Conheça a nova sci-fi brasileira com sertãopunk, cyberagreste e amazofuturismo
Por Claudio Yuge | •

Entre as grandes belezas de nosso país, estão a miscigenação e a troca intensa de múltiplas culturas, que ao longo das décadas criaram novas e ricas formas de expressão. Algumas delas passaram a fazer parte de nossa própria identidade e, desde então, nunca mais paramos de experimentar. E, embora as produções dos gêneros de fantasia e ficção científica sejam relativamente jovens por aqui, dá para dizer que estamos perante a uma geração que vem inovando a partir de subdivisões curiosas, a exemplo do amazofuturismo, tupinipunk, cyberagreste e sertãopunk.
Bem, antes de chegar a esses novos termos, é preciso remontar um pouco da nossa história sci-fi. Jeronymo Monteiro, um jovem de família humilde, morador do bairro do Brás em São Paulo, foi uma figura primordial para o início da nossa própria ficção científica. O Brasil já olhava para esse lado, com O Imortal, de Machado de Assis, e O Doutor Benignus, no final do século XIX, mas foi com Monteiro é podemos dizer que tivemos algo genuinamente tupiniquim.
Influenciado por H.G. Wells, Monteiro, sob olhares de desaprovação do pai, insistia em querer criar suas próprias tramas e, em 1933, ele conseguiu: com o pseudônimo Ronnie Wells, publicou O Colecionador de Mãos, considerado o primeiro romance policial do país, com o primeiro personagem detetive nacional. Antes mesmo desse lançamento, Monteiro já vinha se destacando como jornalista na revista Cruzeiro e no Diário de São Paulo. Depois de trabalhar no Correio Paulistano, nos anos 1950, foi chamado pela Editora Abril para ser o primeiro editor e responsável pela revista do Pato Donald. Em 1964, fundou a Associação Brasileira de Ficção Científica.
Durante toda sua trajetória, até sua morte, que aconteceu no início dos anos 1970, ele publicou várias histórias, personagens e cenários que mesclam autores do século XIX, a exemplo de Júlio Verne e Mary Shelley — mas com o nosso próprio “tiquinho de carimbó”.
E vejam bem: em toda a história da ficção científica, somente mais recentemente é que vemos mais autores negros, com o afrofuturismo. Monteiro, que tinha pele escura, raízes humildes e chegou a encarar os primeiros anos da Ditadura Militar, também se destaca por ser um autor de representatividade entre 1920 e 1970.
Zé Wellington pretende lançar ainda este ano uma continuação de Cangaço Overdrive e uma adaptação do clássico cearense Luzia-Homem. “Ainda que eu trabalhe com histórias que extrapolam a realidade, Cangaço Overdrive surge trazendo questões que nos afligem até hoje, como exploração pelas grandes corporações e xenofobia. O que mudou um pouco nos últimos tempos foi o meu cuidado na hora de construir essas histórias sobre a minha região e o meu estado. Boa parte da ficção científica e fantasia que li durante toda a minha vida é feita fora do nordeste, e eu sei que alguns problemas de representação do meu próprio povo foram encravados lá dentro de mim. Buscar mais informação e leitura de autores locais tem ajudado a evitar estes equívocos”, reflete.
Atualmente, há toda uma geração de autores trabalhando em ficção científica autoral com inspiração em nossa própria cultura, a exemplo de Gabriele Diniz, Alan de Sá, Alec Silva, Ricardo Santos, Ian Fraser, Hugo Canutto, Airton Marinho e Flavio Luiz.
“Mais autores nordestinos ganhando espaço e recebendo o devido reconhecimento por seus trabalhos. Estar longe do eixo sul-sudeste é um desafio diário para quem produz nas regiões nordeste, norte e centro-oeste. Chegou a hora de dar visibilidade aos escritores e artistas destas regiões”, frisou Zé Wellingon. “Tem muita gente querendo ler histórias do gênero especulativo ambientadas no nordeste. Penso que nossa cultura é única e tem um apelo universal”, finaliza o autor.