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Crítica | Tio Frank e uma velha-nova esperança

Por| 01 de Dezembro de 2020 às 09h54

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Divulgação/Amazon Studios
Divulgação/Amazon Studios

Tio Frank, como um bom road movie, nos conduz pela jornada de autoconhecimento dos seus personagens centrais e entrega um filme que foge de todos os trágicos clichês mais óbvios em filmes dessa temática, o que soa como um respiradouro em meio a tantos títulos que focam na realidade, bem menos amável e compreensiva. Com Tio Frank, a temática LGBTQI+ parece ter seguido o conselho de Jordan Peele, que alterou o final mais realista de Corra! ao optar por entregar otimismo para seus espectadores, porque acreditava que esperança era o que necessitavam nesses tempos sombrios.

Agora, o original Amazon Prime Video vai na contramão da maioria dos filmes que mostram gays em décadas passadas para contar uma história bem menos trágica, gerando identificação para algumas pessoas, ainda que isso custe soar como um conto de fadas para outras. Tio Frank, no entanto, não ignora a realidade e vai além ao utilizar uma estratégia na qual a relação com a realidade fica completamente ao encargo do público.

Tio Frank não parece ser uma história contada para enfatizar os problemas, mas sim para tentar corrigi-los. Assim como aconteceu com Corra!, que parece não estar influenciando somente o terror, trata-se de um tempo de esperanças, estratégia incorporada inclusive pela nova trilogia Star Wars: não significa que as coisas ruins pararam de acontecer, significa apenas que precisamos tentar outras formas de diálogo.

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Atenção! A partir daqui, a crítica pode conter spoilers.

Sensibilidade

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É consenso que os dramas enfatizam a seriedade dos fatos cotidianos e, apesar de Tio Frank recusar o trágico como único fim possível, o roteiro também não afasta esse elemento. O desafio de qualquer drama é, também, lidar com os sentimentos de seus personagens de forma responsável e aqui também há uma mudança de foco. Ao invés de contar uma história de sobrevivência, Tio Frank é uma história de superação coletiva, familiar. Não a toa foi lançado em uma data de comemoração familiar, o tradicional Dia de Ação de Graças nos EUA.

É possível que o aumento drástico nos casos de disfunções mentais tenha atentado os roteiristas para o fato de que os filmes que são somente trágicos podem ter muito mais o efeito de gatilhos do que ajudar na necessária transformação social. É um movimento bastante amplo o de um novo psicologismo que tem tomado conta das produções, filmes que ensinam modos mais saudáveis de agir e lidar com os conflitos, o que podemos ver de forma mais explicita em séries como Sex Education e A Maldição da Mansão Bly.

Tio Frank é um personagem que reflete essa divisão entre a tragédia da antiga geração e a esperança de uma nova geração e não é a toa que isso é representado no seio de uma situação familiar. Se por um lado a figura patriarcal da família de Frank (Paul Bettany) era a grande fonte das violências e dos traumas do próprio Frank, este, por outro lado, tenta fazer o oposto com quem ele nota ser também “diferente” naquela família, a sua sobrinha Beth (Sophia Lillis). Os conselhos sobre poder ser quem quiser ser extrapolam as discussões sobre a comunidade LGBTQI+ e se aplicam diretamente a qualquer espectador, mas têm um gostinho especial quando Frank diz que alguém pode decidir inclusive o próprio nome.

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Assim, o filme utiliza a temática gay para falar sobre igualdade. Não se trata de um interesse de uma suposta minoria, mas sim um direito de ser um indivíduo livre e que pode se afirmar como quiser. Beth, que não se identifica como LGBTQI+ na trama, entende os conselhos do tio como uma forma de crescimento pessoal enquanto mulher, tendo um de seus ápices no momento em que não é tirada dela a voz de defesa, quando Beth faz seu discurso contra o machismo do jovem mecânico.

Compreensão

Frank, no entanto, apesar de todo o seu conhecimento intelectual e de suas vivências, é também uma vítima. Assumidamente gay e vivendo com um parceiro há muito tempo, Frank não consegue se livrar de tudo o que há de obscuro em sua vida e encontra no álcool a bengala psicológica necessária para viver esse momento conflituoso de luto pela morte do seu pai (o que soa bastante freudiano em sua essência). A dúvida de que o patriarcado continuará através do seu irmão, inclusive, o impede de tentar se abrir com a família.

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Assim, o filme sutilmente coloca Frank em uma posição de transição entre as duas gerações e os momentos finais do filme conseguem ser profundamente reais, ainda que bastante raros se comparados à vida de muitas pessoas. A revelação de que Frank é gay perante toda a família é certamente um momento desagradável, mas o modo como quase todos aceitaram isso ao seu modo é realmente comovente. Tio Frank faz ainda um alerta: por mais que as pessoas estejam dispostas a aceitar alguém que geralmente não aceitariam, ainda é preciso compreender que os preconceitos não irão sumir de uma hora para outra.

Esse pensamento é de suma importância para o cotidiano e é aí que reside o poder do drama de demonstrar que toda vida é um grande épico no contexto do seu microcosmo. Frank é aceito com amor por sua família, mas os preconceitos continuam existindo, seja em cochichos pelos cantos da casa, seja em comentários realmente inocentes feitos diretamente por outros personagens. Mas é do diálogo com a Tia Butch que vem um dos comentários mais bonitos de Frank: ele reconhece que aquelas palavras repletas de preconceitos descarados são o melhor que ela consegue entregar naquele momento e, mesmo sendo ofensivas, ainda é possível ver a beleza e a grandeza de uma mudança que começa a acontecer, mesmo que aquilo tudo não seja o ideal.

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Mudanças são graduais e é até mesmo contraditório esperar que qualquer mudança brusca chegue ao seu ideal de uma hora para outra. Tio Frank é um filme essencial para os nossos tempos por compreender que as mudanças são urgentes (afinal, o filme reclama essas mudanças para a década de 1970, o que demonstra que ainda estamos muito lentos). Por outro lado, o filme se distancia de questões institucionais e se atém às pessoas comuns do nosso cotidiano, numa sutil panfletagem de que qualquer mudança começa ao nosso redor antes de alçar pretensões maiores.

Com tantos momentos traumáticos inseridos entre momentos do mais profundo e sincero amor, Tio Frank está longe de ser um conto de fadas e a produção parece saber disso. Há diversas construções de tensão, momentos que, em outros filmes, culminariam em cenas de violência. Todos esses momentos, no entanto, têm suas expectativas quebradas pela introdução de momentos de amor. Até mesmo o irmão aceita Frank como ele é, e o fim do patriarcado é bela e sutilmente representado pela mãe que, ao final, aparece sentada na poltrona que era do pai. É um idealismo com ares realistas que não deve se confundir com um apagamento dos problemas. Tio Frank é um manual de esperança para um mundo que pode ser mudado com o amor.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.