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Análise | Mesmo com boa narrativa, Call of Cthulhu dá mais destaque a seus erros

Por| 07 de Novembro de 2018 às 14h43

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(Captura de imagem: Rafael Arbulu)
(Captura de imagem: Rafael Arbulu)

Call of Cthulhu, produzido pelo Cyanide Studios, é o tipo de jogo que gamers vão amar, ou vão amar odiar. Isso porque ele tenta, por meio de inúmeros pontos fortes e ambientação macabra e intrigante, fazer com que você goste muito dele. Porém, o jogo coloca tanto esforço em “se mostrar” a quem o joga que, irremediavelmente, expõe falhas que, com um olhar mais profundo, dá para perceber que são ou desnecessárias ou deliberadamente “remendos” bobos para manter o desenvolvimento.

Se você reconheceu o nome do jogo, então parabéns pelos seus conhecimentos em literatura ocultista: Call of Cthulhu é parte da mitologia criada pelo autor americano H.P. Lovecraft. Cthulhu é um d’Os Antigos, um grupo de deidades tão antigas quanto o próprio universo, matriz principal do livro homônimo ao jogo. Mais além, Call of Cthulhu é um RPG de tabuleiro que fez muito sucesso no início dos anos 1980.

A equipe do Cyanide Studios certamente bebe desta fonte ao criar um jogo extremamente ambíguo, recheado de momentos brilhantes ao mesmo tempo em que comete alguns errinhos bobos que, dada a sua constância, acabam minando a experiência de algo que poderia ser, para todos os efeitos, um jogo inquestionavelmente forte.

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Narrativa a la carte

Você assume o papel de Edward Pierce, um detetive particular que vive à base de muito uísque e pílulas para dormir, praguejado pelos pesadelos que viveu quando lutou na Primeira Guerra Mundial. Seu trabalho corriqueiramente envolve descobrir casais que cometem adultério, até que um industrialista famoso de uma Boston em plena Proibição lhe pede para investigar a morte de sua filha e da família que ela construiu, levando você à escondida cidade litorânea de Darkwater, povoada por marinheiros e ex-baleeiros.

A introdução é até um clichê batido: “detetive em ponto baixo de carreira e de vida recebe um caso estranho em uma cidade estranha” é algo que se vê, com certa facilidade, em jogos, filmes e peças de teatro. Mas serve como um bom pano de fundo para introduzir o jogador ao seu protagonista. Pierce é exatamente o tipo de detetive que o você quer que ele seja, por meio de pontos de evolução que, devidamente alocados em certas categorias, podem fazer dele um protagonista eloquente, levando qualquer pessoa na lábia durante uma conversa; focado no trabalho policial, com percepção a itens escondidos no cenário e por aí vai.

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O diálogo do jogo se baseia muito na forma como você constrói Pierce: um homem eloquente consegue, por exemplo, abrir novas opções de perguntas que um detetive com alto desenvolvimento na força física não poderia. Ao passo que alta pontuação na categoria “Detetive” pode abrir qualquer porta, trava ou cadeado, mas não faz mais do que o padrão quando interage com outros personagens.

Em pouco mais de 15 horas de jogo, Call of Cthulhu lhe joga em uma Darkwater bastante soturna, mas nada fora do esperado: uma cidade enveredada em uma névoa densa, típica do ar marinho, cheia de residentes duvidosos; uma família recentemente morta em um incêndio que a polícia de capacidade duvidosa tratou como “acidente doméstico”; uma gangue que trafica bebidas, liderada por uma femme fatale que, aparentemente, tem seus dedos em todos os negócios da cidade; velhos marinheiros que vivem da glória de dias proveitosos de outras época. Clichê, mas chega a ser agradável em alguns pontos.

Um teste de sanidade, mas não como você esperava

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Se a cadência e a narrativa são os pontos fortes em Call of Cthulhu, o mesmo não pode ser dito por sua jogabilidade. De uma forma resumida, a progressão da mecânica do jogo parece buscar um equilíbrio entre o brilhante e o estúpido. Por exemplo: no começo da aventura, Pierce se vê trancado em um manicômio contra a sua vontade e deve, com mecânicas de stealth, criar distrações para livrar-se dos guardas e escapar.

