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Análise | Tropico 6 equilibra seriedade e galhofa para ser o melhor da série

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Kalypso Media
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Você provavelmente já ouviu falar pelo menos uma vez na vida que todo ditador tem uma dezena de manias e costumes excêntricos que o fazem ser alvo de piada e chacota em alguma medida. Quando Tropico surgiu lá em 2001, o jogo tirava um sarro gigantesco disso enquanto brincava de ser um simulador de construção e gerenciamento à sombra de Sim City.

De lá para cá, embora a tiração de onda continue a mesma, muita coisa mudou e a série de jogos hoje publicados pela Kalypso Media não só se leva mais a sério como também alcançou um nível de maturidade e profundidade impressionante. Prova disso é que Tropico 6 traz de volta fórmulas do passado que deram certo, descarta ideias que na prática não funcionavam tão bem e expande jogabilidade e mecânicas para áreas antes inexploradas.

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Tropico 6 mantém o cerne de todos os outros jogos da série, não reinventando a roda e nem arriscando a ser algo que nunca foi. Isso significa que o mote continua o mesmo de sempre: você encarna El Presidente, um ditador cujo objetivo é fazer prosperar a belíssima ilha caribenha de Tropico, repleta de bananeiras e paisagens paradisíacas. Os meios pelos quais você alcançará isso, é você quem decide.

Se quiser tocar o louco, governar com mão de ferro e tornar seu pedacinho de paraíso num inferno para as pessoas, você pode. Caso a democracia lhe pareça mais atraente, você pode tocar uma administração transparente, sem falcatruas e com eleições regulares para seu povo decidir os rumos de Tropico. Ou então você pode ficar em cima do muro, mexendo alguns pauzinhos para cancelar uma eleição e outra para se manter no poder e dar uma “ajuda” à oposição ao mesmo tempo que dá alegria e prosperidade econômica à população. Mas Newton já dizia que para cada ação há uma reação, e isso não é diferente em Tropico 6.

Para absolutamente toda decisão que você toma, há uma consequência e um preço a se pagar. Decidir por ser um governante implacável implica em agradar os militaristas espalhando fortes, torres de vigia, pontos de verificação e outras construções do tipo pela ilha. O problema é que na mesma medida que isso aumenta a sensação de segurança, também faz despencar os níveis de liberdade, gerando insatisfação e irritando algumas pessoas. Se El Presidente não conseguir equilibrar isso de alguma forma, logo a cidade estará infestada de rebeldes, com ataques e revoluções deflagrados aqui e acolá para desestabilizar o governo.

Equilíbrio, inclusive, é a palavra-chave que define muito bem o gameplay de Tropico 6.

Micro e macrogerenciamento

Embora você possa escolher uma linha e estilo de governo, é praticamente impossível segui-los a todo instante. Em Tropico 6, é preciso ter molejo para lidar com as inúmeras demandas vindas das oito facções que influenciam a população da ilha. Como você já deve ter percebido, na vida é impossível agradar a todos, e o game traduz isso muito bem.

Se você resolve dar prioridade aos pedidos do Tio Sam e dos capitalistas e faz vista grossa quando a trupe socialista demanda por algo, invariavelmente esse grupo ficará descontente, podendo até mesmo orquestrar um golpe para tirá-lo do poder. Cabe a El Presidente ficar atento às estatísticas políticas no Almanaque para ver como anda a satisfação dessas facções, dos religiosos, dos monarquistas, militaristas e assim por diante, e quais as chances de elas se rebelarem contra você. Como gerir tudo isso é o grande charme de Tropico 6.

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Uma das formas é seguir o caminho tradicional. Embora você tenha uma visão política definida, atender a alguns grupos da sua ilha de vez em quando não vai “arrancar pedaço”. E isso pode ser feito de diversas formas, seja construindo um sistema público de transporte gratuito para abrir um sorriso no rosto dos socialistas, baixar um decreto que reduz o custo de construção de fábricas para fortalecer os laços com os Estados Unidos, erguer igrejas e catedrais para os mais religiosos... enfim. Desde que você consiga equilibrar a balança, tudo deve ficar bem.

Se nada disso sair como planejado, é possível gerenciar essa e outras crises praticamente a nível capilar. Atendo-se ao exemplo das facções, se uma delas tiver dando muito trabalho, Tropico 6 deixa El Presidente procurar por seus líderes para “resolver” a situação – seja enviando-os a um manicômio, fazendo-os enxergarem que estão errados com uma “ajudinha” ou simplesmente encomendando uma passagem para o céu. Resolveu o problema em Tropico? Cuidado que como desdobramento isso pode ter azedado as relações internacionais da sua nação com outras potências. E aí saímos do micro para o macrogerenciamento, tendo de lidar com política externa, diplomacia, contratação de embaixadores e coisas do tipo.

