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Análise | Crossing Souls: sentir nostalgia é bom, mas tem limite

Por| 20 de Fevereiro de 2018 às 11h03

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Que os anos 80 voltaram para ficar, disso ninguém mais tem dúvidas. Muito do que nasceu e se desenvolveu nessa era retornou com ares modernos, é verdade; mas ainda mantendo as características que as definem indiscutivelmente como integrante de seu tempo.

Isso inclui desde os estilos e cores das roupas e dos cabelos daquela época, passando pelos movimentos e protestos mesclados à estética de gêneros musicais como o vaporwave, o synthpop, o hip hop e o punk rock; até as obras fictícias que apresentam futuros distópicos e críticas à sociedade com temáticas políticas, éticas e morais.

Todos esses elementos estão de volta, com um cheiro e uma qualidade vintage singulares, mas com uma cara nova e fresca. E nessa onda de referenciar e homenagear tudo que havia de bom e de melhor desses tempos, muitas produções já se sobressaíram com louvor nesses dois quesitos. O livro Jogador Número 1, a série de TV Stranger Things, o curta Kung Fury e o longa Os Mercenários são bons exemplos do que pode se considerar “reviver, literalmente, os anos 80”. Isso sem contar os inúmeros remakes e/ou reboots de franquias de filmes antigos.

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Só estava faltando mesmo um jogo que trouxesse todos estes aspectos e um pouco mais, e Crossings Souls parece apropriado para atender a todos os requisitos. O game desenvolvido pela Fourattic e distribuído pela Devolver Digital pode facilmente ser classificado como mais uma criação que também transpira os anos 80, como se a época em questão fosse parte de seu DNA.

Arte em movimento

Além de todo o clima retrô, que fisga e abraça o jogador logo de cara com uma abertura cartunesca a lá desenhos animados dos (adivinhe só?!) anos 80; uma das características que mais chama a atenção em Crossing Souls logo de cara é, sem dúvida, os gráficos .

Com exceção das cutscenes em desenho animado (que inclusive simulam o aspecto de interferência de transmissão de vídeo, presentes muitas vezes em fitas VHS), todo o game é feito em Pixel Art, e o trabalho feito aqui pode ser considerado facilmente um dos mais belos já vistos em jogos do gênero.

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Todo o universo do game parece vivo, crível, mesmo com tão pouca definição na tela. Há criaturas e seres humanos se movimentando e interagindo o tempo todo nos cenários, há perspectiva de planos em evidência mostrando elementos ao fundo e à frente da ambientação, e há cores e animações únicas, que tornam tudo ainda mais agradável e saltitante aos olhos.

Os cinco personagens principais jogáveis possuem trejeitos únicos, que são determinados não apenas pelas vestimentas e atitudes, mas principalmente pelas curtas animações de movimentação deles. O líder do grupo, Chris, por exemplo é firme com seu taco de beisebol e o desliza sem hesitações. Já Matt, é um menino franzino e sem muita resistência física, mas que utiliza de sua excepcional inteligência e suas invenções tecnológicas para se locomover e combater os inimigos. Big Joe, por sua vez, é grandalhão e um pouco mais lento, mas possui muita força e energia, ao passo que Charlie é decidida e destemida, além de muito ágil – parecendo até que é treinada. Por fim, Kevin é o mais novo da equipe e... não demonstra nenhuma habilidade especial. O baixinho e espertinho é bastante desaforado e, tal qual uma criança de sua idade, costuma levar tudo na brincadeira.

Apesar dos estereótipos nitidamente traçados em cima dos personagens, como o nerd retraído e frágil e o negro forte e bobalhão, além do caipira ignorante e arrogante, dentre outros; o visual salta aos olhos e entrega um Pixel Art vivo, mostrando de fato o que é arte em movimento.

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A homenagem não está só no conceito

Na prática, isto é, na jogabilidade, também há homenagens e referências. É até um pouco difícil definir o gênero em que Crossing Souls se encaixa porque ele mistura, ao longo de suas 8 ou 9 horas de aventura, muitas mecânicas diferentes, como o adventure, o beat ‘em up, o shoot ‘em up e até mesmo minigames de corrida e obstáculo.

Os tipos variados de gameplay não atrapalham o jogador e não são distribuídos sem um propósito, o que torna a jogabilidade um diferencial neste game. Além do mais, assim como as inúmeras referências indiretas a milhares de filmes, séries, jogos, personalidades e até citações que os devoradores de cultura pop e nerd vão delirar quando verem; a jogabilidade também recebe segmentos em que é claramente inspirada em jogos famosos de diferentes gêneros.

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A exemplo disso, existe um momento que é quase uma ode a “games de bater e correr” como Streets of Rage e Captain Commando, enquanto que outro poderia ser facilmente retirado de “jogos de navinha” como Sonic Wings ou Rayforce.