É uma missão que tem leves pinceladas de Outlast, mas com um trabalho de progressão mais aberto. O jogador tem pelo menos três possibilidades de ações que resultarão na sua escapatória — funciona aquela que você conseguir acionar primeiro. Tudo isso enquanto evita guardas patrulhando pelos corredores e aciona alavancas, coleta itens e instiga outros “detentos” a criarem uma barulheira para lhe ajudar. É uma missão executada com excelência, que faz ótimo uso dos recursos do jogo.

Um ou dois capítulos depois, porém, uma outra missão stealth chega e, rapaz, como ela é ruim: um monstro sai de uma pintura e, desnecessário dizer, se ele chegar perto de você, o jogo acaba. Toda a “batalha” se passa em uma galeria de arte e o objetivo é, segundo o prompt do jogo, “examinar a pintura”. Na verdade, é bem mais complicado que isso: você deve examinar a pintura para constatar que precisa de um item do outro lado da galeria, para voltar à pintura e examiná-la novamente. Problema: o item em questão tem diversas réplicas espalhadas pelo cenário e até há pistas sobre como identificar a verdadeira, mas essas pistas vêm antes de o monstro surgir. Quando isso acontece, o jogo entra em salvamento automático e, se você não se atentou, azar. Descubra sozinho como resolver. Ah, já contamos que você não pode nem olhar para o monstro? Você se guia pelos sons dos movimentos dele (quanto mais alto o som, mais perto ele está de você).

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No hospital, qualquer erro cometido pelo jogador poderia ser entendido como um aprendizado, uma estratégia a ser desenvolvida, com uma abordagem diferente. Haviam ramificações o suficiente para permitir essa exploração de possibilidades. Com o monstro, a missão virou um exercício fútil e irritante de “tentar-morrer-tentar de novo-morrer de novo-tentar-resolver sem querer”. Algo bem executado antes, tornou-se ilógico e estressante depois.

Adicione a isso o fato de que há um certo desrespeito do jogo com as próprias mecânicas: Call of Cthulhu traz ago chamado “Sanity Meter”, algo retirado do jogo de tabuleiro. No videogame, ela é representada por uma série de coisas, mas vamos ficar no principal: as decisões que o jogador toma em certos diálogos poderão, futuramente, defini-lo como alguém totalmente são, dono de seus próprios demônios; ou rotulá-lo como psicótico e insano.

O que não significa muita coisa, haja vista que, cortesia de um inevitável ponto-chave do enredo principal, você vai acabar ficando psicótico de qualquer forma, efetivamente invalidando qualquer trabalho que você tenha na construção de um Edward Pierce mais centrado e mentalmente firme. Por que? Para que?

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O gosto amargo de uma aventura incompleta

Call of Cthulhu não precisava ser assim. Estamos falando de uma mitologia inteira baseada em um tema pouco discutido, tudo isso criado por um dos maiores autores macabros da história da literatura moderna. Mais além, o RPG de tabuleiro baseado nesses contos era tão denso que faz sucesso até hoje com entusiastas do gênero — isso porque seu lançamento original se deu há mais de 30 anos. Ou seja, material de base não falta.

No entanto, o que ganhamos é um jogo sustentado por clichês e que, embora tenha seus momentos de brilhantismo e sucesso, acaba ofuscando tudo isso com uma jogabilidade que vai, aos poucos, minando a paciência do jogador, a ponto de, diante de terminar o produto, a única coisa que ele consiga dizer seja “até que enfim”. Não é um jogo impossível de se gostar per se, mas não recomendamos comprá-lo fora de qualquer período de liquidação das plataformas digitais ou em uma daquelas ofertas mensais gratuitas. Se este não foi o seu caso, bom, prepare-se para ter sua sanidade atacada — apesar de que poderia ser este o plano de Call of Cthulhu o tempo todo, só não da forma que ele mesmo esperava.

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Call of Cthulhu está disponível para PlayStation 4, Xbox One e PC. No Canaltech, o jogo foi analisado no PS4 com cópia cedida gentilmente pela Focus Home Interactive.