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Análise | I Hate Running Backwards é um bom shoot’em up, e um péssimo roguelike

Por| 07 de Junho de 2018 às 09h11

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Devolver Digital
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I Hate Running Backwards é um jogo explícito em seu nome, por dois motivos. Primeiro, pois a principal característica do título é a subversão do gênero shoot’em up, o que os desenvolvedores chamam de “shoot’em down”. Para quem não manja muito do inglês, o trocadilho está na inversão de tela. Nos jogos clássicos, era preciso atirar para cima com um personagem que andava também para o alto da tela. Em I Hate Running Backwards, o jogador fica na parte de cima, atirando para baixo, enquanto a tela continua subindo. Ou seja, o personagem está sempre andando de costas (backwards).

O segundo termo explícito no nome é Hate, do verbo em inglês "odiar". De fato, essa mecânica é odiosa. A simples mudança de posição do personagem modifica tudo, transforma o estilo em outra coisa. É um jogo de tiro que, por si só, já distoa no gênero, mas que adiciona pitadas de roguelike e um sistema de geração procedural dos objetos nas fases. Algo tão diferente do clássico que até mesmo a desenvolvedora indie Binx Interactive teve dificuldade em executar.

O estúdio é formado por um time com menos de uma dezena de pessoas, com uma biblioteca de três produções. No catálogo, aparecem dois puzzles e este shooter. Junto com a Binx Interactive está a Croteam, que funciona como incubadora dos indies. Ou seja, a Croteam abraçou a Binx Interactive nessa produção e deu ao estúdio indie o aporte para fazer o jogo, além de ceder Serious Sam, a principal propriedade intelectual que rege o título. A pitada final é a participação da Devolver Digital, que adiciona algumas outras aparições como Lo Wang de Shadow Warrior, Bullet Kin de Enter the Gungeon, Richard de Hotline Miami e Crystal de Nuclear Throne.

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Não repara na bagunça

“Alguns de nós entendemos que poderíamos fazer um jogo, então ligamos para alguns de nossos amigos, nos reunimos e começamos nosso caminho. Dois meses depois, criamos com sucesso... uma bagunça”, conta a página oficial da Binx Interactive,

De fato, esta é a melhor descrição que se pode ter de I Hate Running Backwards. A gameplay é uma letargia frenética, com o perdão do oxímoro. Frenético, pois a quantidade de inimigos, e tiros, e paredes, e power-ups, e mais inimigos, e objetos em tela cansa a visão, mas compõe tudo que se espera de um shoot’em up.

Entretanto, a sequência é letárgica, já que a escolha de se fazer o personagem andar de costas obriga a tela a subir muito lentamente em contraposição ao frenesi que acontece a cada quadro.

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A bagunça continua na mistura de universos. Sem que o game se proponha a explicar muito do que está acontecendo, adiciona personagens muito diferentes, de universos opostos, em fases que não se conversam em temática. A justificativa aparece somente na página oficial do título: “Sam e seus amigos ficam presos no contínuo espaço-tempo misto e lutam em diferentes períodos de tempo”. Entretanto, este não é um grande problema, já que shoot’em ups nunca foram sobre narrativa, mas sobre boa jogabilidade.

Mata todo mundo

Dar os tirinhos em I Hate Running Backwards é algo gostoso, mas até a página dois. O jogador basicamente tem três opções de ataque. Uma arma principal, uma secundária e um ataque melee. Em um primeiro momento, seus genes mais nostálgicos podem fazer com que você saia atirando em tudo e todos como se não houvesse amanhã. Entretanto, as balas destas armas são limitadas e, quando se fica sem munição, o seu personagem saca uma lenta pistolinha de um tiro fraco e demorado.

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Assim, é bem possível que você só perceba que é preciso sair quebrando tudo pelo cenário em busca de munição depois de ficar sem balas pela primeira vez no cenário. O jogo estimula a busca por itens durante a sua tentativa, os quais variam em power-ups, escudos, munição e até vida.

Design pela repetição

Se até aqui I Hate Running Backwards estava divertido apesar de toda a bagunça na tela, é no momento que se propõe roguelike que ele peca. O grande desafio do gênero é que ele obriga a repetição, já que o aprendizado se dá pela morte constante. Assim, a maestria em se fazer um bom roguelike é criar um ambiente em que o jogador simplesmente esqueça que está repetindo o mesmo jogo incessantemente. I Hate Running Backwards falha em todas essas tentativas.

O Binx Interactive começou a tentar iludir o jogador com um leve toque de construção procedural. Isso quer dizer que a cada vez que se tenta novamente uma fase, tanto personagens quanto itens e barreiras do cenário estão em locais totalmente diferentes.

