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Saiba como a nanotecnologia pode revolucionar a astronomia de raios X

Por| Editado por Patricia Gnipper | 30 de Março de 2021 às 10h20

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NASA/Granttremblay/Wikimedia Commons
NASA/Granttremblay/Wikimedia Commons
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Normalmente, para enxergar cada vez mais longe no universo, os astrônomos recorreram a telescópios cada vez maiores, com espelhos gigantes capazes de coletar e refletir luzes extremamente tênues. Mas, com as novas tecnologias, o futuro da astronomia pode nos levar à direção oposta, ao menos no que diz respeito às observações em raios X. É que os próximos instrumentos da NASA podem contar com nanoespelhos para tornar as medições ainda mais precisas.

Os instrumentos de raios X têm um lugar especial na astronomia. É através deles que os cientistas conseguem coletar dados que não seriam detectados em luz visível ou qualquer outro tipo de radiação do espectro eletromagnético. Graças aos raios X, coisas fascinantes sobre buracos negros, estrelas de nêutrons, e muito mais foram descobertas, então nada mais justo que aprimorar esses instrumentos para torná-los ainda melhores. Isso está prestes a acontecer, graças a nanoespelhos que permitirão estudos em alta resolução e eficiência.

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A nova tecnologia para instrumentos de raios X ainda está em desenvolvimento, mas a equipe responsável — o Space Nanotechnology Lab, do MIT — recebe financiamento da NASA para colocar os planos em prática, e seus protótipos foram muito promissores. Eles estão criando espelhos com menos de um milímetro de espessura e alguns poucos centímetros de largura, todos fabricados, moldados e montados com “precisão nanométrica”, de acordo com a NASA.

Além dos espelhos, a equipe também está criando grades de difração de raios X de alto desempenho, em tamanhos extremamente reduzidos, na ordem nos nanômetros e micrômetros. Acredite, isso significa que são coisas muito, muito pequenas mesmo! O resultado tem sido mais que interessantes: uma resolução espectral mais de dez vezes maior do que os melhores observatórios atuais.

O que tudo isso representa? Em uma resposta curta, um grande salto no que diz respeito às pesquisas astronômicas. Isso é empolgante, pois com essa melhoria os telescópios de raios X serão em breve capazes de “ver” coisas que ainda não foram detectadas no universo. Quem sabe o tipo de descobertas sobre o cosmos essa tecnologia nos proporcionará? Bem, se você ainda deseja a resposta comprida, que envolve muita nanotecnologia, vamos detalhar um pouco da ciência por trás dessa novidade.

Espelhos

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Os raios X observados na astronomia são muito mais “sutis” do que os processos usados em raios-X médicos, e costumam ser absorvidos muito facilmente pela matéria. Por isso, para construir um telescópio capaz de “ler” essa radiação que vem do espaço, é preciso fabricar lentes bem diferentes daquelas usadas em telescópios ópticos. Os espelhos usados também são posicionados de outra forma — pense em uma pedra atirada em um lago em uma trajetória quase paralela à superfície da água. Assim como os “pulos” da pedra sobre o lago, os raios-X são refletidos em ângulos muito fechados, abaixo do chamado “ângulo crítico”.

Isso significa são necessárias várias “cascas” de espelhos, às vezes centenas delas, alinhadas em posição bem calculada para preencher bem a abertura do telescópio. Os espelhos devem ser o mais finos possível para evitar o desperdício dessa abertura, que é a área de coleta de luz. Além disso, quanto mais leves os espelhos, mais leve será o telescópio, o que é muito importante caso você queira enviar um observatório orbital para o espaço. Assim, cada espelho deve ser pequeno, com uma forma dobrada e alinhado com precisão em relação aos outros espelhos.

Pois bem, se você chegou até aqui, já deve ter entendido que os espelhos precisam ser minúsculos e leves. Para melhorar ainda mais a refletividade, eles devem ser revestidos com filmes muito finos, com espessura na ordem de nanômetros, o que normalmente é feito com metais. Acontece que os filmes metálicos costumam ser tensionados e podem deformar os finos e frágeis espelhos, e isso não é aceitável. Para resolver o problema, é possível contrabalancear a tensão na parte de trás do espelho de três maneiras diferentes, todas interessantes, mas que possuem um problema em comum: os espelhos são tão finos que acabam cedendo em seu próprio peso.

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Apesar disso, uma das três abordagens se mostrou eficiente o bastante para que a equipe do MIT dedicasse mais tempo para aprimorá-la: o método chamado padronização litográfica de óxido térmico. A NASA decidiu usá-lo em protótipos de seu futuro telescópio de raios X, chamado Lynx, que ainda é apenas um conceito, mas com potencial de revelar muitos mistérios “invisíveis” no espaço.

