la no aborto.
Acabou bem, sem muito alarde
Por fim, a sétima e última temporada de Orange Is The New Black acabou sem muita confusão, sem muitos desastres e com pouco nervosismo, sendo apenas uma temporada de conclusões. Vimos os casos citados nesta crítica como foco, fazendo com que a crítica social existente na série também não passasse despercebida nestes últimos episódios, mas também vimos os desfechos dos personagens que restaram, alguns aparecendo só no final em forma de despedida.
Uma das personagens mais marcantes e que impactaram bastante a história da trama é Red (Kate Mulgrew), uma idosa russa que acaba desenvolvendo demência, precisando agora apenas ter uma vida calma e tranquila. Vimos também que Lorna Morello (Yael Stone) também tem a sua condição psicológica afetada, chegando a ignorar o fato de que seu filho havia morrido ainda recém-nascido e fingindo nas redes sociais que ele ainda estava vivo.
Daya (Dascha Polanco), que também foi bastante importante para a série e que carrega uma coleção de traumas, se vê mais envolvida no tráfico de drogas e violência do que nunca. Tiffany (Taryn Manning), infelizmente, acaba morrendo; Suzanne (Uzo Aduba) também continua com a mesma condição psicológica e com a mesma inocência de sempre.
Para alguns personagens, nada muda, nem eles passam por algum momento de reviravolta impactante. Entre solturas, deportações e penas ainda sendo cumpridas, chegamos ao fechamento de Orange is The New Black, mas nem todos com um final feliz. Poderia ter acabado antes, mas o encerramento conseguiu acontecer no tempo certo.