Assédio online, crime de perseguição e suas consequências jurídicas
Por Douglas Ribas Jr. |
Douglas Ribas Jr. e Douglas Ferreira Menezes*
No mês passado, foi comemorado o Dia Internacional da Mulher, data bastante explorada pelas mídias sociais e pela imprensa haja vista a luta feminina e suas inúmeras conquistas ao longo do tempo. A despeito das celebrações que o dia 8 de março teve no Brasil e mundo afora, a data ainda chama atenção para um fato triste, pouco comentado, que merece ser lembrado e discutido: a importunação às mulheres!
Trata-se de assédio! Praticado pessoalmente ou em ambiente virtual, infelizmente, faz parte da realidade da maioria das mulheres brasileiras.
Quando falamos de importunação pelos meios digitais, a pouco divulgada pesquisa global realizada pela ONG PLAN INTERNATIONAL¹, ano passado, revelou que 8 em cada 10 jovens brasileiras já sofreram o chamado “assédio on-line”. O estudo contou com a participação de 14 mil mulheres entre 15 e 25 anos, em 22 países, tendo indicado que em cerca de 58% das entrevistadas sofreram agressões e ataques por meio da internet.
Segundo o estudo no Brasil esse número é muito superior, chegando à repugnante marca de 77%.
Das entrevistadas, 99% disseram ter acesso a plataformas digitais, das quais o Facebook foi o ambiente campeão em números de assédio, com 62% dos casos, seguido pelo Instagram e, por último, ficou o WhatsApp. A maior parte das agressões pelas redes sociais vieram de estranhos, 47%, usuários anônimos foram responsáveis por 38% das situações.
Casos ocorridos em São Paulo
Em recente julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, divulgado na semana do Dia Internacional da Mulher², um homem foi condenado a indenizar uma mulher no valor de R$ 20 mil reais a título de danos morais³ por assediá-la nas redes sociais.
A autora da ação relatou que forneceu seu número de telefone para o réu por razões profissionais e por afinidade religiosa. O réu, entretanto, utilizou aplicativo de mensagens para propor encontro íntimo entre os dois, importunando a mulher durante 12 dias. Após a autora recusar todas as investidas, ele enviou foto do órgão genital masculino, dizendo, em seguida, que tinha enviado por engano.
Nessa medida, observa-se clara violação da liberdade da autora que, ao manifestar não ter interesse em manter relacionamento íntimo com o réu, é surpreendida com a exibição de seu órgão genital em estado de ereção, ainda que por meio digital.
O relator do recurso, Desembargador Rômolo Russo, afirmou ter ficado comprovado que o réu estava ciente do desinteresse da autora, mesmo assim permaneceu insistindo para que tivessem um encontro íntimo, aproveitando-se, inclusive, da situação de desemprego da mulher.
O réu, em sua defesa, argumentou que a foto de seu órgão genital tinha como destinatária a sua namorada, mas que o envio foi para a autora por um simples erro. Todavia, em outro momento, afirmou que havia obtido a foto em questão em um grupo de amigos do WhatsApp e iria repassá-la para outro grupo de amigos.
O magistrado destacou que o homem não provou o envio da imagem por engano. Além disso, a afirmação de que a imagem estava sendo enviada para a namorada “não traduz pedido de desculpas ou arrependimento do réu, apenas reforçou a objetificação da autora, pois indica que as interpelações destinavam à obtenção de encontro sexual”. Por fim, concluiu o juiz que “é, portanto, evidente a ocorrência de dano moral ante a desvalorização da autora em sua dignidade humana”.
No segundo caso, também julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, um homem foi condenado a indenizar uma mulher no valor de R$ 4.000,00 para compensar danos morais por persegui-la. No caso, restou demonstrado por meio de provas que o réu praticou ameaças à integridade física da autora e do seu filho, realizando verdadeira perseguição em ambiente virtual.⁴
O magistrado afirmou que a conduta do acusado configura o que na atualidade se denomina de cyberstalking.
Considera-se stalker aquele que, utilizando-se dos meios virtuais, promove perseguição à sua vítima, importunando-a de forma insistente e obsessiva, atacando-a e agredindo-a. A atuação do stalker consiste em invadir a esfera de privacidade de sua vítima, pelas mais variadas maneiras, promovendo a intranquilidade, fomentando o medo, difundindo infâmias e mentiras de modo a afetar a autoestima e a honra do perseguido.
