Mulheres dão 'pulos' na carreira em IA com formação sobre grafos
Por Anaisa Catucci | •

“Por vários motivos, eu não seria óbvia para a área de tecnologia," afirma Bruna de Sá, 43 anos, uma das alunas da primeira turma do Programa Mulheres em Grafos.
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Com 14 anos de experiência em suporte após formação em Administração, Bruna representa a mudança de rota necessária para superar o déficit de talentos e injetar diversidade na base da Inteligência Artificial (IA).
A necessidade de preencher lacunas de mão de obra qualificada no setor é crítica: o Brasil deve demandar quase 800 mil novos profissionais de TI até 2025 segundo a Brasscom, e a oferta anual de formandos é insuficiente.
Bruna mora em Nova Lima (MG) e fez uma escolha estratégica ao dedicar-se integralmente à tecnologia de grafos, a estrutura de dados que sustenta a próxima geração de aplicações inteligentes.
Ela projeta se firmar como referência em uma das áreas mais críticas do setor, em que os salários de especialistas em IA sênior podem alcançar até R$ 35 mil mensais, segundo o Guia Salarial 2025 do setor de TI, do grupo Adecco.
A meta, no entanto, transcende a recolocação profissional. "Na medida em que conseguir essa recolocação e conseguir essa referência no mercado de trabalho, tem outras mulheres que precisam ser puxadas, é chegar lá, mas puxando outras mulheres", afirmou, evidenciando o objetivo de multiplicar a representatividade feminina na tecnologia.
A transição e os desafios de gênero
Essa busca por uma carreira de alto impacto, apesar de uma formação inicial em outra área, é um movimento compartilhado por outras participantes do programa.
A trajetória de Geovana Santos, de 32 anos, de São Paulo (SP), é um retrato dessa transição no mercado atual. Com formação inicial também em Administração, ela encontrou o caminho da tecnologia há apenas quatro anos. No entanto, a inserção na área veio com o peso dos desafios de gênero e raça.
"Só o fato de ser mulher já é muito difícil, entrar na área de tecnologia, que é uma área que é dominada praticamente pelos homens. E também ser uma mulher negra também é um pouco difícil," desabafa Geovana, que muitas vezes foi a única mulher em ambientes cercados por homens.
A dificuldade também reflete um cenário nacional: as mulheres representam menos de 20% dos profissionais de TI no Brasil. E a proporção de formandas na área de Computação e Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) chegou a apenas 15% em 2022, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A baixa diversidade não apenas limita talentos, mas também é uma preocupação ética, pois a falta de vozes diversas na criação de algoritmos de IA pode perpetuar e amplificar vieses sociais.
Para Geovana, a grande virada na sua vida profissional foi a possibilidade do home office. Como mãe de uma menina de 4 anos, a flexibilidade foi um fator determinante.
"Se não fosse a área de tecnologia, eu talvez não estaria no mercado de trabalho. Porque o home office possibilita que eu fique em casa, que eu pegue minha filha na escola e volte a trabalhar," afirma Geovana, ressaltando que, ao conquistar sua independência e seguir uma carreira promissora, ela também se torna um exemplo de representatividade e sucesso para a filha.
Grafo como conexão de oportunidades
Além da formação técnica, o Programa Mulheres em Grafos – uma parceria entre a Neo4j e a SoulCode – traz mentorias e aulas de inglês. O curso visa levar as mulheres diretamente para o mercado de trabalho, sem exigir experiência prévia.
O programa, que foi apresentado no fim de outubro em São Paulo, reflete um movimento estratégico e urgente no mercado brasileiro.
Segundo a Brasscom, o país enfrenta um déficit anual superior a 100 mil profissionais de TI. O Canaltech teve a oportunidade de acompanhar a apresentação da iniciativa e conversou com os participantes e idealizadores.
Impacto social e estratégia de inovação
O vice-presidente da Neo4j para a América Latina, Paulo Farias, ressaltou o impacto social da iniciativa, que visa mulheres em situação de vulnerabilidade social, recém-formadas, vindas de “território de favela, desempregadas, e mulheres com mais de 50 anos.”
“Promover a participação feminina na tecnologia é mais do que uma meta de diversidade, é uma estratégia essencial para impulsionar a inovação, a criatividade e o crescimento sustentável dos negócios no Brasil", explica Farias.
A CEO e cofundadora da SoulCode, Carmela Borst, reforçou que a baixa presença de mulheres no mercado de tecnologia exige iniciativas que abram caminhos.
Ela enfatiza que a busca deve ser pelas "não-óbvias", pois, embora o número de mulheres em tecnologia esteja estagnado em cerca de 20%, a situação é dramaticamente pior para grupos específicos (mulheres pretas, mulheres com deficiência, mulheres trans e com idade a partir dos 50 anos).