No protótipo do Lynx, os espelhos são de silício e revestidos de irídio, e receberam um tratamento que permite reduzir o efeito da tensão do filme, de modo que uma eventual inclinação seria muito menor do que nas tecnologias atuais. Isso ainda não é o suficiente para um equipamento de alta definição, mas a equipe do MIT continua trabalhando ao lado do Goddard Space Flight Center, da NASA, que está fabricando os minúsculos espelhos. A expectativa é que em breve eles consigam aprimorar a técnica o bastante para corrigir as deformações.

Grades de difração

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Em um telescópio de raios X, as grades de difração são inseparáveis dos espelhos. Trata-se de um dispositivo capaz de dividir e difratar a luz, gerando vários feixes que viajam em diferentes direções. Isso é necessário porque, diferente dos telescópios ópticos, que utilizam refração ou reflexões a grandes ângulos para otimizar a imagem do objeto cósmico, os telescópios de raios X refletem o raio apenas para ângulos pequenos (lembra da pedrinha atirada no lago?).

Em uma observação astronômica, os cientistas precisam separar os raios X que vêm do espaço de acordo com sua energia ou comprimento de onda, para que saibam o que está acontecendo na estrela, buraco negro, quasar, ou qualquer objeto que seja o foco do astrônomo. Então, os telescópios de raio X usam um espectrômetro de difração, que divide a radiação em diferentes ângulos, de acordo com seus comprimentos de onda. Tudo isso parece complicado, mas significa apenas que os telescópios de raio X precisam tanto dos espelhos, quanto das grades de difração.

No Chandra, por exemplo, (um dos principais observatórios de raios X na atualidade), há dois espectrômetros responsáveis por difratar os raios que atingem os espelhos do telescópio. Cada um deles, ao ser ativado, gira de modo que posiciona um conjunto de centenas de grades de transmissão atrás dos espelhos. As grades então interceptam os raios X refletidos e os difratam, da mesma forma que um prisma separa a luz nas sete cores do arco-íris. Por fim, uma câmera detecta a localização do raio X difratado e mede sua energia.

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Quando os astrônomos recebem essas informações, eles podem analisá-las para saber o que está acontecendo no objeto ou região do universo que estão observando. Por isso as grades de difração também precisam de atenção especial, e nas novas tecnologias não será diferente: a equipe do MIT desenvolveu uma nova grade de transmissão de raios X que fornece grandes melhorias em desempenho em relação aos equipamentos do Chandra. De acordo com a NASA, as grades serão muito finas e de baixa massa, o que deve favorecer muito os próximos observatórios espaciais.

As barras das grades devem ter de 4 a 6 micrômetros de altura e 40 a 60 nanômetros de largura (um nanômetro tem 0.000001 milímetro, enquanto um micrômetro tem 0.001 milímetro). Se você achou essas medidas difíceis de se imaginar, a inclinação tem números ainda mais absurdos, na ordem de picômetros — um picômetro é um milésimo de nanômetro. Ufa! Isso tudo resulta em uma grade de transmissão de ângulo crítico (CAT), que é um arranjo muitíssimo elaborado de milhares de nanoespelhos alinhados com precisão assombrosa.

Essas coisinhas minúsculas são fabricadas a partir de pastilhas de silício, compostas por uma fina camada de silício de 4 a 6 micrômetros em uma pastilha de 0,5 mm de espessura, separada por outra camada bem fina de óxido de silício. Para evitar entrar em termos mais técnicos, basta saber o resultado: a absorção de luz será minimizada e a inclinação extremamente sutil fará com que os raios X desviarão das barras, e se dispersarão durante a difração em ângulos maiores do que acontece nas grades convencionais. Caso esteja se perguntando se isso é bom, a resposta é sim! O resultado disso será uma resolução bem maior.

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Como será que o pessoal do MIT faz tudo isso? Por enquanto, os protótipos são feitos de modo bem manual, em salas bem limpas do instituto. Eles já fizeram alguns CAT maiores que 30 x 30 mm², mas serão necessários milhares de centímetros quadrados para construir um espectrógrafo para um telescópio real. Ou seja, serão necessárias centenas de nanogrades. Os métodos de fabricação ainda estão sendo elaborados pelo MIT, em colaboração com outros laboratórios, o que deve agilizar e automatizar o processo (assim esperamos!).

Em termos práticos, o que tudo isso fornecerá à astronomia? Bem, com algumas das pequenas matrizes de grades CAT que o MIT produziu, e espelhos de focagem de raios X da NASA, a equipe obteve um poder de resolução espectral (a capacidade de distinguir entre comprimentos de onda semelhantes, porém distintas, o que é muito importante para entender o que os raios X estão dizendo aos astrônomos) mais de dez vezes maior do que o do observatório Chandra. Se os raios X são tão importantes para desvendar mistérios invisíveis do universo, todo esse esforço sem dúvida valerá muito à pena quando o Lynx entrar em ação.

Fonte: NASA, NASA/Lynx