O relator trouxe o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o stalking:
As condutas do stalker, consistentes em incessante perseguição e vigília; de busca por contatos pessoais; de direcionamento de palavras depreciativas e opressivas; de limitação do direito de ir e vir; de atitudes ameaçadoras e causadoras dos mais diversos constrangimentos à vítima, aptos a causarem intensa sensação de insegurança e intranquilidade, representam o que é conhecido na psicologia como stalking, como muito bem ressaltou o tribunal de origem.
Por fim, concluiu o juiz que “a conduta viola o direito à intimidade e à liberdade e, no caso dos autos, verificou-se que o requerido, além da perseguição direta, utilizou de uma fotografia da autora, disponibilizada em redes sociais, para montar um perfil falso e oferecer serviços de prostituição, indicando seu contato, violando também a honra.”
Stalking agora é crime!
No último dia do mês de março, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei nº 14.132/2021, que tipifica o crime de perseguição, prática conhecida como stalking⁵. A norma prevê pena de reclusão de seis meses a dois anos e multa para quem praticar a seguinte conduta:
Perseguição Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Como se vê, a perseguição (stalking) agora é crime, seja ela em ambiente virtual ou venha a ser praticada pessoalmente. O crime de stalking é definido como perseguição reiterada, por qualquer meio, como a internet (cyberstalking), que ameaça a integridade física e psicológica de alguém, interferindo na liberdade e na privacidade da vítima.
A senadora Leila Barros (PSB-DF), autora do Projeto de Lei que deu origem ao crime de perseguição destaca que o avanço das tecnologias e o uso em massa das redes sociais trouxeram novas formas de crimes. Ela acredita que o aperfeiçoamento do Código Penal era necessário para dar mais segurança às vítimas de um crime que muitas vezes começa on-line e migra para perseguição física.
É um mal que deve ser combatido antes que a perseguição se transforme em algo ainda pior. Fico muito feliz em poder contribuir com a segurança e o bem-estar da sociedade. Com a nova legislação poderemos agora mensurar com precisão os casos que existem no Brasil e que os criminosos não fiquem impunes como estava ocorrendo.
A nova lei revogou o artigo 65 da Lei de Contravenções Penais, que previa o crime de perturbação da tranquilidade alheia com prisão de 15 dias a 2 meses e multa. A prática passa a ser enquadrada no crime de perseguição.
Conclusão
As autoras das ações judiciais que condenaram os homens que as importunaram por meio de aplicativo de mensagem a pagar indenização por danos morais merecem todo o reconhecimento e respeito. Através das ações, duas consequências: a pessoal, que atingiu os réus, responsabilizando-os pelos atos abusivos e a social, por meio do efeito educativo que as sentenças confirmadas pelo TJSP trouxeram.
E fizeram muito bem, pois o problema da sociedade brasileira com relação ao assédio - sexual ou moral - vai muito além da telinha do celular, do tablet ou do computador. São agressões bastante graves, que invadem o íntimo, a psique da mulher e, dentre suas consequências, causam estresse com impactos comportamentais que afetam a autoestima, podendo, inclusive, favorecer o desenvolvimento de patologias psiquiátricas.
Pode-se imaginar o quão difícil é ser assediada! Por isso, recomendamos a todas as mulheres que, caso sejam vítimas dessa situação não se calem! Lutem para que os agressores sejam exemplarmente penalizados e responsabilizados, desestimulando outras ocorrências e evitando novas vítimas.
Fazemos votos de que um dia a sociedade saiba respeitar as mulheres e tratá-las de forma digna, sem agressões e abusos, físicos ou morais, no meio virtual ou pessoalmente.
*Douglas Ferreira Menezes é formado na Faculdades Metropolitanas Unidas e atualmente atua como advogado no escritório Douglas Ribas Advogados Associados
Notas de Rodapé:
- ¹Rádio Senado
- ²TJSP
- ³1001803-02.2017.8.26.0100
- ⁴1002596-16.2018.8.26.0484
- ⁵Senado Notícias