Saudades, Orkut
Por Orkut Buyukkokten |

Nunca vou me esquecer da primeira vez que me deparei com a palavra saudade. Foi depois que o Orkut foi encerrado. De repente, mensagens começaram a chegar do mundo todo. Muitas diziam a mesma coisa: 'saudade do Orkut.' No começo, achei que era só saudade do site. Mas a palavra continuava aparecendo — e parecia mais profunda do que nostalgia.
Saudade é a palavra portuguesa para “longing” (anseio, desejo profundo), mas não há uma tradução exata para ela em inglês. Saudade é um sentimento, um estado de espírito. É o silêncio dos marinheiros acenando ao partir da costa, com a esperança de um dia voltar. É a dor do que está ausente, da pessoa que você já foi, mas à qual nunca mais poderá retornar. É o amor que se perdeu.
Quando perguntei aos meus amigos brasileiros, eles explicaram que saudade não é apenas sentir falta de algo. É a dor daquilo que se foi. Não só de uma pessoa ou de um lugar, mas de uma versão sua que existia antes. É uma palavra para quando você se lembra de ter sido genuinamente feliz — e sabe que não pode voltar.
Um amigo me disse: “Sinto falta dos almoços de domingo, do som das risadas ecoando pela casa, da sensação de pertencimento.” Isso é saudade. Uma memória que vive nos ossos.
Sinto saudade do meu pai. Ele se foi cedo demais, mas deixou uma marca. Era um cirurgião que tratava as pessoas independentemente da capacidade de pagar. Liderava com humildade e compaixão, não por ambição. Quando ele morreu, a cidade inteira parou. Eu costumava achar que meu luto era algo íntimo, mas quando as pessoas me paravam na rua para contar como ele as ajudou, percebi que a vida dele também havia criado saudade nelas.
Eu nunca tive a intenção de construir algo assim. Quando criei o Orkut, só queria aproximar as pessoas. Não era sobre métricas ou branding — era sobre conexão. Naquela época, a internet ainda parecia cheia de possibilidades. As pessoas não se editavam como fazem hoje. Elas simplesmente apareciam: desajeitadas, engraçadas, gentis, bagunçadas, reais. Sinto saudade do Orkut porque me lembro de um tempo em que a internet nos fazia sentir mais próximos, não mais sozinhos. Quando comunidade significava gentileza. Quando conexão significava presença.
E então acabou. Sem aviso, sem despedida. O Orkut foi encerrado para dar lugar ao Google Plus. Mas as mensagens que recebi depois mostraram que não era apenas de um site que as pessoas sentiam falta. Elas sentiam falta do que ele representava: um tempo em que a internet parecia mais humana.
Claro, o Orkut não era perfeito. Tinha falhas e coisas que não fizemos do jeito certo. Mas hoje eu acredito que saudade não é sobre idealizar o passado. É sobre reconhecer o que foi importante — e por que dói perder isso.
Recentemente, li Careless People: A Cautionary Tale of Power, Greed, and Lost Idealism, de Sarah Wynn-Williams. Não é apenas um livro sobre o Facebook — é um estudo de caso sobre fracasso moral. Wynn-Williams, ex-executiva da empresa, mostra como decisões internas priorizaram crescimento e engajamento em detrimento do bem-estar humano.
Ela revela como o Facebook passou a tratar a vulnerabilidade como uma oportunidade de otimização: adolescentes em momentos de insegurança eram categorizados, monitorados e expostos a conteúdos pensados para mantê-los rolando a tela — mesmo que isso aprofundasse ainda mais o desespero deles.
O que mais me chocou não foi apenas o dano causado, mas a intencionalidade. Não eram falhas do sistema. Eram escolhas estratégicas feitas por pessoas que, muitas vezes, sabiam exatamente o que estavam fazendo.
Wynn-Williams escreve com a clareza de quem viu a máquina por dentro. Seu livro não é um ataque — é um alerta. Ele nos convida a refletir sobre o que acontece quando as plataformas se tornam poderosas demais, quando a ambição cega os criadores para as consequências do próprio trabalho, quando as empresas passam a prestar mais contas aos investidores do que às pessoas que deveriam servir.
E o dano não é abstrato. Milhões de jovens passam agora inúmeras horas por dia em um ecossistema que corrói silenciosamente sua autoestima. Depressão, ansiedade e automutilação estão aumentando drasticamente entre adolescentes. Alguns dos próprios executivos que ajudaram a construir essas plataformas nem sequer permitem que seus próprios filhos as usem. Eles conhecem o custo.
Isso não aconteceu por acaso. Aconteceu porque decisões foram tomadas com indiferença, com desprezo pela humanidade e pela sociedade. Decisões tomadas por pessoas no poder. Pessoas que sabiam exatamente o que estavam fazendo. E elas fizeram uma escolha. Escolheram engajamento em vez de bem-estar mental. Escolheram gráficos de crescimento em vez da dignidade humana.
Quando o Orkut foi encerrado, não perdemos apenas algo técnico — perdemos algo social e cultural, algo no nosso inconsciente coletivo. Um espaço onde as pessoas se sentiam vistas. Onde a conexão não era medida em curtidas, mas em significado. Quando as pessoas dizem que sentem falta do Orkut, não acho que sintam falta apenas das postagens antigas.
Elas sentem falta da sensação de estar em casa. Recebi mensagens de usuários do mundo todo que conseguiram reencontrar amigos e familiares, criar e manter amizades — encontrar um senso de pertencimento. “O Orkut é o único lugar onde me sinto visto”, lembro de alguém me dizer uma vez.
A saudade nos lembra do que foi bom — e do que ainda somos capazes de construir. Ela não olha apenas para o passado. Ela pergunta: o que queremos da tecnologia agora? Como seria criar ferramentas que priorizem comunidade, dignidade e alegria?
Você não pode desligar o amor. Não dá pra eliminar o significado com um algoritmo. Se ouvirmos o sentimento da saudade — não apenas como perda, mas como memória e promessa — talvez ele nos aponte um caminho melhor. Não um retorno, mas uma renovação.