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Crítica Segredos de Um Escândalo | Moore e Portman escancaram o abuso infantil

Por| Editado por Durval Ramos | 11 de Janeiro de 2024 às 18h09

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Killer Films
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Depois de dirigir o aclamado Carol (2015), o diretor Todd Haynes resolveu adaptar para as telonas um drama real cheio de polêmicas e pormenores. Foi assim que surgiu Segredos de Um Escândalo, filme que traz Julianne Moore e Natalie Portman contando a história de uma mulher de 36 anos que se apaixona e namora um menino de 13.

Gracie e Joe se conheceram na década de 1990 e iniciaram um romance proibido que resultou na prisão dela e em uma gravidez inesperada. Mas não são esses os fatos que guiam o longa. Haynes preferiu focar no cenário pós-polêmica e na consequência desse namoro na vida dos envolvidos para criar o seu filme — principalmente ao contar a história pelos olhos de uma pessoa de fora do relacionamento.

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E é assim que ele mostra Gracie e Joe já casados e com três filhos. No longa, o casal tenta levar uma vida pacata em Savannah, nos Estados Unidos, mas não deixa de receber olhares desconfiados dos vizinhos e até mesmo um saco de fezes que chega pelos correios. Prestes a mandarem os filhos para a faculdade, recebem a visita de Elizabeth Berry (Portman), uma atriz conhecida e que veio estudar a vida de Grace para vivê-la em um filme independente.

Discreta, tímida e quase blasé, Elizabeth contrasta com a personalidade ácida e forte de Gracie, e apesar de ambas manterem as aparências de “mulheres educadas”, o desconforto entre elas é quase palpável. 

E foi justamente se valendo desse incômodo que o diretor construiu sua narrativa. Segredos de Um Escândalo está longe de ser, de fato, escandaloso. O filme é calmo e quase bonito, mas deixa vazar nas entrelinhas o absurdo da história que está sendo contada, e ainda convida o público a ir se aprofundando na narrativa à medida que vai revelando, pouco a pouco, os detalhes da trama.

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Se, por um lado, Gracie é gentil, educada e quase bondosa demais, por outro é mandona e trata Joe como seu filho, sempre ordenando que ele faça alguma coisa. O rapaz, por sua vez, não passa de um grande meninão, deixando claro para o público que teve sua infância interrompida e que teve que crescer rápido demais.

Construindo lentamente as camadas emocionais dos personagens, o diretor permite que o público possa julgar Gracie de acordo com sua regra moral, e ainda mostra que ninguém é totalmente bom ou totalmente terrível como se costuma pensar. Esse é o grande acerto do longa, porque brinca com a emoção do espectador e prende a atenção até mesmo nos momentos mais lentos.

Ainda é importante dizer que, talvez por tentar se afastar ao máximo da narrativa documental, é que a direção constrói uma trama novelesca cheia de reviravoltas. Isso, no entanto, não torna o filme ruim —pelo contrário, dá ritmo para que ele seja agradável de ser assistido.

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A trilha sonora também funciona bem e marca os momentos de tensão que ganham destaque para não deixar o público se esquecer do absurdo que está vendo. E quem também merece elogios é a equipe de maquiagem e caracterização, já que ela foi fundamental para transformar Elizabeth em Gracie.

De pouquinho a pouquinho, a personagem de Natalie Portman vai incorporando os trejeitos de Gracie, desde a forma de olhar e sentar até o modo como cruza as mãos. Esse processo é tão sútil e evidente ao mesmo tempo que deixa qualquer um fascinado. Como era de se esperar, Portman entregou mais uma atuação brilhante. Ela, que já tinha conquistado o mundo em Cisne Negro, construiu um personagem dois em um, já que teve que dar vida à Elizabeth e depois se transformar um pouco em Gracie.

Do outro lado, Moore também esteve à altura, e as duas travaram uma espécie de guerra fria na qual a tensão aumentava gradativamente. Moore brilhou ainda mais quando se deixou levar pelo choro desesperado de quem sabe que fez algo errado — mesmo ela nunca assumindo que teve culpa e sempre reafirmando que Joe, do alto dos seus 13 anos, a seduziu.

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E, por falar nele, mesmo com um currículo muito menor do que as duas vencedoras do Oscar, o ator Charles Melton não fez feio em cena. Seu personagem é muito mais contido e isso não permitiu que o ator explodisse em grandes rompantes, mas deu a ele a chance de criar um adulto amoroso, apaixonado, mas ainda assim  espantado com os rumos que a sua vida seguiu.

Segredos de Um Escândalo escancara o absurdo

Deixando a parte técnica um pouco de lado, o que mais impressiona no drama é como ele escancara o absurdo do abuso infantil de forma singela e ainda mostra como nós, enquanto sociedade, de certa forma somos coniventes com isso.

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O filme não tem cenas explícitas, não mostra trocas de beijos entre um adulto e uma criança e muito menos sexo, mas ainda assim consegue ser incômodo a todo momento, porque relembra o espectador de que, por mais que Gracie seja uma pessoa caridosa, gentil e amável, ela cometeu um ato terrível contra uma pessoa vulnerável.

Ainda assim, com o passar do tempo, é fácil relativizar o que ela fez, afinal agora os dois já são adultos e conscientes de suas decisões. Só que a consequência do abuso é algo que não some com o tempo e a infância de Joe não volta mais — e o longa não se isenta de discutir isso.

Infelizmente não é tão raro ver casos como esses acontecendo no mundo, e nem cantores famosos de MPB estão livres de passar por um escândalo parecido, só que do outro lado da moeda — como abusadores. E é por esses e outros motivos que Segredos de Um Escândalo se faz necessário, porque faz pensar nos absurdos "toleráveis". Talvez o filme não impacte em um primeiro momento e nem nas horas seguintes, mas certamente ficará na cabeça do público por muito tempo.