Por que uma parcela dos brasileiros ainda não usa IA? Entenda motivos
Por João Melo |

Ferramentas de inteligência artificial (IA) como o ChatGPT e o Gemini ganham cada vez mais popularidade para auxiliar cidadãos em diversas tarefas cotidianas. Contudo, a pesquisa TIC Domicílios 2025, divulgada pelo Cetic.br, aponta que uma grande parcela dos usuários de internet no Brasil ainda não utiliza recursos de IA generativa.
O levantamento indica que 67% das pessoas que navegam pela internet no país ainda não incorporaram a IA na rotina, o que corresponde a mais de 100 milhões de brasileiros.
Os motivos que levam os usuários a não utilizarem essas ferramentas são diversos e vão além de uma simples escolha pessoal. O cenário apresentado pela pesquisa destaca quatro deles:
- Falta de interesse ou necessidade;
- Falta de conhecimento da existência da ferramenta;
- Falta de habilidade;
- Preocupações com segurança.
De acordo com Thais Pianucci, diretora geral da Start by Alura, solução pedagógica voltada à educação digital, há um fator central que impede mais brasileiros de acessarem a IA no dia a dia.
“O principal desafio é o baixo nível de letramento digital, evidenciado por pesquisas que mostram que grande parte da população não domina competências digitais básicas. Sem essas habilidades, as pessoas têm dificuldade de perceber como a IA pode ser aplicada para facilitar suas vidas ou o trabalho”, destaca a especialista em entrevista ao Canaltech.
Falta de interesse ou necessidade
O levantamento do Cetic.br revela que 76% dos entrevistados que não usam IA citaram a falta de interesse ou necessidade como motivo. Mas os dados demográficos apresentados pela TIC mostram que esse recorte parece ter relação direta com a renda e a escolaridade dos brasileiros.
Isso porque essa foi a justificativa citada por 88% das pessoas com renda superior a 10 salários mínimos e por 87% daqueles com ensino superior completo. Já entre usuários com apenas educação infantil ou analfabetos, somente 39% disseram não utilizar essas ferramentas por falta de interesse, enquanto 70% das pessoas que ganham até 1 salário mínimo destacaram esse motivo.
De acordo com Pianucci, esse recorte da pesquisa evidencia que a inclusão digital ainda é desigual, uma vez que pessoas de classes mais baixas e com menos estudo têm acesso limitado e fazem um uso menos efetivo dos recursos tecnológicos.
Falta de conhecimento da existência da ferramenta
A análise dos dados da pesquisa também sugere que, enquanto a elite econômica opta por não utilizar a IA, as camadas mais vulneráveis muitas vezes não sabem que esses recursos existem.
A falta de conhecimento da existência das ferramentas foi citada como motivo por 52% do total dos não usuários, sendo a justificativa de 59% dos cidadãos que pertencem às classes D e E, 51% da classe C, 38% da classe B e 43% da classe A.
O estudo também evidenciou diferenças no recorte geográfico, visto que 61% dos moradores da região Norte e também de áreas rurais afirmaram não conhecer recursos de IA. Em contrapartida, no Sudeste, este foi o motivo citado por menos da metade dos participantes — 47%.
“O atraso pode estar vinculado à infraestrutura digital desigual e à ausência de ações educacionais tecnológicas em determinadas áreas. Investimentos focados em capacitação de professores, formação adequada e distribuição de conteúdo pedagógico são necessários para que a tecnologia seja efetivamente incorporada no ensino público dessas regiões e alcance mais pessoas”, destaca a diretora da Start by Alura.
O recorte de cor e raça também evidencia grandes disparidades: enquanto 45% das pessoas brancas citaram a falta de conhecimento da existência de ferramentas de IA, entre indígenas o número sobe para 69%. Essa justificativa também foi apresentada por 59% das pessoas pretas e 53% das pardas e amarelas.
Falta de habilidade para usar a ferramenta
A TIC Domicílios aponta que 58% daqueles que não usam IA veem como empecilho a falta de habilidade para manusear esse tipo de tecnologia. Neste recorte, chama a atenção a discrepância entre idosos e jovens.
Enquanto 72% das pessoas com 60 anos ou mais citaram essa justificativa, a porcentagem entre aqueles de 16 a 24 anos foi de 41%. Esses números apontam para dificuldades técnicas das pessoas mais velhas — e Thais indica uma saída para essa questão.
“Para idosos, que geralmente sinalizam pouca habilidade, são necessárias abordagens que simplifiquem o ensino de conceitos básicos, com foco em pensamento lógico e culturas digitais essenciais. Experiências internacionais sugerem que o uso de contextos cotidianos e exemplos práticos facilita a incorporação desses conhecimentos por públicos menos acostumados com tecnologia”, aponta a especialista.
Preocupações com segurança ou privacidade
As preocupações relacionadas à segurança e privacidade foram o principal motivo para a não utilização da IA para 63% dos usuários. E a faixa etária voltou a ser protagonista neste quesito do estudo.
Segundo a pesquisa, adultos de 45 a 59 anos são os que mais desconfiam dos mecanismos de segurança oferecidos pelas IAs, com a justificativa sendo usada por 71% das pessoas deste grupo. Já entre adolescentes de 10 a 15 anos, esse número cai para 47%.
Pianucci afirma que o medo relacionado à segurança de dados é justificado, principalmente devido à baixa transparência em políticas de privacidade adotadas por algumas empresas responsáveis pelo desenvolvimento e disponibilização de ferramentas de IA.
O levantamento do Cetic.br também aponta que o ceticismo é maior entre indivíduos com ensino superior completo (68%), o que pode ser um sinal de que o nível de letramento tecnológico tem relação direta com esse tipo de preocupação.
“Por isso falamos tanto sobre a necessidade do letramento, do entendimento da cultura digital, do mundo digital, desenvolvimento de habilidades que deem base para utilizar esses meios com segurança e senso crítico. É fundamental capacitar cidadãos para que todos possamos exigir transparência e praticarmos o uso responsável da tecnologia”, ressalta Thais.
Ações para reduzir lacunas no uso de IA
A especialista da Alura destaca que a redução das lacunas no uso da IA por parte da população brasileira exige ações em diversas frentes, como a ampliação do acesso à infraestrutura digital de qualidade e também de programas de capacitação tecnológica para todas as esferas sociais.
Pianucci pontua ainda que as iniciativas devem ser fruto de parcerias entre os setores público, privado e organizações da sociedade civil, com foco no desenvolvimento de competências mínimas que atendam às demandas atuais de mercado.
“Políticas de incentivo à inclusão e letramento digital precisam ser acompanhadas de campanhas de conscientização que ressaltam a utilidade real da inteligência artificial e demais tecnologias, ajudando a superar barreiras culturais e o mito de complexidade que afastam parte da população do uso dessas ferramentas”, conclui a diretora da Start by Alura.
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