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O futuro do Nubank, conta PJ, concorrência: um papo com o criador da NuConta

Por| 24 de Setembro de 2019 às 11h00

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Divulgação / Nubank
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Eram 14h10 de uma terça-feira, quando eu esperava Vitor Olivier, VP de Consumo do Nubank em uma sala de reunião de um dos prédios da fintech, em São Paulo. Ao redor do espaço envidraçado, dezenas de funcionários andavam para lá e para cá com seus Macbooks a tiracolo e até um simpático cachorrinho acompanhava a movimentação.

A entrevista que seria feita com o executivo estava marcada para 14hs, mas o leve atraso de Olivier era até compreensível. Afinal, a rotina de um dos primeiros funcionários do Nubank - formado pela Universide de Duke, nos EUA, com especializações em Economia e Ciência de Computação - não devia ser das mais tranquilas.

Por volta das14h12, Olivier chega. Levemente esbaforrido, pede desculpas pelo atraso, mas a razão era, digamos, saudável: ele havia subido os 12 andares até a sala de reunião de escadas, o que me deixou com a consciência bem pesada, já que eu reclamava do calor da capital paulista a cada dois minutos, mesmo com o ar-condicionado funcionando a pleno vapor e ao lado de um copo d´água.

Mas,divagações à parte, o fato é que Vitor, mesmo não sendo um rosto tão presente na mídia quanto os fundadores do Nubank - David Vélez, Cristina Junqueira e Edward Wible - tem muito a dizer. Afinal, ele liderou a equipe de criação da NuConta, a conta digital da fintech que amealhou mais de 10 milhões de clientes e que, hoje, vem sustentando o crescimento da empresa - e, de quebra, deixando os bancos tradicionais olhando de soslaio (sempre quis usar essa palavra).

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E nessa entrevista ao Canaltech, Vitor falou sobre o futuro do Nubank, a concorrência, a crise do Neon, novos produtos que a sua equipe vem desenvolvendo, a chegada do N26 (considerado o "Nubank europeu") e muito mais. Confira abaixo como foi o papo:

Canaltech: O Brasil tem um sistema bancário sólido e consolidado, mas dominado por poucas instituições financeiras. Como foi o desafio de desenvolver um produto como o Nuconta em um país onde ainda se valoriza muito o "ir à agência"?

Vitor Olivier: Primeiro, fomos olhar onde estava a dor no mercado e olhamos especificamente os nossos clientes naquela época, pois tínhamos acabado de obter um milhão de clientes usando o cartão de crédito do Nubank. Era um público jovem, urbano e muito ligado em tecnologia, eram os clientes mais ativos do nosso cartão de crédito. Conquistamos a confiança deles ao longo dos anos, mostrando que conseguíamos oferecer um serviço transparente e que poderíamos cuidar do dinheiro desses clientes.

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Com isso em mente, nos baseamos em três pilares para criar a Nuconta no início: 1 - ausência da tarifa de manutenção, já que, não importa o valor, se for uma tarifa fixa anual, vai matar qualquer rendimento; 2 - disponibilidade imediata do dinheiro. Afinal,o usuário quer guardar dinheiro, mas quer também a possibilidade de resgatar essa grana quando quiser para, por exemplo, aproveitar a promoção de uma viagem, produto ou emergência familiar; e o 3º pilar é o rendimento. No momento em que você quer poupar, onde você coloca todo esse dinheiro? Queremos que o dinheiro de nossos clientes renda dentro das contas, sem precisar que ele se preocupe com aplicações complexas.

Notamos que as dores do cliente estavam nesses três pontos: ou você tinha que travar o dinheiro, ou não rendia, ou tinham muitas tarifas… o cliente ficava perdido. Olhando nesse ângulo, entramos com um produto que tinha "encaixe" para a população, e a questão é: quando você está resolvendo uma dor de uma forma bem clara para uma população que você já conquistou a cofiança, todo esse mercado consolidado e tradicional importa menos. O atrito vem no ato de conquistar a confiança no início, e focando naquele mercado, conquistamos através do produto que queremos lançar.

CT: O problema enfrentado pelo Neon em 2018 [quando o banco enfrentou uma liquidação extrajudicial junto ao Banco Central], criou algum tipo de desconfiança do público junto à solidez das fintechs? Ou visão já é de um setor mais consolidado?

