Crítica | Paciente Zero: A Origem do Vírus é uma nostalgia da Sessão da Tarde
Por Laísa Trojaike |

Precisamos esclarecer uma coisa: filmes ruins podem ser elogiados. Se acha isso estranho, lembre-se dos melhores filmes da sua infância, as primeiras histórias que te fizeram se sentir tão bem que você poderia assistir dezenas de vezes e ainda assim iria gostar, fazendo de cada um deles um clássico cult pessoal. Naquele período, não éramos tão exigentes e, depois de adultos, revisitar esses filmes pode ser uma experiência incrível: enquanto nosso senso crítico expõe todos os defeitos não vistos anos atrás, algo ainda é capaz de reconhecer qualidades às avessas desses filmes.
No limbo entre “não ser bom o suficiente” e “não ser tão ruim ao ponto de virar clássico cult unânime”, algumas pérolas podem ser perdidas nas toneladas de filmes medianos que não sobrevivem ao tempo. Mas como memória afetiva é um dos meus pontos fracos, vou fazer minha parte no trabalho de resgatar Paciente Zero: A Origem do Vírus (disponível para aluguel na Play Store, Microsoft Store e iTunes) do esquecimento eterno.
Para me acompanhar nessa aventura da estética do feio e do errado, é preciso que sigamos pelo menos os ensinamentos de Scooter (John Bradley), oráculo máximo do roteiro, segundo o qual é melhor sorrir do que chorar.
Atenção! A partir daqui a crítica pode conter spoilers.
Memórias
Falando em outras memórias afetivas, Stanley Tucci e Natalie Dormer me dão um motivo e meio para assistir a este filme. Uma esperança de que Dormer, eternizada na minha mente como a Ana Bolena de The Tudors, não estaria em um filme ruim demais (mesmo eu sabendo que isso já aconteceu), e o prazer de ver Stanley Tucci fazendo qualquer coisa.
Isso tudo, somado ao fato de que estudo filosofia, contribuiu enormemente para que eu notasse que estava me divertindo muito com um filme que tem um zumbi filósofo como antagonista. Meu olhar crítico seguia questionando as linhas do roteiro, as escolhas escandalosas da fotografia (que parecia querer ser notada e passar despercebida ao mesmo tempo), as atuações que não conseguiam transmitir veracidade e outros problemas grotescos. Sou capaz de ver as falhas do filme, mas foi quase palpável o momento em que deixei de criticar e passei a curti-lo: quando, depois de muito esperar por ele, vejo Stanley Tucci como um zumbi filósofo que fuma enquanto escuta música.
O bom do ruim
Desse momento em diante, passei a ver defeitos por um ângulo diferente. As longuíssimas (e repletas de tapas nada sutis na cara do espectador) sequências de debate entre zumbi filósofo e humano-meio-zumbi normalmente seriam vistas por mim como não convincentes, completamente fora da mitologia de zumbis, de mau gosto e talvez desrespeitoso com o cânone. Meu eu conquistado pela memória afetiva, no entanto, reconheceu padrões de defeitos dos meus trashes favoritos e passou a ver os diálogos e tudo mais de uma perspectiva muito mais cômica.
Ao pensar em cânones nesse segundo viés, é impossível não lembrar de George Romero e seus zumbis capazes de desenvolver consciência e evoluir. Paciente Zero: A Origem do Vírus entra na ideia de zumbis inteligentes que representam os ódios de todas as pessoas com as coisas que têm acontecido no mundo e a relação do eu com aquilo que é diferente de nós. O zumbi está certo e sabemos disso, fazendo com que o questionamento se volte justamente para a questão da violência: ela é a melhor resposta nesses casos?
A questão do outro é perfeitamente representada pelo momento em que o professor chega em casa e encontra a sua esposa. Ele se controla e só a ataca quando nota que ela tem medo dele por não aceitá-lo mais como ele é. As questões políticas permeiam o filme na mesma intensidade e elegância de um Ed Wood, mas com um orçamento ligeiramente maior.
Paciente Zero: A Origem do Vírus tem o tom de um filme de Sessão da Tarde, é quase possível ouvir o "versão brasileira Herbert Richers", sentir o gosto de biscoito recheado e ver brotar dentro de si o gosto por aquilo que fez você se apaixonar por cinema: entretenimento. O gosto por obras-primas foi uma construção posterior.