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Análise | Kingdom Come: Deliverance traz mundo rico, mas difícil de explorar

Por| 22 de Fevereiro de 2018 às 11h53

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Análise | Kingdom Come: Deliverance traz mundo rico, mas difícil de explorar
Análise | Kingdom Come: Deliverance traz mundo rico, mas difícil de explorar

O RPG é um gênero que, normalmente, nos enche os olhos. É comum, nesse estilo, termos jogos com batalhas gigantescas, grandes criaturas e magias poderosas, que nos transportam para um mundo completamente diferente e fantasioso. Kingdom Come: Deliverance também faz isso, mas de forma completamente diferente e, acima de tudo, sem tirar os pés do chão.

No game da Warhorse Studios, da República Checa, não existe a Jornada do Herói. Ou, dependendo, ela até pode acontecer, mas tudo, absolutamente tudo, depende dos seus atos. Nessa recriação da Boémia do início do século XV, nossas decisões são mais importantes do que a habilidade no combate. Sem o uso de uma única magia, é possível resolver questões políticas, obter vingança ou, simplesmente, se dar bem, apenas fazendo boas escolhas e sabendo a hora certa de agir.

Se outros RPGs impressionam pelos seus combates vistosos, Kingdom Come: Deliverance faz isso pela escala. Tudo é enorme aqui – temos um jogo que leva, em uma média otimista, 50 horas para ser finalizado e vilas enormes para serem exploradas. Centenas de quests secundárias se misturam às missões principais e que levam a história para a frente, enquanto praticamente todos os aspectos de uma vida normal na Idade Média devem ser levados em conta pelo jogador.

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Henry é um dos poucos sobreviventes do massacre em Skalitz, um vilarejo que é grande fornecedor de prata na Boémia daquela época. Ele viu seus pais serem assassinados diante de seus olhos, e com apenas uma espada foge para uma cidade vizinha, acabando por participar em uma resistência contra os avanços de um tirano e em uma briga para que o ocupante legítimo do trono, efetivamente, se torne rei.

Falar mais sobre o enredo não seria entregar spoilers, por si, mas sim abordar uma experiência que pode ser única para cada jogador. Kingdom Come: Deliverance é daqueles jogos cujas consequências mudam de acordo com os passos do jogador e isso se estende ao longo de todo o game, não de forma falsa, como nos adventures da Telltale, mas de maneiras, às vezes, significativas e, em outras, sutis.

Na pele do protagonista, você deverá cuidar de sua higiene pessoal. Travar diálogos e tentar convencer personagens estando sujo e maltrapilho pode não ter o efeito esperado, enquanto carregar o sangue de seus inimigos nas vestes pode gerar uma intimidação que se torna tanto frutífera quanto perigosa. Além disso, claro, deverá comer e dormir, requisitos básicos para qualquer ser humano engajado em uma trama de conspirações políticas, pobreza, rebeldia e vingança.

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E estes são apenas alguns dos exemplos de coisas para prestar atenção em Kingdom Come: Deliverance. O título adiciona ares de complexidade até mesmo aos diálogos mais simples, permitindo que o jogador aja como quiser – dá para tentar conseguir um desconto na cerveja de forma bruta e completar uma missão em benefício tanto dos superiores quanto próprios, ou, então, ser altruísta, agindo em prol dos mais necessitados e assumindo as consequências disso.

Ações pequenas podem, muitas vezes, levar a consequências inescapáveis. Arrumar uma briga de bar logo no começo do jogo, por exemplo, pode nos levar para a cadeia, e estar lá no momento do ataque a Skalitz significa morrer queimado dentro de uma cela. Bater em um aliado da nobreza, durante um combate realizado dias antes, pode impedir a entrada em um ambiente restrito, por mais que você tenha o dinheiro, as vestes e o status requeridos.

Abrir streamings ao vivo do game, durante o processo de avaliação dele, era uma experiência das mais inusitadas. Era possível ver jogadores realizando missões pelas quais eu já havia passado, mas com consequências, diálogos e até dificuldade completamente diferentes de acordo com opções tomadas no passado, roupas vestidas ou estado de saúde. Dizer que esse é um jogo que leva 40 horas para ser finalizado é soar otimista, uma vez que ele passa a impressão de ser daqueles que não acaba jamais.

O problema é que trafegar por esse mundo é tarefa das mais hercúleas, mas não devido à rigidez de uma sociedade da Idade Média ou à ausência de tecnologia. Ao criar um mundo ambicioso, rico e mutável, a Warhorse parece ter se esquecido de elementos básicos que fazem um jogo ser o que é.

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Tanque medieval

Esteja utilizando joysticks nos consoles ou a clássica combinação de mouse e teclado nos PCs, é difícil ignorar, desde o início, o peso nos controles. Em uma das primeiras missões de Kingdom Come: Deliverance, é preciso cobrar o bêbado do vilarejo, uma discussão que só pode acabar em briga, até como forma de explicar o sistema de combates. Socos e chutes, entretanto, são dados em câmera lenta, enquanto o protagonista jovem e sadio apanha, de forma vergonhosa, do vagabundo da vila.