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V.O.: O que nós sentimos naquela época – e sentimos até hoje - é que, por termos criado um relacionamento de longo prazo a partir do nosso cartão de crédito, e também de termos focado nos nossos clientes atuais com a NuConta, conseguimos passar a seguinte mensagem: “Olha, vocês confiam na gente, a gente tá trazendo algo novo para vocês, vocês sabem que fazer negócio com a gente é algo em que vocês podem confiar, temos solidez, estrutura, nível de qualidade".

Então, a partir daí, acho que termos conseguido uma base grande no cartão e depois uma base grande na NuConta, uma base de pessoas que já confiavam na gente porque utilizavam o cartão antes, criamos uma aura de empresa confiável. Então, na época da crise do Neon, conseguimos coletar muito desse valor que criamos lá atrás, com esse relacionamento de longo prazo com os clientes. Então eu não senti ou sinto esse tipo de desconfiança.

Inclusive, a nossa maior fonte de crescimento é de indicações de nossos clientes atuais. Ou seja, não existe um tipo de confiança melhor do que aquela quando um familiar ou amigo indica abrir ao outro para abrir uma conta no Nubank.

Acho que mais do que a desconfiança em relação à solidez do nosso produto, temos um obstáculo maior: atingir uma parte da população que ainda não é bancarizada ou ainda não está no mundo digital. Alcançar esses dois mundos, hoje, é um desafio muito maior. Em que momento essa curva acontece, quando conseguimos impactar as pessoas que não tem um smartphone ou ainda não estão no mundo digital? Então eu vejo ali os maiores desafios de crescimento do que as pessoas falando de desconfiança.

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CT: O gerenciamento das contas e cartões do Nubank passa aquela imagem de que o banco é mais pensado para jovens. Como conquistar o público mais maduro? Vocês pensam em produtos focados nesse nicho ou os já existentes no Nubank podem se adaptar a eles?

V.O.: Nosso foco, nesse momento, é atrair o público mais jovem e o público mais acostumado com a tecnologia. Mas eu diria que nosso produto é feito para quem não gosta de burocracia, de ser um produto self-service, onde você tem controle da sua experiência e não precisar falar com ninguém. Isso é algo que é forte no jovem de hoje, eles cresceram com essa visão.

Mas, por outro lado, você também vê a população cada vez mais digitalizada e cada vez mais capaz de operar esse novo universo. Hoje, temos clientes de todas as faixas etárias, em todas as cidades brasileiras então vemos que os produtos que existem hoje a gente já conseguem oferecer grande valor para grande parte da população.

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Por outro lado, não temos produtos como conta conjunta, que atinge uma população mais madura, como famílias. Essa modalidade exige um outro tipo de experiência, diferente do público que temos hoje. Logo, é tudo uma questão de prioridade. Nós achamos que, incrementalmente, podemos, a partir desse quórum jovem e urbano que temos hoje, expandir em todas as direções aos poucos. E sim, temos o foco de atender 100% da população.

CT: Mas esse público, como pai de família, vocês também querem conquistar?

V.O.: Sem dúvidas. Acho que alcançar esse público vem muito da questão de customização de experiência de receber um serviço financeiro, dado o momento que cada pessoa está na vida. Mas não queremos pensar de forma genérica na hora de criar um produto e sabemos que criar algo como um produto bancário é uma experiência que não é única para todo mundo. Queremos que a pessoa tenha o controle e que, claro, atenda as suas necessidades.

CT: O Nubank começou com um cartão de crédito, hoje a NuConta já tem mais de 10 milhões de usuários. Como não cair na "cilada" de sair de uma fintech, querida por boa parte do público, para virar um banco tradicional? Como vocês podem garantir que a agilidade na tomada de decisões, mesmo crescendo ano após ano?

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V.O.: Temos plenos consciência de que no momento em que perdermos nosso DNA de tecnologia, perderemos nosso diferencial. Estamos confiantes que isso não vai acontecer, porque nos definimos não como um banco, mas como uma empresa de tecnologia. Inclusive, se você olhar as posições que mais contratamos, a maioria pertence a setores como Produto, Tecnologia e Design. Essas posições não serão direcionadas para a área financeira, mas são áreas que dão apoio ao negócio de verdade. Então nos posicionamos, contratamos e criamos o ambiente de tecnologia. Olhamos para o Vale do Silício e para a China como referências. Tornar-se um banco é algo a gente quer evitar ao máximo. No final, somos uma empresa de tecnologia que oferece serviços financeiros.

