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Red Room: o que é verdade ou ficção no maior mito da dark web?

Por| Editado por Douglas Ciriaco | 31 de Outubro de 2019 às 11h53

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Universal Pictures
Universal Pictures

Na percepção popular, red rooms — ou “salas vermelhas”, na tradução literal — são cômodos normalmente encontrados em zonas de prostituição para que duas (ou mais) pessoas tenham relações sexuais. Dentro da cultura popular, elas receberam várias versões, todas aferindo à cor em questão: a cidade de Amsterdã, na Holanda, tem o Red Light District (o nome real do bairro é De Wallen, mas poucos conhecem ou ligam para esse detalhe), o “Distrito da Luz Vermelha”, onde boates que oferecem sexo em troca de dinheiro estão localizadas.

Mas há um uso do termo que, embora tenha forte conotação sexual, é bem mais nefário do que suas contrapartes: as red rooms da dark web — a internet como poucos a conhecem — constituem uma lenda urbana do universo conectado. Todo mundo já ouviu falar de um cara que tem um amigo que é sobrinho do primo de um outro sujeito que, juro por Deus, entrou em uma red room. O problema: elas teoricamente mostram transmissões ao vivo de estupros, torturas e assassinatos de vítimas sequestradas e submetidas ao entretenimento doentio de usuários pagantes.

É algo fantasmagoricamente assustador, que bebe do conceito dos “filmes snuff” de antigamente, igualmente mitológicos: snuffs eram filmes pornô onde o sexo era violatório e abusivo, com fortes traços sadomasoquistas, e que acabavam na morte da participante. Em forma resumida: estupro seguido de tortura e finalizado com assassinato. Filmado. Gravado. Supostamente comercializado.

Contos da luz vermelha

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São várias as histórias que giram em torno desse tema, mas a de maior destaque é talvez aquela que tenha até dado origem ao mito das salas vermelhas: um grupo de pessoas alegou, nos vários canais de comunicação da dark web, ter capturado terroristas do Estado Islâmico, prometendo torturar e matá-los em uma sessão transmitida ao vivo na chamada ISIS Red Room. A ideia é a de que isso seria uma espécie de exibição rotineira (outros relatos similares dizem que seria apenas uma única apresentação).

A suposta transmissão foi cortada pouco antes de começar e a dúvida sempre permaneceu no ar se o que estariam os espectadores próximos de ver seria algo real. Hoje, porém, a história é recontada com várias edições, na maioria dos casos oferecendo links e formulários para golpistas roubarem dados ou minerarem bitcoins dos computadores de usuários desavisados.

As dúvidas sobre isso são pertinentes porque, ao contrário do que dizem a maioria das páginas que se prezam a explicar o mito das red rooms, esse conto não envolveu atividade sexual de qualquer forma. O que, para muita gente, configura uma mentira.

Outro caso, este sendo geralmente referenciado por pessoas que acreditam na existência das salas vermelhas, é o de Peter Scully, um pedófilo atualmente preso nas Filipinas por filmar e postar na dark web um vídeo dele e uma companheira feminina torturando, abusando sexualmente e matando uma garota de 12 anos. O vídeo, intitulado Daisy’s Destruction, é real e foi publicado na página No Limits Fun (“Diversão sem Limites”, na tradução direta). Os restos mortais da criança foram encontrados tempos depois em uma casa de propriedade de Scully.

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Mas onde isso existe, afinal?

O termo "red room" pode ter diversas origens, mas a mais aceita é a de que trata-se de um anagrama (um reagrupamento de letras que geralmente quer dizer algo diferente do que se lê) do termo red rum. Lido de trás para frente, forma-se a palavra “murder” (“Assassinato” em inglês). O tema atrai pessoas interessadas nesse tipo de entretenimento mais perverso e, em fóruns online como o Reddit, são vários os contos criados pelos usuários sobre histórias supostamente vividas por eles ou por alguém que eles conheçam.

Se você está agora se perguntando por que os interessados simplesmente não “buscam isso no Google”, bom, aqui vai uma versão resumida do que é a Dark Web: trata-se de um conjunto enorme de páginas que não são indexadas em mecanismos normais de busca, acessível apenas por mecanismos especiais de navegação, como o browser Tor e outros similares. Resumidamente, é um lugar que prioriza anonimato e privacidade. Quem está lá, não quer ser encontrado tão cedo.

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Diante disso, as red rooms constituem uma das maiores lendas urbanas até mesmo para quem frequenta a Dark Web: em um universo isolado onde é possível encontrar pedófilos e traficantes de drogas, algo que fica escondido até mesmo deles, deve de fato ser impressionante, ainda que no sentido mais depravado da coisa.

“Não existem comprovações da existência real dessas salas”, diz o especialista em segurança da informação da ESET, Daniel Barbosa, em entrevista ao Canaltech. “Porém, na Dark Web há muitos sites sendo ofertados como ‘red rooms’. Todos eles pedem que uma quantia em dinheiro seja transferida para ter acesso ao conteúdo, o que costumeiramente acaba sendo uma estratégia de scam. São tipos de comunicações maliciosas que geram uma ação enganosa e fraudulenta com o intuito de tirar vantagens financeiras das vítimas”.

