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Crítica | F1: Dirigir Para Viver volta com clima de tensão em um ano complicado

Por| Editado por Jones Oliveira | 23 de Março de 2021 às 22h00

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Divulgação/Netflix
Divulgação/Netflix
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Em um ano atípico para absolutamente todo mundo, inclusive a Fórmula 1, chega a ser curioso notar como a COVID-19 acaba se tornando um personagem mais do que secundário em F1: Dirigir Para Viver. A série da Netflix retorna em sua terceira temporada para, mais uma vez, ser mais do que apenas um resumo da competição, revelando o lado humano por trás das escuderias, contratos e roncado dos motores. Desta vez, porém, a série parece ter se perdido um bocado no personagem.

Não necessariamente por conta da pandemia, um assunto sobre o qual muitos de nós não aguentamos mais ouvir falar sobre, mas que ainda ocupa boa parte do episódio inicial do seriado, focado no adiamento, em cima da hora, da etapa inicial da Fórmula 1, em Melbourne (Austrália). E sim ao adicionar elementos de faíscas e atritos entre membros deste circo que nem sempre são tão graves quanto parecem na tela.

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Nesse ensejo em que as coisas parecem estar sempre no fio da navalha, principalmente para pilotos novatos ou com o assento em um carro por um fio, até mesmo fatos são convenientemente deixados de lado, afinal de contas não comporiam bem a narrativa criada. Assim, a terceira temporada de F1: Dirigir Para Viver segue constituindo um complemento interessante à temporada e ao noticiário por si só.

Cuidado! A partir daqui o texto pode conter spoilers sobre a terceira temporada de F1: Dirigir para Vier.

É o caso, por exemplo, do capítulo focado na crise da Ferrari, uma equipe que, de seus anos de glória e vitórias, passa por problemas que a transformaram em uma competidora de médio para baixo porte. Os problemas existem da mesma forma que o melindre do campeão Sebastian Vettel, que está deixando a escuderia para se unir à Aston Martin neste ano de 2021. Mas não é como se tudo estivesse indo por água abaixo na equipe.

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O incômodo pelo anúncio da mudança, em plena comemoração do milésimo Grande Prêmio da Ferrari, é retratado de forma fidedigna, assim como a continuidade das tensões entre Vettel e seu companheiro, Charles Leclerc, um dos principais motivos para a decisão. Por outro lado, o monegasco é quem acaba saindo pior na terceira temporada da série, com os pódios hercúleos da temporada 2020 e os resultados acima do esperado para o carro que pilotava sendo deixados de lado enquanto a Netflix pinta uma situação complicada para o time.

Há de se citar, ainda, a sensação estranha deixada pelo episódio do sempre sorridente Daniel Ricciardo, ex-Renault, quando o assunto foi sua transição para a McLaren, tratada como o fim de um casamento entre ele e o diretor do time francês, Cyril Abiteboul. Novamente, não é como se o time estivesse indo de vento em popa e a decisão fosse uma traição por parte do piloto australiano, que sempre deixou claro confiar em seu potencial e procurar oportunidades de crescer e vencer — na série, parece uma interrupção abrupta de um plano vitorioso que, na realidade, nunca existiu fora da cabeça dos dirigentes.

Por trás da cortina

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Ao mesmo tempo, F1: Dirigir Para Viver segue com os altos valores de produção e as belas imagens que a transformam em um documento importante, ainda que force cada vez mais a mão na narrativa. O acesso dado pelas equipes à Netflix rende imagens impactantes, como a reverência feita por Pierre Gasly (AlphaTauri) no local da morte do amigo Anthoine Hubert, um ano antes, no Grande Prêmio de Spa-Francorchamps, na Bélgica.

A McLaren também ganha destaque compatível à sua evolução ao longo dos últimos anos, ainda que caia na mesma capotagem narrativa que tenta criar tensões onde não existem, enquanto os trechos focados em Romain Grosjean (Haas) e seu traumático acidente entregam o que era de se esperar de um dos grandes eventos da temporada. O foco nos dramas humanos e na tensão transparecem aqui, no lide dos pilotos com o evento e, principalmente, no clima positivo do piloto após quase perder a vida em um dos incidentes mais impactantes da Fórmula 1 nos últimos anos.

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Por outro lado, dois outros grandes momentos de destaque ficam inexplicavelmente de fora. A Netflix nem mesmo menciona a corrida em que George Russell substituiu Lewis Hamilton na Mercedes, após o campeão ser contaminado pelo novo coronavírus. Da mesma forma, a saída da família Williams do comando da equipe de mesmo nome é apenas citada rapidamente, sem destaque para Claire Williams, uma das únicas mulheres em posição de destaque na Fórmula 1, nem a devida atenção ao fim de um dos legados mais importantes da modalidade.

Um conterrâneo nosso também acaba ficando de fora desta tentativa de não colocar a pandemia como foco da nova temporada de F1: Dirigir Para Viver. Pietro Fittipaldi, o primeiro brasileiro a pilotar um carro da Fórmula 1 desde a aposentadoria de Felipe Massa, em 2017, não aparece nem é citado, assim como Nico Hulkenberg, que chegou a ser um protagonista em temporadas passadas. Ele, que substituiu Lance Stroll (Racing Point) em uma corrida, após a contaminação do canadense, não teve seus momentos registrados neste ano.

Ainda que tente focar nas tensões e em alongar cenários, F1: Dirigir Para Viver não deixa o foco humano de lado. Um bom exemplo disso é o episódio focado em Guenther Steiner, diretor da equipe Haas. Gerenciada como uma escuderia familiar, o líder se vê em uma posição de trocar pilotos com experiência por contratos milionários que não apenas manteriam a equipe em pé, como dariam uma chance de desenvolvimento aos carros.

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A Netflix também não se esquece de um dos grandes focos da Fórmula 1 neste ano. Ainda que os protocolos e sistemas que permitiram a continuidade da temporada diante da COVID-19 tenham ficado em segundo plano, o serviço fecha a temporada com um olhar sobre Hamilton e seu posicionamento enquanto membro da comunidade negra no posto mais alto do automobilismo mundial, uma postura que, ele próprio, também aprendeu a utilizar de maneira positiva e transformadora ao longo dos últimos anos.

Ainda que a luta pela igualdade nem sempre seja o centro das atenções — mesmo na série, que também dribla a polêmica envolvendo Nikita Mazepin, um dos novos pilotos da temporada 2021 e acusado de assédio sexual —, F1: Dirigir Para Viver faz o trabalho de tornar a categoria mais palatável e acessível. Não há de se negar que os conflitos, ainda que inflados e nem sempre contando a história inteira, ajudam a criar interesse pelo que está por trás, apenas, das frias classificações e desempenhos nas pistas.

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A presença em um grande serviço de streaming, claro, faz parte dos planos da Fórmula 1 de alcançar mais pessoas, e para quem ainda não tem paciência de assistir duas horas de prova no domingo de manhã, este pode ser um bom caminho para entender a velocidade que motiva os conflitos. Entretanto, o ideal é encarar este como um documento adicional ao que acontece efetivamente nas pistas, e não como um grande resumo ou olhar sobre a temporada. Há um recorte claro sendo feito aqui, para o bem e, algumas vezes, para o mal.

As três temporadas de F1: Dirigir Para Viver já estão disponíveis, na íntegra, na Netflix. A empresa ainda não confirmou a produção de um quarto ano.