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Embora pareça uma boa opção para sair da mesmice, como o cenário em si não muda, nem mesmo a mecânica sofre alterações, o jogador só percebe que há diferença caso se atenha aos detalhes, o que é bastante difícil em um ambiente cheio de tiros.

Outro problema é que isso tira do jogador o fator aprendizado. Se a proposta do roguelike é fazer você crescer a cada tentativa, isso não acontece de fato, já que toda sequência de inimigos se modifica de forma aleatória, podendo causar até a morte prematura por uma nova surpresa.

Até mesmo entre as tentativas, I Hate Running Backwards não entrega ao jogador ferramentas que tornam a próxima vida mais fácil e raramente parece que a morte é sinônimo de avanço.

Entretanto, o pior ponto do jogo é o quanto ele é repetitivo. Em um nível que dá a impressão de que, realmente, estamos andando para trás até na evolução do título.

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As fases não têm checkpoint. Para seguir em frente, é preciso passar por aquele cenário inteiro sem morrer nenhuma vez. Isso significa ficar cerca de 6 a 7 minutos vivo em um ambiente que está todo projetado para matar seu personagem. É um verdadeiro desafio, mas que se torna simplesmente pedante quando, lá pela vigésima vez, você se pergunta: “será que eu quero viver isso aqui de novo?”.

Depois que o jogador passa a fase pela primeira vez é que se cria um checkpoint para que não tenha que enfrentar aquele cenário novamente. Contudo, aqui a Binx Interactive tomou a pior decisão possível: este checkpoint é deletado caso você desligue o console ou PC (sem que o game dê aviso algum).

Imagine o quão frustrante é ligar o jogo novamente e perceber que é preciso passar de novo todas as cinco fases sendo que você estava tão perto do fim. Soma-se a isso o fato de que estar mais poderoso não modifica tanto assim a sua gameplay, de forma que o jogo continua ainda desafiante, mesmo depois de horas.

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Em resumo, a cada vez que o título pede que se tente de novo, apenas mostra um convite para ser abandonado de vez.

Ajuda quem não atrapalha

I Hate Running Backwards também tem um modo multiplayer local para até duas pessoas. Isso traz algumas novas mecânicas para a gameplay. A primeira delas é que existe um respawn quando se joga com outra pessoa. Caso seu amigo ou amiga consiga sobreviver 30 segundos depois da sua morte, o personagem volta e a jogatina continua. Respiro que não há no modo single player.

Por outro lado, a dificuldade, que não era simples, se torna mais complexa. Isso porque o número de inimigos aumenta, o que é natural, já que estamos agora em dois. Entretanto, a impressão é de que a quantidade de munição permanece a mesma, o que cria momentos constantes em que apenas uma pessoa enfrenta mais inimigos enquanto a outra fica pelo cenário em busca de mais balas. Em resumo, a dificuldade parece ainda maior.

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Revolução no gênero?

I Hate Running Backwards é um grande exemplo da leva de games com boa premissa, mas uma execução falha por tomada de decisões ruins. Embora tenha um carisma muito interessante, apresenta personagens já consagrados de algumas grandes franquias, é um título muito simples que falha exatamente onde não pode falhar: na jogabilidade.

O resto da produção é bem feita: músicas, arte, design de personagens; tudo é muito bem fechado em si mesmo. Contudo, é um título que parece pedir constantemente para ser abandonado, sendo que a proposta do roguelike é exatamente fazer o jogador cair em um looping de superação pessoal.

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Para o gênero de shoot’em up, não modifica nada para além da postura de fase, o que, embora traga uma diferença considerável de gameplay, não se torna um divisor de águas do gênero. A adição do golpe melee, bem como a necessidade de balas, não é uma novidade da categoria e aparece apenas como um aporte da ideia reversiva de movimento.

Assim sendo, a mistura do diferente com a repetição do roguelike e traços de ambientes aleatórios fazem com que I Hate Running Backwards seja apenas um jogo menor e por vezes quebrado.

Quem sabe alguma atualização do título modifique alguns problemas, como o checkpoint que some com o desligar do aparelho?

Se você estiver órfão de um bom shooter neste estilo, vá para I Hate Running Backwards sabendo que ele vai exigir de você tanto em paciência quanto em destreza manual.

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I Hate Running Backwards foi desenvolvido pela Binx Interactive, em parceria com a Croteam, e publicado pela Devolver Digital em 22 de maio para Xbox One, PlayStation 4 e PC, via Steam. No Canaltech, o jogo foi analisado em cópia para PC cedida gentilmente pela Devolver Digital.