Crítica Os Rejeitados | Professor chato é educador pra vida
Por André Mello • Editado por Durval Ramos |
Existe um tipo de filme bem específico que parece ter perdido destaque nos últimos anos que é aquela produção em que jovens sem muito rumo na vida acabam mudando a forma como pensam por conta de um professor inspirador. São filmes como o clássico Sociedade dos Poetas Mortos, com Robin Williams, ou mesmo Ao Mestre com Carinho, que mostram o poder transformador da docência.
Quando vi a sinopse de Os Rejeitados, filme do diretor Alexander Payne (As Confissões de Schmidt), acreditei ser basicamente a mesma coisa, mas com Paul Giamatti (O Espetacular Homem-Aranha 2) de olho torto e sem paciência no lugar. Para a minha surpresa, o novo filme, indicado ao Oscar 2024, traz sim um professor mudando a vida de um aluno, mas é muito mais sobre pessoas perdidas que aprendem o seu caminho na vida com as companhias mais improváveis.
Deixados para trás
O filme gira em torno de um grupo de personagens em um colégio interno nos anos 70, com destaque para um professor que não é muito bem visto pelos seus colegas e alunos. Mal humorado, com um estilo bastante clássico de ensino, Paul Hunham se vê obrigado a passar as festas de fim de ano com alunos que não puderam viajar para passar a data com suas famílias.
Giamatti, que trabalhou com o diretor pela última vez no filme Sideways - Entre Umas e Outras, entrega uma das melhores atuações de sua carreira no papel do professor, conseguindo ir da comédia ao drama com uma facilidade sem igual. Em vários momentos, seu Hunham chega a ser patético, mas aos poucos, ele vai revelando cada vez mais de sua personalidade além de chato para caramba, se tornando carismático, do seu próprio jeito.
O filme começa passando a impressão que veremos uma história em que um grupo de alunos deixará um professor maluco durante todo o período de festas, fazendo um monte de loucuras na escola, mas o longa elimina essa possibilidade já nos primeiros minutos.
Quando todos os alunos conseguem uma carona para passar o período junto da família de um deles, Angus Tully acaba ficando para trás, pois sua família não responde a tempo. O personagem, interpretado por Dominic Sessa em seu primeiro papel na carreira, é muito inteligente, mas arredio e propenso a desobediência.
Sessa surpreende no filme, principalmente por já demonstrar que tem potencial para ser um excelente ator nos próximos anos, caso de fato vingue na indústria. Seu Angus é irritante e, às vezes, o personagem marca as características de todo “aluno problema” de filmes de escola, mas assim como Hunham, ao revelar mais sobre sua vida, ganha mais camadas.
Juntos dos dois, a cozinheira da escola, Mary, vivida por Da'Vine Joy Randolph (Dolemite é o meu Nome!), que permaneceu no local pois ainda está de luto pela morte do filho, que morreu no Vietnã, e não se sente à vontade para visitar a família.
Com esses três personagens de certa forma deixados para trás, o filme se desenvolve de uma maneira leve, mesmo que ele grite ser de um estilo que parece ter sido abandonado na década de 90. É impressionante como Payne faz um filme relativamente “parado”, mas que acontece muita coisa.
Um professor ensinando e aprendendo a viver
O relacionamento entre professor e aluno em Os Rejeitados não é particularmente inovador e, é preciso dizer, é possível ver de longe para onde está indo. Porém, a química entre Giamatti e Dominic Sessa, aliados às cenas com Da’Vine, fazem você se importar com os personagens.
O roteiro traz diálogos que soam reais, com acontecimentos que, por mais que sejam manjados, se desenvolvem de maneira realista, e não estão lá apenas para tentar despertar alguma emoção no espectador. Quando Hunham começa a baixar a sua guarda para a cozinheira e o aluno, acaba influenciando ambos a ver as coisas de maneira diferente, enquanto ele faz o mesmo, influenciado pelos dois.
Os Rejeitados é um retrato sobre pessoas perdidas, seja por erros do passado, uma falta de perspectiva para o futuro ou um luto que faz as coisas perderem o sentido. O filme acaba mostrando que, por um acaso do destino, esses personagens se conectam de uma forma que muda tudo e traz novas possibilidades para todos.
Mencionei Sociedade dos Poetas Mortos no início, um dos meus filmes favoritos e que mostra um grupo de alunos que têm suas vidas mudadas pela forma de pensar de um novo professor de literatura. Nele, o personagem de Robin Williams mostra aos alunos que eles podem ser livres para ser o que desejam, que têm todo o potencial do mundo dentro deles próprios.
Os Rejeitados não tem isso. Hunham estaria tão perdido quando os jovens do outro filme, com apenas uma linha de raciocínio para a sua vida. Ele não está ali apenas para ensinar, mas ao lado de Angus Tully e Mary, eles aprendem juntos sobre a necessidade de viver e abrir suas asas.
Nada mal para um filme sobre um professor vesgo que fede cuidando de um aluno preso na escola durante o Natal.