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Crítica Os Banshees de Inisherin | Sobre estar ilhado na própria solidão

Por| Editado por Jones Oliveira | 01 de Fevereiro de 2023 às 21h00

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Searchlight Pictures
Searchlight Pictures

Quando certa tarde Pádraic Súilleabháin (Colin Farrell) foi ao bar, descobriu que havia perdido seu melhor amigo. Não que Colm Doherty (Brendan Gleeson) tivesse morrido, apenas não queria mais saber daquela amizade. Assim, simplório e vivendo em um vilarejo pequeno em uma ilha rochosa da Irlanda, ele se dá conta de que está ilhado na própria solidão.

Essa construção bastante peculiar e em tom de crônica do cotidiano dá o tom de tudo aquilo que Os Banshees de Inisherin apresenta. A história desse homem — tão simples e teimoso quanto uma minijumentinha — que luta para não encarar a própria realidade mistura um drama bastante introspectivo com um humor ingênuo, uma combinação potente que destaca não apenas o pitoresco nessa vila em que nada acontece, mas também a miséria em que cada um dos personagens está mergulhado.

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E tudo isso é muito bem costurado em um roteiro potente e com atuações incríveis. Apesar de ser uma premissa bastante banal, o fim dessa amizade traz à tona sentimentos muito fortes e revela não apenas aos protagonistas, mas a todos os habitantes de Inisherin e ao próprio espectador o peso de se sentir ilhado.

A solidão enquanto personagem

Não é exagero dizer que a solidão é um personagem em Os Banshees de Inisherin. Um espectro que permeia toda a vida desse vilarejo e afetando cada um de seus habitantes de uma forma diferente — tal qual um banshee, a criatura do mau agouro do folclore irlandês. Um espírito que não é visto por ninguém, mas sentido por todos.

E é por isso que acompanhar esse despertar de Pádraic é tão impactante. Ele é o típico homem simplório do interior, o solitário clássico, que segue acomodado com sua vida e rotina até que a porta para esse deserto se abre — e ele se nega a aceitar. Como resultado, inicia uma cruzada pessoal para reaver a única amizade que tinha, mesmo que o outro lado não esteja minimamente interessado nisso.

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Só que ele não é o único a se perceber sozinho. Embora menos evidente, todos os habitantes desse vilarejo são engolidos e atormentados por esse sentimento que é representado pela própria ilha, que está tão próxima do continente, mas igualmente tão distante e isolada do restante do mundo. Não por acaso, é dito sobre uma guerra que acontece logo ao lado, mas que não tem contexto algum e que soa longe e distante, quase inalcançável. E nem mesmo o tempo parece ter importância por aqui.

Isso mostra o quanto a ilha é pequena e alheia ao mundo à sua volta — ou seja, solitária de um modo que reflete também nos demais personagens. A decisão de Colm de colocar um ponto final na amizade com Pádraic é reflexo disso.

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Mais velho, ele se dá conta da própria pequenez de sua vida e como, preso naquele buraco, está fadado ao esquecimento. Assim, busca por algo mais tanto na imortalidade da arte quanto na própria quebra da rotina com o caos que instaura ao se afastar de seu amigo.

A solidão também se faz presente em personagens menores, como a irmã de Pádraic. Siobhán (Kerry Condon) parece ser a única a perceber a miséria que é viver em Inisherin e, por isso mesmo, sente-se sufocada pelo vazio da ilha e sonha em alçar voos maiores. Enquanto isso, Dominc (Barry Keoghan) é tão engolido por esse sentimento que se afoga na própria loucura do lugar.

Em Os Banshees de Inisherin, a solidão é mesmo esse personagem onipresente que não só prende e envolve a todos, mas também dita o destino de cada indivíduo. Para Pádraic, o apego à rotina, à ideia de bondade e tudo aquilo que estabelece seu mundo simplório é a maneira encontrada para não encarar o vazio de sua vida. É por isso que, ao ver essa sua realidade confrontada, olha para seu abismo pessoal e tudo passa a ruim.

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É por isso que a dinâmica entre ele e Colm é tão boa. Para além dos ótimos diálogos e da ótima química entre Farrell e Gleeson, há também o confronto de percepções. O roteiro acompanha passo a passo o processo de Pádraic percebe sua própria solidão e como isso o transforma, ao passo que Colm já olhou para esse abismo e agora vive com seu próprio desespero.