CT: Você veio de um banco de investimentos. E algumas instituições, como a XP, querem popularizar os investimentos na bolsa, por exemplo, entre o público mais jovem. É possível tornar esse universo mais acessível a esse nicho dentro de uma fintech ou são realidades diferentes?

V.O.: Todo produto que existe no país e no mundo vai ter uma versão disruptiva, feito por novas empresas ou por empresas mais consolidadas para, realmente, repensar como são entregues os serviços para o usuário final. Existe um poder de aumentar a acessibilidade e distribuição de produtos de forma mais simples, focar em mercados que antes eram limitados. E alcançar esse nicho pode vir com a adoção de novas tecnologias, que permitem a redução de preços, a facilidade na experiência, a criação de autonomia e a eficiência de operação. E o mundo de investimentos tem uma super oportunidade em ter uma mudança nessa direção.

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CT: Mas você enxerga isso no futuro como algo que o Nubank possa explorar?

V.O.: Acho que o Nubank sempre vai considerar novas oportunidades. A maneira como pensamos é focada no que nosso cliente precisa e onde como podemos resolver as suas dores principais. Quando tivermos essa função e/ou algoritmo que permita apontar em investimentos ou ações, ou coisas do tipo, vamos olhar pra essa direção. Vemos que dentro desse produto ainda existe um universo de coisas que podem ser oferecidas para além do básico. Pensamos muito sobre esse mercado [ de investimentos], temos um time de controle financeiro e até estávamos discutindo sobre um teste de comunicação e produtos cujo principal objetivo era tentar ajudar o cliente a poupar mais. Mas estamos pensando no que conseguimos trazer a mais, além do produto financeiro, pensar além na experiência do usuário, trazer algo de valor para o cliente, porque, no longo prazo, esse tipo de confiança e condicionamento são o que a gente tem de diferencial, muito mais que número de ofertas e produtos.

CT: O Nubank, hoje, já tem de mais de 10 milhões de usuários na NuConta. Hoje, o foco de vocês é “roubar” correntistas de instituições como Itaú, Bradesco ou Santander ou focar no público que ainda não tem uma conta corrente?

V.O.: Em algum aspecto são os dois. Queremos que os dois públicos consigam entrar [no Nubank] e ver valor da mesma maneira. Então fazemos com que a NuConta seja algo simples o suficiente para proporcionar uma experiência bancária sem complexidade e burocracia.

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No entanto, é mais natural olharmos [mais atentamente] para clientes que já têm conta bancária em outra instituição. Com eles, você tem que introduzir menos conceitos, você facilita as movimentações, é onde acontece o maior impacto. O que acontece, naturalmente, é quanto menos atrito você encontra, mais fácil é atingir uma população e quanto mais pessoas confiarem no seu produto, mais você tem uma viralidade.

Mas também queremos criar algo maior, algo que mude todo o perfil bancário do país, queremos trazer mais e mais pessoas, empoderar a população através dos nossos mecanismos. O que a gente tem mais orgulho é saber que qualquer brasileiro com um smartphone consegue abrir uma conta no Nubank em menos de 3 minutos. Sabemos que esse processo bancário ainda gera um super atrito e queremos aperfeiçoar isso na próxima década.

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CT: Hoje, muitas fintechs estão de olho no público MEI (Microempreededor Individual / PJ (Pessoa Juridica). O que esse nicho procura em um banco ou fintech? E o que fazer para conquista-los?

V.O.: A visão de uma NuConta para o PJ seria, claro, adaptada às necessidades e recursos diferentes. E isso passa, por exemplo, pela utilização de boletos, cobrança, fundo e fluxo de caixa e outras particularidades..

Nós sabemos as dores, mas ainda precisamos saber como resolvê-las de uma maneira que realmente a pessoa veja que o nosso produto é aquilo que ela está procurando. Ainda estamos analisando as características dessas modalidades. Então, a melhor forma é atender primeiro aquele nosso cliente que já conhecemos e que confia na gente. Começamos a partir deles e expandimos para outras direções.