Apesar de o Brasil ainda caminhar em pequenos passos competência digital na América Latina, Carmela vê uma oportunidade no estudo de grafos.
"A ideia é usar a tecnologia como um meio para gerar grandes 'pulos', e não apenas passos lentos na carreira. A formação em uma área de alta demanda e complexidade, como grafos, permite que mulheres que não teriam acesso a essa tecnologia saltem diretamente para um nível de conhecimento e empregabilidade avançado. A gente tem 15 mulheres que não são óbvias e elas agora dão um pulo", explica.
A necessidade de diversidade vai além da equidade social. Como aponta a executiva Ana Minoto, a chave é combater o desenvolvimento de IAs enviesadas. "Trazer mais mulheres para o desenvolvimento do código e dos modelos é a estratégia primária para garantir que os algoritmos sejam mais éticos e inclusivos", avaliou.
Inteligência nas relações
A tecnologia de grafos está na base de uma das revoluções da IA Generativa (GenAI) e foi criada para ajudar a resolver diversos problemas de negócios relacionados a dados, mas, metaforicamente, também nos traz um ensinamento sobre a importância das conexões humanas.
Matematicamente, um grafo modela relações entre entidades, composto por Nós (objetos como clientes ou transações) e Ligações (as conexões e tipos de relações entre esses objetos).
Enquanto bancos de dados tradicionais isolam os dados em linhas e colunas, os grafos capturam o contexto inerente às relações, garantindo precisão, aplicabilidade e governança essenciais aos sistemas de IA.
"A verdadeira inteligência está nas relações entre os dados, e a Neo4j permite que a gente resolva problemas complexos de negócio, como, por exemplo, como um produto se conecta com o histórico de compra de um cliente e não apenas com a última transação", explica Geovana.
Aplicações de mercado e o efeito catalisador
O poder dos grafos se manifesta de forma decisiva em diversos domínios de mercado, como no combate à fraude em pagamentos. No iFood, de acordo com Nathalia Palato, head de Prevenção a Fraudes, a utilização de grafos atua como um catalisador de mudança, integrando e analisando dados complexos.
O grafo permite, por exemplo, relacionar clientes, cadastros e serviços a partir de informações de comportamentos de usuário e suas variações, identificando padrões e anomalias que sinalizam tentativas de fraude.
Maísa Duarte, head de Pesquisa e Desenvolvimento do Bradesco, por sua vez, usa grafos para fornecer contexto essencial aos seus modelos de GenAI, aprimorando sua confiabilidade e mitigando as chamadas "alucinações" ou respostas imprecisas, como citou.
Essa lógica dos relacionamentos, fundamental nos grafos, ressoa com o pensamento sistêmico feminino. "Com o pensamento sistêmico que temos, a gente está a todo momento conectando os pontos e fazendo com que as coisas ganhem significado", disse a diretora de Negócios da Neo4j para o Brasil, Nicole Caetano.
A gerente de Sucesso do Cliente da Neo4j Maya Dairy complementou, traçando um paralelo: a própria carreira é um grafo, em que cada avanço profissional foi intermediado por uma conexão e não por candidaturas tradicionais.
"Dados sem contexto são apenas ruídos. São esses relacionamentos, são esses contextos que os transformam em inteligência", explicou.
Karina Lima, head de Startups da AWS no Brasil, destacou que a chave para a inovação em escala reside na coexistência e colaboração mútua entre grandes empresas e startups.
Essa simbiose é a força motriz que impulsiona a modernização do mercado, comprovando que o sucesso está intrinsecamente ligado à capacidade de estabelecer conexões estratégicas.
Por fim, Monique Femme, líder da Data Hacker, um dos maiores ecossistemas de inteligência artificial do país, enfatizou que o primeiro e mais importante elo é a "conexão de você com você mesmo," e que o sucesso da inovação depende da união entre pesquisa, empresas e o capital financeiro.
10 mil bolsas para formação em Grafos
Além do Programa Mulheres em Grafos, que deve receber novas turmas em breve, a Neo4j anunciou também o Neo4j GraphAcademy Bootcamp, em parceria com a plataforma DIO, que disponibiliza 10 mil bolsas de estudo gratuitas para a formamação em fundamentos de grafos.
São mais de 50 horas de conteúdo online, com projetos práticos, mentorias e certificação internacional.
O bootcamp vem como uma resposta ao déficit crítico que atinge mais de 100 mil vagas anuais no setor de tecnologia brasileiro.
As inscrições estão abertas, e os interessados devem se inscrever por meio do site da DIO (dio.me/bootcamp).
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