Metrô de SP é condenado por captar expressões faciais sem consentimento
Por Douglas Ribas Jr. |

*em coautoria com Douglas Menezes
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a condenação da Concessionária da Linha Amarela de São Paulo, ViaQuatro, por utilizar tecnologia para captação de imagens de usuários para fins comerciais e publicitários.
- ao pagamento de indenização pela utilização indevida da imagem dos consumidores;
- indenização por danos coletivos em valor não inferior a R$ 100 milhões.
Qual foi a defesa?
Em sua defesa, a concessionária alegou que as portas digitais interativas não captam imagem definidas atribuídas a pessoas identificadas, mas apenas detecta rostos e expressões. Alegou que as portas interativas não faziam reconhecimento facial e apenas detectavam rostos, classificando em categorias de expressões, gênero e biotipos.
Por fim, afirmou que não houve armazenamento de imagens nem tratamento de dados pessoais, uma vez que só coletava dados para fins estatísticos. Defendeu a legalidade das instalações, pois a concessionária do Metrô permite receitas advindas dessa atividade publicitária.
O que decidiu a Justiça de SP?
Para a juíza do caso, Patrícia Martins Conceição, não houve dúvida de que havia equipamentos de gravação com a detecção da imagem dos usuários, bem como captação e reconhecimento de informações como gênero, faixa etária, reação à publicidade veiculada no mesmo equipamento, entre outros, sem conhecimento e consentimento dos usuários, para fins comerciais que beneficiavam a ViaQuatro e a empresa por ela contratada.
Destacou que “no caso, a possibilidade de reconhecimento facial, a detecção facial, a utilização das imagens captadas dos usuários do metrô, com evidente finalidade comercial, assim como a ausência de prévia autorização ou mera cientificação para captação da imagens, revela conduta bastante reprovável capaz de atingir a moral e os valores coletivos, principalmente considerando o incalculável número de indivíduos que transitam pela plataforma da requerida diariamente, inclusive crianças e adolescentes, cuja imagem goza de maior e notória proteção, nos termos do artigo 17 do ECA.”
Como um dos fundamentos para a condenação da ViaQuatro, a juíza destacou a violação à LGPD (Lei nº 13.709/2018), que estabeleceu proteção especial aos dados pessoais sensíveis. Segundo a lei, só é autorizado o tratamento deste tipo de informação mediante autorização explícita do titular, ou, sem o consentimento do titular, nas situações elencadas no inciso II do artigo 11 da LGPD. Nenhuma das hipóteses se enquadra no caso.
A condenação da ViaQuatro
O caso foi julgado procedente em parte, ou seja, não houve o acolhimento a todos os pedidos, mas ficou determinado que:
- a ViaQuatro deve se abster de captar imagens, sons e quaisquer outros dados pessoais dos consumidores usuários, confirmando a liminar concedida;
- caso a concessionária deseje readotar as práticas condenadas no processo, deverá obter o consentimento prévio dos usuários mediante informação clara e específica sobre a captação e tratamento dos dados, com adoção das ferramentas pertinentes; e
- que a concessionária seja condenada ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 100 mil
Ambas as partes recorreram da decisão. Ao analisarem o caso, os desembargadores decidiram manter a condenação da concessionária, bem como aumentar o valor da indenização por danos morais coletivos para R$ 500 mil, revertidos para o Fundo de Despesas de Direitos Difusos (FDD). O caso ainda é discutido em juízo, tendo sido apresentados recursos em segunda instância.
Verifica-se que o problema central foi a ausência de prévio consentimento dos consumidores diante da prática de coleta, utilização e armazenamento dos seus dados pessoais pela plataforma digital implantada pela concessionária nas estações de metrô.
A condenação mantida e a indenização aumentada (até o momento da publicação desse artigo) acenderam o alerta e demonstraram que o assunto tem potencial para mudar muito a nossa vida! Quando o tema é a tecnologia e o seu poder de alcance, agravado pela detecção de risco aos consumidores, é preciso cautela, agilidade, base legal e atenção para o que algumas empresas pretendem fazer a partir dos avanços tecnológicos e qual o benefício para a coletividade.
Outro ponto que desperta reflexão: se o consentimento tem posição de destaque na escala de importância, é preciso que nós, consumidores, tenhamos a compreensão do que podemos, de fato, autorizar e qual o impacto disso. De um lado há que se ter ética, transparência, clareza e legalidade. De outro, sabedoria e educação para que se possa decidir qual caminho tomar, se o da concordância ou não.