CT: E como andam os testes com a conta PJ do Nubank?

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V.O.: Ainda está em fase de testes, logo, não temos uma data de lançamento. Só vamos fazer isso [ lançar a NuConta PJ] quando estivermos com confiança de que isso vai entregar valor para os nossos clientes.

A grande oportunidade que existe é que, com todas as mudanças trabalhistas, você já tem uma parcela considerável da população trabalhando como PJ e, historicamente, é uma população que conta com um serviço muito caro e com uma qualidade não muito boa em outros bancos.

Hoje, abrir uma conta PJ num grande banco normalmente traz uma tarifa altíssima embutida e, não importa por que você precisou abrir uma MEI, o empreendedor sempre acaba tendo um atendimento de baixa qualidade. Logo, acreditamos que se for cobrar por algo, que seja por algo baseado em valor agregado e não simplesmente por existir e ter cobrança de um “pedágio”.

Temos de oferecer uma estrutura de preços que seja melhor, um atendimento melhor, abordar com mais eficiência questões como emissão de boletos, cobranças, controle de fluxo de entrada e saída. Atualmente, este é um mercado muito mal servido.

CT: As fintechs são empresas que precisam se mover e se transformar rápido. Qual é o futuro delas a curto e médio prazo?

V.O.: Acho que daqui a cinco anos todas as fintechs vão ter que virar techs no sentido que o mercado está mudando rápido e o comportamento do usuário está mudando tanto, que a única receita para o sucesso é conseguirmos nos adaptar.

Eu não sei se o plástico vai existir como existe hoje, não sei se QR Codes serão coisas gigantes ou não. Mas o que é muito importante pra gente é criar os pilares tecnológicos necessários para acompanhar aonde a população queira ir. Vamos chegar lá e entregar um produto de qualidade. Para o Nubank, essa adaptabilidade é o nome do jogo e só dá pra ser feito com uma tecnologia apropriada.

Mas você não consegue criar essa adaptabilidade só pensando: “vou lançar um produto de conta digital, e só pensar em contas”. Você tem que pensar: "Vou criar plataformas de infraestrutura que dão uma flexibilidade e de todo esses leques de serviços, um deles é financeiro".

Nós temos criado nosso próprio sistema dentro de casa, criamos nossa tecnologia, mecanismos, fazemos mudanças no software várias vezes por dia e esse DNA anti-comodismo que temos aqui dentro permite olhar para os próximos cinco anos, fazendo muitas coisas diferentes. E só vai se manter relevante quem conseguir acompanhar essas mudanças.

CT: Gerenciar um banco exclusivamente por meio de um aplicativo foi uma inovação que deu muito certo. Em termos de Tecnologia, qual é o próximo passo para as fintechs? Focar mais na China ou EUA?

V.O.: A gente olha muito pra China, mas achamos que o ambiente bancário de lá é muito diferente do Brasil, seja em termos de governo, competição, relacionamento com privacidade, quantidade de cartões de crédito e débito existentes, pagamento com QR Code...mas mesmo com dinâmicas bem diferentes, olhamos muito para as soluções do mercado chinês, porque existe bastante aprendizado que pode ser interessante.

Já nos EUA também há muitas coisas interessantes, mas mais relacionadas à crédito. Mas a Índia também é bastante interessante, já que o sistema financeiro de lá trabalha com o objetivo de eliminar o dinheiro em espécie, criar uma plataforma de open bankings que permite a entrada de vários competidores no mundo de transferências. O que a gente vê no final das contas, e que eu acho interessante, é que, no Brasil, minha expectativa é que as grandes mudanças no mercado vão acontecer primariamente com o Banco Central apontando a direção. Felizmente, temos um Banco Central totalmente pró-tecnologia e inovação e eu acho que eles reconhecem que existem muito que pode ser criado.

CT: O N26 é considerado o “Nubank europeu”. Como vocês estão analisando a chegada deles ao Brasil?

V.O.: Eu acho que competição é algo sempre positivo. O que importa é sermos adaptáveis e estarmos presentes onde o cliente precisar de ajuda. Novos concorrentes sempre agregam maneiras diferentes de olhar para o mesmo problema. Eu não tenho medo e nem estou avesso à competição. Acho que é uma coisa positiva pro mercado e para o cliente.