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Crítica | Fúria Incontrolável mostra o quanto o ser humano é brutal

Por| 06 de Novembro de 2020 às 19h30

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Burek Films
Burek Films

O conceito de um filme diz respeito a como, aparentemente, ele foi pensado para chegar ao público. Fúria Incontrolável é bem claro nesse ponto. Sem arrodeios ou firulas estéticas, a direção de Derrick Borte (de Caminhos de Sangue — filme de 2018) é muito direta, sugerindo que todos os horrores de um dia agitado (eufemismo) podem acontecer em qualquer lugar.

Claro que Borte está falando do seu próprio país e, ainda, não se apega somente às ações em si, mas na ira que instiga os atos. Nesse sentido, por mais que o thriller se passe em uma região menos insegura da Louisiana, durante uma hora e meia o que vemos são placas de um estado sem nome, indicando, somente, America’s Heartland (Coração da América em tradução livre).

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Atenção! Esta crítica contém spoilers sobre o filme!

O perigo da humanidade

O diretor não parece adepto de sutilezas. Aliás, ele monta seu conceito fugindo delas. Desde a abertura, com os créditos iniciais sendo acompanhados pela degradação do sistema social — com engarrafamentos, acidentes, violência urbana, tumultos aliados a todo tipo de desgraça comentadas por uma estação de rádio —, Borte menospreza os pormenores. O foco é o macro. A fúria incontrolável, no caso, talvez seja uma raiva pessoal — o que é válido, mas pode não ser o suficiente.

Então, fundamentando as bases do caos que acompanha a vida da personagem de Russell Crowe, existe todo esse aparato de comentário social. Se isso pode trazer alguma força de identificação para o espectador, ao mesmo tempo pode parecer um tanto quanto exagerado, como se Burte estivesse explorando o mal-estar por meio de choques mais baratos do que necessários. Aliás, essa abordagem pode ser problemática ao exponenciar medos de maneira imprudente, com força o suficiente para validar desconfianças quando, talvez, precisemos exercitar o contrário, assim como a empatia.

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Crowe, inclusive, interpreta alguém que poderia ser qualquer um de nós de acordo com o conceito de Fúria Incontrolável. Sem nome, o Homem é como um agente do caos que foi moldado pelo mundo. Enquanto, inicialmente, suas ações podem até ser sutis, logo ele se revela como uma máquina indestrutível. É, ainda, perigosa e, simultaneamente, denunciante, a abordagem de que o estresse cotidiano possa resultar em uma briga de trânsito tão comprometedora (no mínimo).

Rachel (Caren Pistorius), afinal, não tem noção de quem é o Homem. Nós, espectadores, podemos ter uma ideia bem completa daquele sujeito, mas ela, em um dia ruim, não imagina como a humanidade — representada pelo cara barbado e antipático — pode estar em um momento muito pior e o quanto ela (a humanidade) pode ser perigosa.

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Em toda a sua vida...

Fúria Incontrolável pode não ter culpa alguma de ter uma idealização tão pesada a respeito do ser humano. Burte, a partir do que pensou, conduz as cenas com muita competência, construindo momentos de tensão particularmente eficientes — destaque para aquele em que o Homem persegue Andy (Jimmi Simpson). Apesar disso, o filme pode fomentar uma sensação, de algum modo, desagradável: a de que, por mais que as atitudes extremas do protagonista sejam reprováveis, ele tem justificativa. Assim, ficam amarrados o extremismo dele (do Homem) e tudo que o motivou. É, em síntese, como se precisássemos simpatizar, concordar, com as ações dele.

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No final das contas, a raiva extrema do Homem em Fúria Incontrolável pode ser vista como um desabafo, um grito de seu diretor através de um conceito extremo. A brutalidade, que, talvez, mostre-se em definitivo apenas no terceiro ato, pode chegar como vilã tarde demais para a absorção daquilo tudo. A gratuidade do último e mais violento embate pode ser tão apavorante quanto desnecessária. Mesmo assim, o filme de Brute parece trazer de volta a onipresença de Crowe que, vez ou outra, talvez lembre o Maximus de Gladiador (de Ridley Scott, 2000).

Fica a experiência de uma produção que aposta na crueza para expor a crueldade. Resta que nós consigamos discernir a metáfora da realidade, o simbolismo hiperbólico do cotidiano comum. Se bem que, nas entrelinhas, podemos constatar que o Homem (o ser humano), enfim, é muito mais brutal e mata muito mais diariamente do que o personagem fictício de Crowe o faria em toda a sua vida.

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*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.