Esses diferentes níveis de gerenciamento sempre existiram nos jogos da série, mas aqui eles atingiram um nível de maturidade que faz de Tropico 6 divertido e igualmente desafiador.

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Ilhas, ilhotas e ilhéus

Falando em desafio, a desenvolvedora Limbic Entertainment trouxe de volta algumas mecânicas e descartou outras para tornar Tropico 6 mais desafiador, interessante e até mesmo engraçado.

A primeira grande mudança afeta diretamente o design dos mapas do jogo. Até hoje, Tropico sempre trabalhou a ideia de você ser o ditador de uma ilha, o que muitas vezes acabava limitando a gameplay pela restrição natural do tamanho do mapa, cercado pelo oceano e sem ninguém por perto. O relevo também acabava atrapalhando e tornando algumas partes da ilha inutilizáveis. Em Tropico 6, isso muda com a introdução de arquipélagos. Agora, todos os mapas do jogo têm pelo menos uma ilha central e duas satélites, que se conectam à maior por meio de pontes ou portos e que podem ser igualmente habitadas e exploradas como você quiser.

Sozinha, essa ideia já altera a jogabilidade de Tropico 6 para algo jamais visto na série. Entretanto, ela também implica em outras coisas bem interessantes, como a produtividade dos locais de trabalho e dos trabalhadores. Explico melhor: antes, a produtividade e eficiência de, por exemplo, um escritório de construção eram determinadas pela quantidade de trabalhadores e o quanto eles recebiam de salário. Agora isso muda e todo mundo em Tropico tem hora para entrar e sair do trabalho – efetivamente batendo o ponto. E o que isso tem a ver com os arquipélagos?

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Ainda tomando os construtores como exemplo, se eles têm de se deslocar de barco até uma mina em construção em outra ilha, esse deslocamento levará muito tempo. Como consequência, é muito provável que ele só faça isso no dia e acabe atrasando outras obras e seu rendimento e qualidade de vida despenquem – bem parecido com o acontece com a gente quando temos de pegar um ônibus e um metrô para ir ao trabalho e mais duas conduções para voltar para casa (isso sem contar engarrafamentos).

Esse deslocamento casa-trabalho-casa também deve ser levado em consideração se você se preocupa com o bem-estar da sua população. Não adianta deixar a mina recém-construída sozinha lá na ilhota, sem qualquer infraestrutura, pois os trabalhadores sofrerão para chegar até o local de trabalho – isso se não começarem a construir barracões aos redores e a levar uma vida miserável sem diversão e acesso a qualquer serviço público básico.

Também é preciso ter cuidado com outro aspecto decorrente dessa mudança. Apesar de os mapas estarem maiores, isso não necessariamente significa que eles oferecem todo tipo de recurso. Pelo contrário, é bem possível que você não tenha absolutamente nenhum recurso e tenha de resolver isso de um jeito bem diferente: recorrendo a raids.

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Essa é outra novidade implantada pela Limbic Entertainment que torna Tropico 6 mais interessante e divertido. Se estiver faltando algum recurso no seu arquipélago ou até mesmo mão-de-obra, despache uma embarcação pirata para assaltar navios carregados de recursos por aí ou para “salvar” pessoas de outras ilhas e trazê-las para a sua. Se você estiver precisando de um ponto turístico atrativo, é possível recorrer à galhofa e despachar os desbravadores dos sete mares para roubar algumas maravilhas do mundo como a Estátua da Liberdade e até o Stonehenge.

Ah, e sabe aquela conta na Suíça que ninguém mais pode ficar sabendo? Agora o dinheiro “arrecadado” e guardado ali pode ser usado para contratar os serviços de uma espécie de intermediador para fazer certos “favores” para você. Na lista de gentilezas podem estar a anulação da constituição, o silenciamento de uma facção rival, a promoção de uma campanha de imagem pré-eleições e assim por diante.

Outra mudança bem-vinda no título foi a retirada do sistema de hereditariedade em Tropico 5. Considerado por muitos jogadores como ineficiente, ele permitia a El Presidente montar toda uma dinastia, com filhos, netos e bisnetos com características únicas, para governar por décadas a fio. No papel, a ideia era interessante, na prática, não funcionava tão bem assim como mecanismo de manutenção de poder. Para isso, foram trazidos de volta os discursos presidenciais repletos de promessas vazias e até acusações contra inimigos.

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Para cada característica pé no chão de Tropico 6, sempre há uma outra galhofada, escrachada e exagerada para conferir o tão prezado equilíbrio que a Limbic fez questão de deixar espalhado por todo o jogo.

Fraquejadas

Para além de tudo isso, Tropico 6 é um jogo graficamente belíssimo. Embora seja “apenas” um simulador de construção e administração, o título traz texturas invejáveis e que permitem zooms espetaculares para o jogador conferir tudo o que acontece em Tropico ali, no nível do povo. A iluminação também é um show à parte, ajudando a dar ainda mais vida às cores das construções, dos campos e do mar no nosso arquipélago. Junte tudo isso a uma trilha sonora construída toda com base na música latina e pronto, estamos realmente no Caribe.

Todavia, é irônico notar que Tropico 6 dá suas fraquejadas justamente nos pontos em que é mais forte. Em toda esta análise falei de como o jogo preza pelo equilíbrio, pela dosagem das ações etc. Isso, entretanto, desanda principalmente quando surgem demandas do tipo “atingir nível tal de segurança”. Por mais que você tente equilibrar a distribuição de delegacias de polícia e até mesmo de torres militares de vigilância por toda a ilha, esse nível não é atingido. No desespero, quando você menos imagina, toda a sua ilha está tomada por torres, pontos de controle, fortes militares e policiais e com níveis como liberdade comprometidos apenas para cumprir uma demanda e seguir adiante.

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Essa loucura toda poderia ser evitada se o Almanaque fosse um pouco mais detalhado e trouxesse mais informações sobre o que está dando certo e o que está dando errado em Tropico. Num jogo que incentiva a todo instante que você acompanhe dados, faltam informações que possam ajudar você a compreender o porquê de encher sua ilha de delegacias de polícia não surte qualquer efeito sobre o nível de segurança. É a taxa de desemprego? São as construções deterioradas? Talvez os desabrigados? Você até consegue ver esses dados, mas o jogo não apresenta qualquer relação direta de causa e efeito que possa pelo menos ajudar a justificar quando algo não está dando certo.

Sobre os gráficos, há alguns problemas menores que não chegam a comprometer o jogo tanto quanto esses pequenos desequilíbrios. Não é possível, por exemplo, dar zoom enquanto se está no modo de construção com um prédio selecionado – ao tentar fazer isso, você acabará rotacionando o edifício, e não aproximando ou afastando a câmera. A forma como os menus foram posicionados às vezes também pode atrapalhar. Não há a opção de escondê-los para favorecer a visualização do cenário, ou pelo menos ajustar o tamanho dos botões. Também senti falta de um papa fixo em algum dos cantos da tela, embora isso tenha sido disfarçado com uma visão panorâmica que não é tão prática assim. E sabe a trilha sonora? Embora as músicas sejam excelentes, faltou mais faixas para embalar longas sessões de gameplay. Depois de uma horinha e pouca, elas começam a repetir e logo você enjoa.

Errata: nosso leitor Fernando Garrido destacou muito bem que, na verdade, há como dar zoom enquanto se está no modo de construção: basta pressionar CTRL e rolar o scroll do mouse. Ele também destacou que é possível ajustar o tamanho dos ícones de interface nas opções do jogo:  "Options" > "Gameplay" > "Custom" > "UI Scaling Mode" e "User Interface Scaling". Obrigado pela correção, Fernando!

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Por fim, uma queixa antiga: cadê as legendas em português? Um jogo do porte e do gênero de Tropico 6, em pleno 2019, não vir com legendas em outros idiomas que não o inglês é ultrajante e acaba estragando a experiência e compreensão por aqueles que não são tão chegados assim à língua bretã.

Vale a pena?

Acertando muito, mas muito mais do que errando, Tropico 6 aposta forte nas duas características que fizeram a fama da série: a seriedade e a galhofa. Pode parecer contraditório falar isso, mas é isso que os governos ditatoriais são, e Tropico abraçou para si.

As mecânicas apuradas de micro e macrogerenciamento, além dos novos mapas em arquipélagos, são um convite para jogadores que levam a sério o gênero e a série que estão em busca de mais desafio. Ao mesmo tempo, a adição das raids, roubo de monumentos e outras galhofagens conferem aquela descontração que torna o game atraente e acessível a quem só quer passar um tempinho se divertindo.

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No fim das contas, Tropico 6 é não só o mais balanceado, mas também o melhor da série.

Tropico 6 está disponível para PC, PlayStation 4 e Xbox One. No Canaltech, o jogo foi analisado no PC com cópia gentilmente cedida pela Kalypso Media.