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Crítica No Ritmo do Coração | O amor em todas as suas formas e sons

Por| Editado por Jones Oliveira | 18 de Janeiro de 2022 às 22h00

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A primeira cena de No Ritmo do Coração é demorada e distante: o espectador passa muito tempo encarando o barco da família Rossi no mar, até que enfim começa a ouvir a voz de Emilia Jones cantarolando Something's Got A Hold On Me, de Etta James. A atriz revelada pela série original NetflixLocke & Key, cuja voz não fora explorada na trama de fantasia e mistério por motivos óbvios, tem um talento nato, mas é de se estranhar que não há um esboço sequer de emoção de seu irmão e pai enquanto a filha canta.

Naturalmente, nas cenas seguintes, descobrimos que Ruby (Jones), de 17 anos, é a única integrante da família que não é deficiente auditiva. Levando uma vida relativamente pacata e dividida entre a escola e o trabalho com a pesca de seu pai, a adolescente é a intérprete oficial dos demais Rossi, praticamente a sua única conexão com o mundo exterior.

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O primeiro ponto de virada do roteiro ocorre justamente quando Ruby decide se inscrever no clube do coral de seu colégio. Unindo o útil ao agradável, a atividade é uma forma de estar perto do garoto que ela gosta, além de executar uma atividade que sempre lhe agradou: cantar. Por mais irônico que possa parecer, é aqui que o longa começa a pegar ritmo, colocando a pulga atrás da orelha de cada espectador sobre a infelicidade de uma garota prodígio para o canto que não pode dividir seu talento com a família.

"Se eu fosse cega, você iria gostar de fazer pinturas?", indaga sua mãe em uma das cenas.

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É seguindo essa premissa simples, porém curiosa, que a diretora e roteirista Sian Heder transforma a rotina nada emocionante de uma jovem garota numa história fascinante sobre independência e amadurecimento. Adaptação do francês A Família Bélier (2014), a cineasta descarta qualquer paradigma que possa levar o filme a ser considerado desnecessário, levando o espectador para uma jornada emocionante de se transbordar aos olhos.

Há diversos clichês que fazem de No Ritmo do Coração um longa que pode facilmente fisgar os fãs de tramas adolescentes: a paixão platônica pelo garoto mais bonito da escola, a melhor amiga confidente, a figura do professor-mentor e até mesmo o estereótipo de garota invisível que descobre ser uma criatura brilhante. Todos esses elementos são introduzidos com bastante cuidado e salpicados ao longo do roteiro, mas que graças a Heder, agregam à trama ao invés de empobrecê-la.

A diretora, no entanto, resgata justamente os erros e defeitos do longa francês original e aprende com eles ao invés de entregar uma simples cópia norte-americana como já cansamos de ver no decorrer dos anos. A ideia do remake, na realidade, veio justamente de Marlee Matlin (atriz de A Família Bélier que aqui interpreta Jackie, a mãe de Ruby), cuja única exigência é que todos os personagens surdos na nova versão fossem de fato interpretados por atores com deficiência auditiva — e é justamente na simplicidade da representatividade que No Ritmo do Coração ganha a entrega e toda a atenção do público.

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Emilia Jones aqui possui uma performance impecável, de uma sensibilidade exemplar. Contudo, é altamente injusto não destacar as atuações de Matlin, Troy Kotsur (o pai Frank) e Daniel Durant (o irmão Leo), que trazem uma riqueza genuína e espontaneidade às cenas que, se interpretadas por atores de grandes nomes de Hollywood, tropeçariam num melodrama desnecessário e excessivo para as situações aqui colocadas.

É na simplicidade que Heder quer contar essa história, e isso está claro em cada detalhe mostrado em tela: seja na câmera sentada com a família na mesa de jantar, acompanhando Ruby voltar para casa de bicicleta ou nas manhãs que a filha sai com seu pai e irmão para pescar. A cineasta aqui não quer utilizar da deficiência auditiva como um problema, algo pejorativo; e sim uma limitação que faz parte do dia a dia e da realidade de muitas pessoas.

Tudo isso é feito de uma forma tão espontânea e natural que não demora para o espectador acostumar-se com o fato de que mais da metade dos diálogos do longa são realizados por meio de sinais.

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Ainda falando dessa simplicidade, Heder consegue criar uma história envolvente de quase duas horas justamente pela delicadeza e inteligência em abordar esses elementos. Não há aqui uma história sobre a cantora mais brilhante da escola, ou sobre uma família que descobriu o segredo do sucesso para a pescaria; Heder esmiúça o dia a dia dos Rossi como unidade, ao mesmo tempo que paralelamente trata de seus personagens de maneira individual sem trazer à tona uma jornada particular extravagante.

É tão natural que esquecer da duração, do tempo ou das horas é inevitável, assim como é difícil segurar as lágrimas quando o filme atinge seu ápice. No Ritmo do Coração é capaz de ressoar pertinho, mesmo seguindo uma história com tantas singularidades.

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O cuidado com o trabalho de som

Por se tratar de uma trama sobre surdez, era esperado que houvesse um trabalho cuidadoso quanto à captação e mixagem de som com No Ritmo do Coração. E nesse aspecto, o longa não decepciona.

O diretor de som Paul Lucien Col é o grande responsável por essa parte, deixando sua marca em momentos cruciais e que agregam à narrativa: seja quando a audiência sente o que é estar no lugar de Frank, Jackie e Leo na apresentação musical de Ruby; quando o irmão aceita o convite de tomar uma simples cerveja no bar e falha miseravelmente em fazer a leitura labial dos colegas para se enturmar no assunto ou até mesmo quando, curiosamente, a família está fazendo muito barulho sem querer, mas atrapalhando Ruby de estudar.

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São nesses pequenos momentos que a dupla Lucien Col e a diretora Heder propõem uma reflexão de maneira discreta sem escorregar em morais da história superficiais norte-americanas. No Ritmo do Coração (ou CODA, na linguagem original, abreviação de children of deaf adults) é um filme sobre amadurecimento, pertencimento e independência contado de uma forma envolvente e que se conclui com muita emoção.

No Ritmo do Coração está disponível no Amazon Prime Video.