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Crítica | The Mauritanian se apoia nas atuações

Por| Editado por Jones Oliveira | 11 de Março de 2021 às 21h00

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BBC Films
BBC Films

Filmes biográficos não deixam de ser ficção. Por mais que a base seja em histórias reais, há toda uma narrativa guiada pelo roteiro e uma encenação fundamentada pela forma idealizada pela direção. The Mauritanian é, justamente, um trabalho que pode parecer em dúvida sobre o próprio caminho, sendo ora focado no que quer contar e ora focado em como está contando tudo.

Essa falta de direcionamento encaminha o filme para uma espécie de limbo, onde tudo ou nada pode ser sincero; onde tudo ou nada pode causar impacto. Nesse esquema, The Mauritanian acaba sendo um drama antiquado guiado por uma direção que demonstra ser mais adepta das provocações do que da humanização tão necessária em uma biografia. Humanização esta que, felizmente, é gigante no desempenho dos protagonistas Tahar Rahim (o Mohamedou Ould Slahi), Jodie Foster (a Nancy Hollander) e Benedict Cumberbatch (o Stuart Couch).

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Atenção! Esta crítica pode conter spoilers sobre o filme!

Almas repartidas

Acontece que um dos maiores pecados do roteiro de Michael Bronner (de Chasing Planes: Witnesses to 9/11) e dos estreantes em longas-metragens Rory Haines e Sohrab Noshirvani é a indefinição do protagonismo. Claro que o filme é sobre Slahi e a situação passada por ele enquanto preso. O título pode deixar isso claro. Mas todo o desenvolvimento de Nancy e Stuart são quase que supérfluos à história em si.

Nesse sentido, é possível reparar as inserções da personagem de Foster e o quanto elas são repetitivas. Mesmo que o seu trabalho seja um tipo de leitmotiv de situação e, por isso, precise de repetições para que toda a burocracia seja compreendida, a sensação de que suas aparições permanecem interessantes pode ser fruto da competência da atriz. Foster é tão dona das situações que sua postura faz frente, inclusive, à própria situação de Slahi.

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Por outro lado, o embate interno — com ele mesmo — de Stuart pode ser extremamente valoroso para uma abertura da experiência à frente de The Mauritanian. Isso porque, enquanto Nancy tem um processo repetitivo e sem desenvolvimento, ele (Stuart), aos poucos, transparece e personaliza a condição moral do filme. Cumberbatch, por essa perspectiva, é gigante em suas expressões minimalistas. É possível sentir e perceber a ficha caindo quando, em um determinado momento, ele decide confrontar a verdade.

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A direção de elenco de Kevin Macdonald (de O Último Rei da Escócia — filme de 2006), portanto, é de muita expressividade. Mesmo que o trio protagonista seja exemplar por si só, a mão do diretor é visível na construção do tom. Ninguém se sobressai em relação à estrutura geral e, ao mesmo tempo, Rahim, Foster e Cumberbatch são a alma do filme.

A chance tripla de humanização

Mas um filme não é feito somente de atuações. A visão de unidade que Macdonald tem para guiar o elenco poderia funcionar se os três tivessem o mesmo peso para o todo. Se, em O Último Rei da Escócia, ele coordenou tudo em volta da atuação de Forest Whitaker, em The Mauritanian tudo parece desbalanceado. Isso acaba dissolvendo a importância do filme enquanto biografia e quase minimizando a luta do personagem-título em detrimento de histórias paralelas.

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Macdonald, então, é esperto: depois de dois primeiros atos que não param de intercalar cenas dos três, ele aposta em uma terceira e última parte mais chocante. Para isso, parte da tortura sofrida por Slahi enquanto prisioneiro sem provas é mostrada. Pode ser suavizada, claro, mas o filme sai de um jogo burocrático para uma situação frenética e sofrida. Por isso, se o investimento anterior tivesse direcionado à humanização da personagem de Rahim, é provável que o terceiro ato pudesse soar muito mais sincero do que uma tentativa de chocar para tornar tudo relevante.

Macdonald e seus roteiristas, assim, perderam a chance tripla de fundamentar a história de três personagens que mereciam uma abordagem mais próxima, mais íntima. É verdade que isso quase acontece com Slahi, especialmente pela relação com sua mãe — erguida nos primeiros minutos —, mas é pouco. E é pouco tanto para o filme quanto para, se for o caso, uma crítica mais dura sobre o sistema carcerário da Baía Guantánamo: um lugar sem lei, no qual as pessoas poderiam ser mantidas presas durante anos e torturadas até confessarem qualquer coisa só para se livrarem da dor física e do terror psicológico.

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Contudo, são nos créditos finais que as cenas mais humanas surgem. Isso porque, como de praxe, algumas filmagens reais daquele que deveria ser o verdadeiro protagonista são mostradas. Então, pode surgir a sensação de que, por mais que Rahim seja um excelente ator e tenha sido bem dirigido, o seu tempo em cena não foi suficiente para a sedimentação de uma empatia mais real — esta que tem força para surgir, instantaneamente, quando o verdadeiro Slahi canta sorrindo, depois de tudo que passou.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech