Crítica | Relatos do Mundo pode ser a vida como uma caixa de bombons vazia
Por Sihan Felix |

Faroestes, geralmente, parecem tentar nos fazer encaixar em seus universos. Por mais que às vezes possam ser graficamente violentos, multitemáticos, de ritmos variados e até disfarçados de um estático road movie (como o recente First Cow — de Kelly Reichardt), existe uma tentativa de uniformidade no que é visto. Relatos do Mundo, por outro lado, é uma aposta do contrário. O diretor Paul Greengrass (de Capitão Phillips, 2013) está muito mais interessado em repartir o filme esteticamente e unir seu público justamente em uma selva (ou deserto) desigual.
A dinâmica visual proposta pela direção, então, é de opostos. Se, inicialmente, Greengrass nos leva a um local fechado à noite e desenvolve a cena por meio de planos detalhes e closes iluminados por uma luz amarelada, na sequência vemos um plano geral azulado do amanhecer, logo iluminado pela então presença do sol. Isso acontece, inclusive, após a exposição de um porta-retratos com a foto da esposa do Captain Kidd (Tom Hanks). É um simbolismo que acaba corroborando a força da ideia de um diretor que optou pelo desconforto estético.
No final das contas, o personagem é tão forte e significativo que pode passar despercebido que ele mesmo escolhe o que os seus ouvintes devem ouvir. Apesar disso, fica evidente que suas escolhas fogem das notícias (geralmente mentirosas) que os poderosos querem que sejam comentadas — o que fica nítido quando, propositadamente, ele instaura uma pequena revolução na cidade do Mr. Farley (Thomas Francis Murphy).
O inferno não são os outros
São tantos personagens repartidos durante Relatos do Mundo que, quando o filme chega ao fim, talvez nem se perceba que Captain Kidd passou por todo o road movie estando repartido pela saudade de sua esposa e que, ao final, o que quebra ao meio é seu próprio coração. Não por uma força humana, mas por um mal da época. A cólera (como a meningite — que também é comentada) encerra a possibilidade de o herói sentir-se em qualquer tipo de céu.
Para Greengrass, o inferno não são os outros, é, além da ausência, o acaso. E este é incontrolável, incontornável e pode encontrar lugar em cada um de nós. Assim como as notícias que chegam do mundo real não são tão boas, News of the World (no original) é pessimista e, no momento, pode ser que não exista outra forma de o ser.
Relatos do Mundo estará disponível no catálogo da Netflix a partir do dia 10 de fevereiro de 2021.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech