Transformação digital: por que empresas brasileiras param no PowerPoint?
Por Adilson Batista |

A transformação digital é um tema que domina os discursos corporativos no Brasil, mas ainda parece distante da realidade operacional de muitas empresas. Enquanto apresentações sofisticadas enchem salas de reunião, os resultados concretos ficam pelo caminho. E o que explica essa desconexão entre o que é dito e o que é feito? A resposta está na combinação de incentivos desalinhados, bases tecnológicas frágeis e uma cultura que ainda não abraçou a mudança de forma genuína.
Entre os principais vetores que mantêm as empresas no palco, e não no chão de fábrica, está a falta de alinhamento entre estratégia, orçamento e resultados. Muitas iniciativas são guiadas por projetos que priorizam a estética — como a criação de "laboratórios" ou "squads" — em vez de focar em métricas operacionais tangíveis. Dados do Gartner revelam que apenas 48% das iniciativas digitais globais atingem ou superam suas metas de negócio. Tal descompasso alimenta apresentações brilhantes, mas execuções medíocres.
A base tecnológica das empresas brasileiras também é um entrave significativo. Segundo a pesquisa TIC Empresas 2024, enquanto 92% das empresas estão conectadas à fibra óptica, o uso de processamento em nuvem e inteligência artificial permanece estagnado em patamares baixos. O problema central? A qualidade e disponibilidade dos dados. Isso mesmo. Sem dados confiáveis e integrados, qualquer tentativa de implementar IA ou automação acaba se tornando mera demonstração de PowerPoint, incapaz de gerar impacto real.
O relacionamento com o cliente é outro exemplo da transformação superficial. Muitas empresas vendem online, mas ainda dependem de ferramentas como WhatsApp e e-mail, que resolvem o canal de comunicação, mas não integram pedidos, estoque ou atendimento. O digital aparece para o consumidor, mas a operação por trás continua analógica. Essa desconexão revela uma adoção de fachada, onde a tecnologia não reorganiza processos internos.
A cultura e a governança também desempenham um papel crítico nesse cenário. O Índice de Transformação Digital Brasil (ITDBr), desenvolvido pela PwC e FDC, aponta que a maturidade média das empresas brasileiras é de apenas 3,7 em uma escala própria, com estrutura e cultura sendo os maiores obstáculos. Sem uma governança que una estratégia, orçamento e métricas, a tecnologia vira enfeite, e os projetos ficam presos no chamado "purgatório de pilotos". A BCG estima que 70% das transformações digitais falham em entregar o esperado, justamente porque não escalam além das provas de conceito.
Para mudar o jogo, os CIOs precisam assumir um papel mais estratégico, atuando como "COOs digitais". Isso significa focar em métricas de negócio — como tempo de ciclo, custo unitário ou conversão digital — e garantir que os dados estejam saneados antes de investir em IA. Além disso, é essencial migrar de projetos pontuais para plataformas reutilizáveis, com custos transparentes e objetivos claros. A governança de IA também não pode ser negligenciada, especialmente em um contexto de regulamentações como a LGPD.
Aos executivos que apresentam planos sofisticados e sem resultados, meu conselho é simples: troque o PowerPoint por 90 dias de execução. Anuncie um placar público com métricas reais, como tempo de ciclo ou receita digital, e reporte progresso quinzenalmente. Pare de confundir o canal com a transformação e invista em plataformas, não em pilotos eternos. Como mostra a pesquisa do Cetic.br, apenas 13% das empresas brasileiras usam aplicações de IA. Portanto, quem executar com qualidade sairá na frente.
O que move a transformação digital são métricas claras, dados confiáveis e processos reescritos. PowerPoint não roda fábrica. Quando a execução aparece, o slide se torna irrelevante. As empresas que entenderem isso deixarão de encenar e começarão a transformação de verdade.