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BIG Festival | Aos 73 anos, dona Tereza cria seu primeiro jogo “para a netinha”

Por| 01 de Julho de 2019 às 18h44

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Wagner Wakka/Canaltech
Wagner Wakka/Canaltech

Quando a aposentada Tereza Brocardo, 77, disse “queria fazer um jogo para minha netinha”, foi quase impossível segurar o olhos marejados. Quatro anos atrás, dona Tereza encarou o desafio de desenvolver seu próprio jogo, uma missão que pouca gente no alto de suas habilidades cognitivas aceitaria.

Ela foi uma das participantes do painel de inclusão de pessoas com mais de 60 anos no universo dos games, encontro apresentado no Brazil’s Independent Games Festival (BIG) no último sábado (28).

Antes de tudo, é preciso colocar a história dela em perspectiva. Quando dona Tereza nasceu, computadores nem eram populares. Os físicos Thomas T. Goldsmith Jr. e Estle Ray Mann só viriam a criar o primeiro protótipo do que se pode chamar de protogame em 1947, com raios catódicos. Nessa época, ela tinha apenas cinco anos e morava no Brasil. Os jogos se popularizaram aqui uns 30 anos depois, sendo que um mercado de desenvolvimento nasceria só no século seguinte. Ou seja, para pessoas como ela, a opção de desenvolver só nasceria após os 60 anos. E ela não está sozinha.

Dona Tereza faz parte de um grupo de mais de 200 alunos que passam ou já passaram pelo curso Cérebro Ativo, criado por Fábio Ota na International School of Game (ISGame), escola de desenvolvimento de jogos. “Em 2014, eu fundei a empresa para ensinar crianças a desenvolver jogos. Mas eu percebi que a metodologia que a gente começou a criar poderia ajudar os idosos a trabalharem também a parte cognitiva, poderia fazer algo que fosse bom para a saúde deles”, explica Ota.

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Dona Tereza entrou na turma em 2015 e desenvolveu dois jogos. A pergunta honesta do leitor até aqui pode ser: “mas quais são estes jogos?”. “Eu gosto muito de jogo de memória, para estimular o raciocínio”, ela conta.

A verdade é que programa não tem o produto como foco. O jogo aqui é apenas o fim para um processo mais importante: o caminho. “Eles desenvolvem o game, sendo que ele não é o mais importante. O mais importante é todo esse processo de trabalho que a gente faz com eles, para que eles cheguem no fim com game deles... mas isso não é levado em conta. Não é [importante comparar] se está mais bonito, se está mais feio, ou mais bem acabado. O importante é fazer toda esta construção durante esse trabalho”, explica Ota.

Eles usam metodologia e motores gráficos próprios para produzir pequenos títulos, voltados mesmo para que os idosos possam aproveitar o processo de criação e desenvolvimento. Será que ajuda? “É muito bom. A minha memória melhorou, ela fica melhor para raciocinar, porque às vezes a gente não raciocina, né?”, diz dona Tereza, com um sorriso no rosto. “Aí quando você erra, quando está montando alguma coisa, você volta e pensa que precisa raciocinar para resolver o problema. Isso que ajuda, eu acho, a nossa memória. É o raciocínio“, completa.

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Estudo 

Ota conta que não é só o raciocínio que melhora. Em 2017, a empresa buscou apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) para estudar os benefícios do desenvolvimento de games para idosos. O trabalho Programação de games para o desenvolvimento do raciocínio lógico e prevenção do declínio cognitivo em idosos foi publicado em parceria com a agência de fomento em 2018.

O estudo teve duração de nove meses, tendo sido concluído em fevereiro de 2017. A pesquisa envolveu, além do grupo de idosos com a tarefa de desenvolver o jogo, também um grupo controle (15 pessoas) e um grupo de jogadores (14 pessoas, que aprenderam a jogar videogame), todos com idade média de 65 anos. A maioria tinha nível superior de escolaridade.

“Você vê a melhora deles no dia a dia. Não só na cognição, mas tem uma parte que é muito legal que é você ver a autoestima deles melhorando. Igual a dona Tereza, que participou agora. Ela me disse: ‘eu vou fazer o jogo para minha netinha’. É um assunto a mais para ela falar, ‘vem ver meu jogo, vem conversar comigo’. Dá para usar o jogo como intersecção com a família. Eu sou suspeito para falar, mas eu acho que é fantástico”, aponta Ota.

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Atualmente, o curso conta ainda com um recordista de idade entre os desenvolvedores.“O mais velho hoje tem 89 anos, tá lá firme e forte, super legal. Temos uma outra já com 82 anos, que perdeu o posto agora”, se diverte Ota.

Para dona Tereza, as aulas são também uma distração, uma oportunidade de conhecer gente nova. “Eu tinha celular, jogava alguns joguinhos, mas não muita coisa. Agora, eu gosto mais de jogar”, confessa. Contudo, ela lembra que não pode ficar muito tempo no jogo. “Apesar que a gente tem uma regrinha: na aula, é só uma hora e meia de jogo, pois a gente não pode forçar muito a memória. É até uma pena quando acaba que você quer continuar, mas também não pode ultrapassar. É como o jovem; se ficar muito no jogo, também faz mal”, recomenda a desenvolvedora.

Deles, para eles

O segredo de sucesso de jogos entre os idosos está na participação. É com isso em mente que o desenvolvedor Marcelo Henrique criou, com seu grupo, um projeto chamado Sítio de Pano. O game consiste em 12 minigames voltados para estimular as capacidades de pessoas com mais de 60 anos.

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“São três para cada categoria da função cognitiva. Então, três jogos de concentração, três jogos de memória,três de velocidade de resposta e três de raciocínio lógico”, explica. Ele é produtor do estúdio chamado Crimson Feathers, responsável pelo título.

A ideia nasceu em uma aula, na qual o professor pediu para que alunos fizessem um game pensando neste público. “Eu já trabalhei em ONGs anteriormente. Então, eu já tive a ideia de levar um pessoal para trabalhar diretamente com o ONG. A gente desenvolveu ao longo desses seis meses, sempre buscando trabalhar com o idoso e não para o idoso, fazer o jogo ao lado dele, para que a gente consiga saber o que ele gosta, o que ele não gosta”, conta Henrique.

O Sítio de Pano ainda não tem data de lançamento, já que a produtora busca investimentos para colocar o game no mercado. Contudo, há um arquivo que se pode baixar para smartphones Android no ich.io, plataforma de divulgação de games independentes. A versão para iOS deve sair ainda este ano, aponta o desenvolvedor. “O nosso objetivo é lançar esse jogo no mercado e levar para frente adicionando mais mini games, e coisas relacionadas ao universo deles. Porque é para eles, é para que eles olhem e falem: 'foi feito para a gente'”, lembra Henrique

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Enquanto isso, Dona Tereza está no que muita gente que produz jogo chamaria de hiato criativo. Ela parou por um tempo, pois a escola era muito longe para visitar sempre. Voltou só agora com novo endereço das aulas.

Será que ela pensa em desistir? “Não, eu quero continuar. Quem sabe ano que vem eu não faço mais um”, diz entre uma risada a outra.”A gente, às vezes, demora um pouquinho, mas vai, a gente chega lá”. Aos 77 anos, dona Tereza tem todo tempo do mundo para continuar aprendendo.