Assim, toda a tensão da trama não está no modo como Pádraic vai recuperar sua velha amizade, mas em como ele passa a se perder tanto quanto Colm — e como esse contenda entre os dois ex-amigos faz com que outros moradores da ilha passem a olhar para o próprio vazio de suas vidas.

No fim, olhar para a solidão é dar-se conta da própria miséria em que cada um ali está atolado. Esse é o desespero que acomete o personagem de Brendan Gleeson e que ele obriga todos a verem ao colocar um ponto final na amizade com Pádraic. E, como um banshee agourando a morte de sua vítima, a solidão se faz mais e mais aparente à medida que cada um afunda em sua própria desgraça.

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O tom certo

E é curioso como um discurso tão sombrio e melancólico quanto as paisagens cinzentas de Inisherin consegue ser tão apaixonante. Ainda que seja um filme que pode quebrar o espectador e fazê-lo sair do cinema repensando sua vida, é interessante ver como essa história em tom de lamento é perpassada por grandes momentos de humor.

Os Banshees de Inisherin está muito longe de ser uma comédia, mas o roteiro de Martin McDonagh — quem também dirige o longa — sabe usar muito bem a ingenuidade de seu protagonista e as situações pitorescas em meio ao cotidiano para dar um pouco de graça a essa rotina morta da ilha. É aquela pitada de cor em vidas vazias.

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E isso funciona muito bem, principalmente ao pontuar a simplicidade de Pádraic. Não é que ele seja um personagem engraçado, mas a sua ingenuidade cria momentos que adicionam um pouco de leveza. Mais do que isso, é aquele lembrete do quanto é fácil ignorar o vazio à volta com questões menores ao mesmo tempo em que faz o espectador se questionar se está rindo com o personagem ou dele. Será que somos apenas mais um que ri de sua chatice quando ele vai embora?

Isso é algo que só funciona por causa das excelentes atuações de todos os envolvidos. Não é por acaso que quase todo o elenco de Os Banshees de Inisherin está concorrendo ao Oscar. Farrell se transforma para viver esse ilhéu simplório a ponto de ser digno de pena, enquanto Gleeson assume uma dureza que é assustadora. E embora Barry Keoghan apareça pouco, rouba a cena a cada aparição.

Outro destaque nessa lista é Kerry Condon, que vive a irmã do protagonista e que parece ser uma das poucas (senão a única) a ter noção do quanto a solidão de Inisherin é sufocante e que está disposta a deixar isso para trás. Em um lugar em que todo mundo parece ser contaminado pela loucura dessa rotina vazia, ela é aquela fagulha de consciência que expõe ainda mais o problema — e isola ainda mais Pádraic. E ela faz isso tudo com uma força impressionante.

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No estômago

Os Banshees de Inisherin é um daqueles filmes que deixam marcas no espectador. Com uma proposta bastante simples e uma história aparentemente banal, ele traz um roteiro melancólico que se disfarça em meio a personagens adoráveis e ótimos diálogos para atingir o público em cheio. No fim, é um longa do qual é impossível sair indiferente do cinema.

Mas não é só apenas pela sua história, mas por toda a técnica envolvida. Nada dessa potência existiria sem atuações que soubesse transitar por esses extremos, sem a trilha sonora que nos conduz por essa rotina vazia ou pela direção que faz questão de destacar essa imensidão sufocante e a fotografia quase morta à volta de todos.

Só que, mais importante do que isso, é uma crônica do cotidiano que mexe com a gente. “Eu tenho medo de abrir a porta/ Que dá pro sertão da minha solidão”, canta Belchior em Pequeno Mapa do Tempo. E Os Banshees de Inisherin nada mais é do que olhar pela fechadura dessa mesma porta e encarar esse vazio. É uma história tão cinza quanto a ilha rochosa a que os personagens estão presos e apegados — e que nos faz sair do cinema procurando a cor do mundo e de boas amizades.

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Os Banshees de Inisherin está em cartaz nos cinemas de todo o Brasil; garanta seu ingresso na Ingresso.com.