Segundo diversas matérias publicadas sobre o assunto, as red rooms supostamente oferecem “níveis” de interação, todos cobrados em bitcoin, para que você consiga dar certas ordens ao torturador do vídeo. Por exemplo, um bitcoin para um tapa forte no rosto da vítima, cinco para queimar um cigarro na pele dela, 100 para quebrar algum osso e por aí vai. Essa parte financeira, segundo Barbosa, é o que caracteriza muitos casos de golpe. Entretanto, ele hesita em nomear o mito das red rooms nessa categoria pois, ele reitera, “as salas não parecem ser reais”. “Sabe-se, porém, que na Dark Web circulam diversos tipos de páginas e certamente diversas delas têm o intuito de violar a segurança do equipamento de quem a acessa”, pontua o especialista, que indica que muitas pessoas se apropriam de certas lendas urbanas modernas para praticarem crimes.

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“Normalmente, [a dark web] traz os mesmos riscos que se tem ao navegar em sites da ‘superfície’ de forma descuidada, com o diferencial de que normalmente criminosos que deixam seus conteúdos na Dark Web possuem conhecimentos que podem prejudicar de forma mais severa os usuários”.

Embora a página de Peter Scully, citada acima, tenha de fato existido, seu conteúdo é contestado: dizem por aí que as autoridades filipinas cogitaram trazer de volta a pena de morte apenas por causa deste caso, do qual Scully se declarou inocente. Entretanto, Barbosa argumenta que isso não se configura em uma red room:

“Essas são, teoricamente, páginas que dão acesso a conteúdos que estariam relacionados a assuntos delicados, como mortes transmitidas em tempo real. Durante a transmissão, os streams supostamente interagem com o ‘público’, fazendo comentários e ameaçando as vítimas. Qualquer outro conteúdo, como pedofilia, invasão de privacidade, estupro e torturas são considerados apropriações do nome ‘red room’”.
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Outro ponto contribui negativamente para a existência das tais salas vermelhas: o navegador Tor. “A existência ou não das ‘Salas Vermelhas’ é um assunto que circula há anos na internet, mas se elas existirem de fato, é quase certo que não funcionem via Tor, que é muito lento para transmitir vídeos ao vivo”, explica o especialista em segurança. Ele refere-se à forma como o Tor age em sua configuração essencial: o navegador faz com que o usuário “salte” entre diversos computadores, mascarando o seu IP e dificultando a sua localização e coleta de dados. Isso assegura um maior grau de privacidade, porém torna a navegação bastante lenta e bem diferente do que estamos acostumados com browsers comuns.

Já Daniel Nascimento, CEO da empresa de consultoria e segurança DNpontocom, tem uma visão mais ampla do assunto: ele acredita que as salas existem, mas que incorporam um escopo bem maior do que somente a transmissão ao vivo de estupros e assassinatos.

“Para mim, uma sala vermelha é uma sala como qualquer outra na deep ou dark web, onde se compactuam com crimes ou com coisas mais ‘exóticas’”, comenta em entrevista ao Canaltech. “Salas de pedofilia, de fraude, de tudo. E não somente na dark web, que é bem fechada, mas também no Telegram, por exemplo, onde podem ser encontrados vários grupos que também têm as chamadas células vermelhas”.

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“A dificuldade de encontrar tudo isso se dá porque na dark web, a criptografia dessas salas é muito maior, ela não salva logs de acesso”, ele complementa. “As forças de segurança ainda estão aprendendo a lidar com isso: é um rastreamento muito difícil de ser feito”. O executivo ainda cita que há diversas pessoas que atribuem nomes diferentes para essa mesma finalidade: “a cada dia, inventa-se um novo nome, então se amanhã aparecer a ‘sala verde’ ou ‘marrom’, tudo isso torna as coisas mais difíceis de serem acompanhadas”.

Daniel diz que enxerga a dark web de forma mais equilibrada, um posicionamento que é corroborado em parte por Daniel Barbosa, da ESET. “A dark web em si é apenas uma ferramenta, o que varia bastante são as finalidades que seus usuários lhe atribui”, conta o especialista em segurança. “Quando a gente fala em ‘dark web’, imediatamente vem à mente o lado negativo, com a pessoa já imaginando, por exemplo, contratar um atirador para matar alguém [vale citar: a contratação de assassinos é um dos serviços supostamente disponíveis na dark web - novamente, sem confirmação]. O problema é que muito disso vem da intenção do usuário que a acessa: se o sujeito for mal-intencionado, vai encontrar nas camadas da dark web os conteúdos negativos”, concorda Daniel.

O fato que fica é o de que as red rooms são, ao menos por enquanto, impossíveis de serem comprovadas. Até hoje, qualquer evidência do assunto provou-se falsa, forjada ou circunstancialmente ignorável. Talvez seja pelo melhor: se reais, é a vida de uma pessoa que está sendo forçadamente terminada. Até lá, porém, a dark web continuará sendo esse ponto de desconhecimento em relação ao que sabemos da vida conectada.