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Festival Varilux de Cinema Francês: Amor à Segunda Vista

Por| 10 de Junho de 2019 às 08h30

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Bonfilm
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*Matéria com colaboração de Laísa Trojaike, membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN) e do Cineclube Natal

O Festival Varilux de Cinema Francês completa, em 2019, 10 anos de exibições, contemplando quase todos os estados brasileiros e com um número elevado de espectadores. Acostumado com as produções majoritariamente hollywoodianas nas salas dos principais cinemas, o público tem com o Varilux a oportunidade de acessar um cinema diferente, uma linguagem que poucas vezes é projetada nas grandes telas das salas de shoppings. Nesse caso, trata-se do cinema francês em sua mais vasta gama, com produções que vão da comédia mais popular à mais rebuscada, do drama cotidiano a dramas densos, de animações a filmes históricos.

Em Natal, a capital do Rio Grande do Norte, a largada para o evento aconteceu na rede Cinépolis. Na noite da última quarta-feira (05), o Canaltech esteve na abertura, que contou com a exibição da comédia romântica Amor à Segunda Vista (Mon inconnue), de Hugo Gélin, filme finalizado no presente ano que se provou uma excelente escolha no sentido de cativar um público mais abrangente.

Cuidado! A partir daqui o texto pode conter spoilers sobre Amor à Segunda Vista.

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Os três momentos da abertura

Amor à Segunda Vista tenta trazer um novo vigor às comédias românticas, revisitando os principais clichês do gênero a partir de um roteiro que transforma viagens interdimensionais em um plano de fundo para uma trajetória de autocrítica, sacrifício, empatia e amor. A direção de Gélin – junto à competente montagem da experiente Virginie Bruant – constrói uma abertura com três momentos que aumentam as chances de cativar até os espectadores mais resistentes ao conteúdo afetivo da produção.

A primeira sequência do filme apresenta uma Paris sutilmente distópica, coberta de neve, com o Rio Sena congelado, deserta até a aparição do protagonista e, em seguida, de seus perseguidores. Estabelecida a atmosfera de ficção científica, público e personagem são arrancados da Paris futurista para dentro de uma sala de aula comum, no passado, há mais ou menos 10 anos a contar do nosso presente corrente. Esse é o primeiro momento capaz de causar uma válida imersão, visto o grau de curiosidade causado pela sequência. Conhece-se, então, Raphaël Ramisse (François Civil) e seu amigo Félix (Benjamin Lavernhe), o alívio cômico com uma pitada de drama, revisitando duplas infalíveis de comédias e romances teen da década de 1980.

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O segundo momento contém a parte da trama que estabelecerá o par romântico. No entanto, somente as ações descritas pelo roteiro não seriam capazes de fazer do amor algo novo. Raphaël segue o som de uma música como um personagem mítico que é atraído pelo canto de uma sereia e, por não ser logo visto, tem tempo de apreciar todos os detalhes da menina (Olivia Marigny, interpretada por Joséphine Japy) que está ao piano: cabelos, mãos, movimento e sua arte, descartando completamente a ideia de que o interesse surgiu pela beleza. Se está diante de um caso de amor à primeira vista (ainda) sincero e inocente. E bem fundamentado nesses alicerces. Logo, novamente, há uma fuga da linha óbvia de pensamento: a moça rejeita o rapaz tão logo o nota atrás dela. Na sequência, ambos são obrigados a fugir juntos da escola após soarem o alarme acidentalmente. Segue-se àquilo que compreende um bom filme de gênero, mais um clichê sendo revisitado e bem explorado: a coincidência pouco crível em se tratando de vida real, que, no caso do casal de protagonistas, é o duplo desmaio, quase simultâneo, em um banco na calçada.

O terceiro momento é a sequência de planos que mostra os próximos 10 anos da vida do casal a partir do momento em que começam a namorar. Todas as supostas obviedades estão lá: morar juntos, crescer juntos, casamento, momentos felizes – muitos deles para alimentar a empatia do público para com as figuras dramáticas – e os primeiros sinais de que algo não está bem. A maioria das histórias desse gênero giram em torno dos primeiros tempos do casal e geralmente seguem o seguinte esquema: desenvolvimento dos personagens, algo dá certo, coisas ruins são descobertas ou algum mal-entendido acontece e o casal se separa, sofrimento, provas de amor, ficam juntos e vivem felizes para sempre. Quando tudo isso acontece ainda na abertura do filme, como é o caso, é provável que se fique curioso para ver o que acontece depois.

Inventando novos caminhos

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Os três personagens centrais, Raphaël, Olivia e Félix, passam por quatro caracterizações diferentes ao longo do filme. Além do crédito das atuações e da direção, quem merece o maior destaque aqui é a equipe de arte – comandada por Lisa-Nina Rives –, sobretudo de maquiagem e cabelo (Valerie Thery-Hamel) e figurino (Isabelle Mathieu). Os três personagens são vistos na distopia imaginada por Raphaël e como jovens em idade escolar para, pouco depois, serem vistos 10 anos à frente em duas realidades paralelas: em uma Raphaël é um escritor famoso e Olivia é uma professora particular de piano ofuscada pelo marido; na outra, Olivia é uma internacionalmente famosa pianista e Raphaël é um professor de literatura em uma escola pública. Todas essas nuances da história são impecavelmente caracterizadas pelo desenho de produção de Stéphane Rozenbaum, que construiu com sutileza e comicidade a discrepância entre realidade e fantasia ou entre diferentes classes sociais.

Avant-garde, como se espera de um bom produto francês, o feminismo não é uma bandeira do filme, mas algo já incorporado, que perpassa as quase duas horas naturalmente. Não é incomum perceber, por outro lado, que boa parte das comédias românticas mais amadas do período áureo dos citados anos 1980 trazem personagens femininas extremamente vulneráveis cujos pares românticos parecem ser algo que lhes faltam. O amor aqui, em Mon inconnue, não é um sentimento que requer correspondência, mas sim a compreensão de que é um esforço mútuo e igualitário de ambas as partes, assim como a amizade.

É possível, inclusive, pensar o jogo de ping-pong, uma obsessão de Raphaël e Félix, como a perfeita metáfora disso, talvez menos metafórico e mais literal se for levado em conta que um amigo tem ping tatuado no peito enquanto o outro tem pong. É a ficção fazendo um papel de alicerce da realidade. Quando esta não é suficiente, há de se tentar buscar respirar nesse jogo eterno de inventar novos caminhos que é a vida.

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Spoilers sobre Amor à Segunda Vista? Eles acabam aqui.

O Festival Varilux de Cinema Francês continua até o próximo dia 19 de junho. Não dá para garantir que todos os filmes irão arrebatar fãs e cativar o público, mas, sem dúvida, é uma oportunidade única para conhecer o que o país que é um dos berços do cinema tem realizado.

Para saber os filmes que estão em cartaz, a programação completa e tudo o mais sobre o festival, é só clicar aqui. No mais, caso assista a algum (ou alguns) dos filmes em cartaz, seria lindo compartilharmos nos comentários. Será que a gente consegue criar essa corrente de opiniões sobre tantos títulos bacanas?

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Bons e ruins filmes para nós!