A desculpa para isso, no começo, até faz sentido – estamos no controle de um cidadão comum, não de um soldado. Ele não sabe lutar nem se portar em combate, tendo vivido uma vida pacata de adolescente até que a tragédia chegou à porta de casa. E é verdade, ao longo da aventura vemos uma evolução do protagonista que, ao mesmo tempo em que melhora suas habilidades de luta, também deixa mais flagrantes os problemas de jogabilidade.

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Navegar pelos menus também não é tarefa das mais fáceis. Enquanto o game apresenta uma interface limpa e simples durante a jogatina, suas telas de inventário, quests e outros aspectos é poluída e cheia de elementos desnecessários. Seu estilo tenta imitar os livros da época, mas acaba entregando um amontoado esquisito e pouco prático.

A frustração será companheira frequente daqueles que estiverem jogando com o joystick. Felizmente, não há loadings para obrigar o jogador a esperar sempre que realizar um pressionamento errado do botão ou uma ação indesejada. Para compensar, o tempo de carregamento inicial é gigantesco, algo comum para um jogo desse tipo e compensado pela ausência desse elemento ao longo da aventura, a não ser que o personagem morra – algo que acontece com frequência.

Kingdom Come: Deliverance não tem o tradicional GPS visto na maioria dos jogos de mundo aberto – justo, já que tal tecnologia não existia na época. Mas o que dizer quando os indicadores de objetivo simplesmente desaparecem? Eles podem ter sido desativados sem que o usuário faça isso, em uma situação fácil de resolver, ou simplesmente sumido por conta de um bug, exigindo que o jogo seja fechado e aberto novamente para que retornem.

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Junte esse a uma lista de problemas de programação que parece infindável – paredes invisíveis, golpes que não acertam os inimigos, lags na detecção de comandos, problemas na ativação de elementos do cenário, itens que desaparecem do inventário e até soldados inimigos capazes de voar. Atualizações liberadas durante o processo de análise melhoraram um pouco as coisas, mas o mundo do título da Warhorse ainda está longe do plenamente funcional.

Gente esquisita

Seguir adiante, aliás, requer uma boa dose de paciência por parte do jogador. Para cada elemento profundo e rico que existe no mundo de Kingdom Come: Deliverance, há um aspecto negativo atrelado. Aquele diálogo que pode significar sua fuga da prisão, por exemplo, pode ser resolvido por meio de diálogos sem sentido, com frases pouco conclusivas. Você pode não falar nada demais e, de repente, ver a contraparte partindo para a porrada.

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Todos os personagens, sejam eles principais ou NPCs do cenário, apresentam a mesma expressão de peixe morto. Aqui e ali, palavras mais modernas ou expressões recentes fazem o favor de quebrar a imersão neste mundo medieval, caso isso já não tenha acontecido devido à quantidade de frases fora do lugar, dublagens esquisitas ou, como já dito, conclusões textuais que não fazem o menor sentido.

Isso sem falar no próprio protagonista, Henry, um sujeito que, com o perdão da palavra, é um belo de um escroto. Mulherengo e infantiloide, ele é pouco relacionável e, mesmo quando sua família é massacrada, fica difícil se importar com ele. Afinal de contas, momentos antes, estávamos arrumando brigas com bêbados ou jogando cocô nas casas de pessoas só porque não concordamos com as opiniões políticas delas.

Esse aspecto só se fortifica na medida em que percebemos os clichês e situações problemáticas desenvolvidos pela história. Há uma obsessão por sexo e violência, que podem até refletir características da época, mas são tratadas sem o devido cuidado e profundidade. Prova disso são as situações de abuso sexual, que aparecem com certa frequência e, muitas vezes, permitem que o jogador seduza, ou, pelo menos, tente fazer isso com as moças que acabou de resgatar.

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Por mais que o game tenha seus problemas de mecânicas, estrutura interna e até narrativa, passar dezenas de horas enfrentando bugs e uma movimentação lentíssima ao lado de um personagem como Henry acaba sendo o maior dos desafios. A habilidade mais exigida do jogador, então, acaba sendo a resiliência.

Kingdom Come: Deliverance é um belo exemplo de ideia ambiciosa, mas mal executada. Para cada elemento profundo do mundo do game, temos um aspecto básico de jogabilidade ou progressão que é negligenciado. Traduzindo em termos medievais, é como se a Warhorse tivesse se preocupado absurdamente com os temperos e cocção, apresentando um delicioso javali para um banquete, ao lado de uma cerveja choca e aguada.

* Kingdom Come: Deliverance foi analisado no PC em cópia digital gentilmente cedida ao Canaltech pela Deep Silver.