As mecânicas de combate, no entanto, permanecem inalteradas. O que muda em alguns trechos são os chefes e a estratégia, mas os comandos basicamente não mudam quando se trata de tiro, porrada e bomba – literalmente.

O áudio do título, por sua vez, é um ponto médio. Ao mesmo tempo em que traz músicas ao estilo vaporwave e rock & roll que remetem à época que o game é ambientado, a sonoridade sensibiliza em poucos momentos, em suma por conta da repetição das faixas. Explicando melhor: no começo a trilha sonora cumpre bem seu papel de imersão, mas as faixas instrumentais, num geral, são pouco marcantes e, com algumas horas de jogos, se tornam apenas mais um elemento do cenário e não uma característica que se destaca entre as demais.

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Ainda assim, as referências na composição podem ser facilmente espelhadas em trilhas de obras marcantes como a de Blade Runner e até mesmo de A Coisa.

O enredo do game, por sua vez, talvez seja onde as referências e homenagens pesam mais. Crossing Souls começa como uma trama digna de um filme da Sessão da Tarde, mas passa por momentos sombrios e termina com muitas questões pautadas na subjetividade. O título ainda ganha pontos pelas decisões corajosas ao longo da jornada, pois sendo um jogo cuja trama é centrada em um grupo de cinco jovens (crianças e adolescentes), espera-se que o plot seja light e divertido, mas o game irá surpreendê-lo nesse aspecto.

A história começa com um grupo de garotos de uma cidade pequena e desconhecida, que descobre um artefato miraculoso, capaz de romper o tecido da realidade e permitir que eles interajam com os mortos. Embora pareça simples, a trama se desenrola com a intromissão de militares extremamente opressores que querem usar a relíquia para transformar o mundo a seu favor, e culmina em revelações inesperadas que, obviamente não iremos estragar aqui revelando sobre, mas que abraçam o conceito da vida e da morte.

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Sentir nostalgia é bom, mas...

Com obras que referenciam e homenageiam os anos 80 sendo bem-sucedidas, é normal que existam tentativas de replicar esse sucesso aqui e ali, transformando todo o movimento em uma tendência. A fórmula de reascender o dormente e constante sentimento de nostalgia dá certo. O problema é a dosagem...

Crossing Souls possui aspectos notáveis que o exaltam no meio de tantos indie games, como as diferentes jogabilidades, a bela estética gráfica e as decisões corajosas de roteiro. A trilha sonora por sua vez, já não marcou tanto assim, e os conceitos que guiam a narrativa podem deixar sentimentos mistos. Todavia, toda a base do game, isto é, os anos 80, é um tanto quanto exagerada.

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Até este ponto da matéria, por exemplo, você já deve ter lido muitas vezes o termo “anos 80”, certo? Talvez até esteja se perguntando se não há outra forma de referenciar a dita época. Pois bem, é exatamente essa sensação que o game em si desperta: “será que não havia outra forma, talvez um pouco menos escancarada, de homenagear isso ou aquilo?”, dentre outros questionamentos semelhantes, que são bem regulares.

Chega um momento que as referências e homenagens são só cameos sem muito propósito: estão ali por estar, pura e simplesmente para deleitar caçadores deste tipo de artificio (ou seja, caçadores de easter eggs). No começo é legal. Mas depois chega a ser cansativo, pois fica parecendo só uma constante e chata necessidade de jogar na cara do gamer que o jogo é ambientado nos (lá vem!) anos 80.

Cruzar a fronteira ainda é divertido

Além da crítica ao excesso de nostalgia, há ainda o fator bug que, infelizmente, assolou a jogatina desta análise. Aqui e acolá, o game ainda apresentava alguns erros, como quando retornava de uma tela de game over e o personagem permanecia parado e atordoado, como se tivesse acabado de gastar a barra de stamina inteira; ou quando o personagem simplesmente atravessava a parede e ficava preso em um alguma limitação do cenário, forçando um reset.

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De toda forma, Crossing Souls possui aspectos que o tornam único, e, bem, revisitar a infância e saborear um pouco da época de diferentes formas, seja em conceito ou em prática, ainda pode ser bom – ainda mais se você for um entusiasta dos (se prepare!) anos 80.

A experiência no final das contas foi satisfatória, tanto quanto comer uma refeição ou ingerir uma bebida que só era possível provar quando se era criança porque era a mãe quem preparava tudo. Crossing Souls já está disponível para PlayStation 4, PlayStation Vita e PC via Steam. O game está totalmente legendado em português.

* Crossing Souls foi analisado no PlayStation 4 em cópia cedida gentilmente pela Devolver Digital ao Canaltech.