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Crítica | Pokémon: Detetive Pikachu e o monstrinho interior

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Warner Bros. Entertainment
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De acordo com a Ecyclopedia Britannica, Pokémon foi criado em 1995 por Satoshi Tajiri a partir da sua empresa, a Game Freak. Desde então, foram jogos eletrônicos para diversas plataformas; um anime especialmente badalado; animações tanto em série quanto em formato de longas-metragens; diversos mangás; jogos de cartas; músicas em álbuns especiais; peças teatrais e aparições em comerciais destas.

Agora, 24 anos depois, surge o primeiro filme para cinema, capaz de levar adultos saudosos (ou que acompanham a franquia graças a, por exemplo, o jogo Pokémon GO), adolescentes e crianças que veem nos monstrinhos (substantivo que a abreviação Pocket Monsters insinua) algo pelo que se encantar.

Cuidado! A partir daqui esta crítica pode conter spoilers!

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Entre ser humano e natureza

Baseado no game Detective Pikachu, desenvolvido para Nintendo 3DS, o filme é a chance de preencher o mundo real com uma excentricidade muito típica, construída inteiramente sobre aspectos da natureza. Assim, a forma de inserção de cada criatura é de uma naturalidade fantástica, como os Squirtle auxiliando bombeiros, Growlithe e Arcanine como cães policiais e Machamp como agentes de trânsito. Essa forma de assimilar o inexistente ao mundo humano é um procedimento que garante a identificação imediata, por mais exótica que seja a situação.

O roteiro (de Dan Hernandez, Benji Samit, Rob Letterman e Derek Connolly) consegue aproveitar esse casamento com muita propriedade, inserindo elementos humanos com uma sensibilidade quase hipnótica: do protagonista que tenta não ter ligações com os Pokémon à jornalista que, sofrendo por ser estagiária e uma espécie de blogueira, tem um Psyduck como seu fiel amigo. A escolha não poderia ser melhor: a moça, desajeitada, só precisa canalizar as suas descobertas (mesmo que com muita dor de cabeça) para demonstrar quão poderosa pode ser as atitudes do jornalismo investigativo.

Aproveitando-se do caminho da investigação – que obviamente vem da obra na qual é inspirado – e das aventuras que são a base do que Tajiri criou, Pokémon: Detetive Pikachu ainda abre espaço para um mundo completamente ambíguo. Isso porque, apesar do viés de harmonia entre ser humano e natureza, é tudo altamente tecnológico, fazendo com que seja possível acreditar nesse equilíbrio.

Uma cilada para Tim Goodman e a exposição

Além disso, a estética e a utilização de personagens, inspiradas nos film noirs, são acertos que cedem mais camadas ao filme: As sombras dramáticas das cenas noturnas; a crença no antagonismo de Roger Clifford (Chris Geere) – aquele que viria a ser um bode expiatório clichê (mas no bom sentido – bem aproveitado) –; a adaptação nerd e do bem da femme fatale para a concretização moral da história (a jaqueta avermelhada de Lucy – Kathryn Newton – e o blazer ainda mais vermelho que ela utiliza quando o filme está próximo ao fim só reforçam um espírito Jessica Rabbit, de Uma Cilada para Roger Rabbit); e a relevância, já dita, da demonstração sobre o que faz o jornalismo investigativo e o quanto ele se assemelha à função de um detetive.

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É tudo tão bem costurado que alguns diálogos dos mais expositivos podem passar despercebidos. Junta-se a isso à realidade de que o público do filme também é infantil, então, quando Pikachu, por exemplo, está sozinho em cena descobrindo objetos e acontecimentos que o público já está vendo e, mesmo assim, ele (Pikachu) narra passo a passo de tudo, pode haver um choque triplo: É fato que se trata do ápice do que é uma exposição desnecessária, por outro lado, é um pequeno detetive cheio de cafeína no sangue e, para completar, o filme em questão precisa ser muito acessível para as crianças menores. Se, de alguma forma, pode lembrar os Teletubbies dizendo “Uma bola! Olha! Uma bola! É! Uma bola!” enquanto apontam para... uma bola, por outro isso é tão orgânico em Pokémon: Detetive Pikachu que dificilmente soará como desrespeito à inteligência do espectador adulto.

A fantasia dentro de cada um

É igualmente interessante perceber o quanto o diretor Rob Letterman (que foi um dos citados roteiristas) não dá as costas aos fãs da franquia, cedendo espaço para algumas cenas que podem ser memoráveis para esses. O duelo de mímica entre Tim (Justice Smith) e um Mr. Mime presenciado pelo Detetive Pikachu é das construções mais simbólicas nesse sentido, visto que se trata de um filme que, afinal, baseia-se em um universo fantasioso. Essa cena prova a qualidade imersiva do filme de uma maneira que ver um ser humano (Tim) criando um mundo fantasioso (através da mímica) junto a uma criatura fantasiosa por si só (Mr. Mime) pode passar apenas como parte da história, da investigação.

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Recheado de plot twists em seu terceiro ato, uns previsíveis, outros nem tanto, mas um em especial que parece ter saído dos melhores filmes de M. Night Shyamalan, Pokémon: Detetive Pikachu talvez comece a preencher um espaço que era intocado pela franquia dos monstrinhos de Tajiri: o cinema. Se não com suas clássicas batalhas – tratadas sabiamente como clandestinas aqui –, com uma mensagem que vale a pena decifrar. No final das contas, em se tratando dos tantos simbolismos do filme, um Pokémon é um monstrinho interior. Se é bom, se é mau, se é sedento por café, se tem enxaqueca, se é sonolento... isso diz respeito a cada um, basta olhar em outro elemento recorrente dos film noirs: o espelho.