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Crítica | O Preço da Verdade é um convite à militância política e ambiental

Por| 02 de Fevereiro de 2020 às 13h19

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Focus Features
Focus Features

Pessoalmente envolvido com ativismo ambiental e, particularmente, com o caso DuPont, não é estranho que Mark Ruffalo seja ao mesmo tempo o ator principal e produtor de O Preço da Verdade, um filme que tinha tudo para ser um documentário, mas que provavelmente tornou-se uma ficção com o intuito de ganhar um público maior e ainda ter a liberdade para tocar os espectadores de uma forma mais indireta. E funciona.

A direção de Todd Haynes traz para o filme uma sensibilidade que não maquia a tensão de anos lutando conta uma empresa que parece onipotente e, portanto, não idealiza a luta de Rob Bilott (Mark Ruffalo). A ideia de que é preciso persistir e remar contra a maré é presente durante todo o filme — e a resiliência não é por pouco tempo, é necessário fazer com que ela dure por toda a sua vida, porque mesmo o que parece ser o fim de um caso, pode ser o início de todo um outro processo.

Atenção! A partir daqui a crítica pode conter spoilers.

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Mudança de perspectiva

Edward Lachman, fotógrafo das principais obras de Todd Haynes, dá o tom do filme logo nos primeiros momentos. A fotografia varia entre tons de verde, que denunciam a temática ambiental; azul (em cenários majoritariamente acinzentados), que evoca a frieza do mundo corporativo e de um direito voltado para a recompensa financeira; e, por fim, o amarelo, que ajuda a construir o aconchego do ambiente familiar.

O roteiro toma o cuidado de mostrar primeiramente que há algo de muito errado acontecendo especificamente na água para posteriormente introduzir um personagem de resistência silenciada: um único fazendeiro que escolhe enfrentar uma corporação cujo poder é praticamente sem limites. Sabemos que ele está certo, de modo que o choque dele com o advogado coloca Rob Bilott em uma posição de vilania em um primeiro momento (o que não deixa ser uma vilania de fato, uma vez que o trabalho dele era justamente defender empresas como a DuPont).

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O Preço da Verdade é um filme que se propõe como parte do ativismo dos personagens e da equipe envolvida, de modo que não é coerente vê-lo isolado de um movimento político. Sendo assim, a figura de Wilbur Tennant (Bill Camp) é extremamente emblemática: nele reside a ideia de resistência popular (ainda que não tenha formação para lutar pela própria causa, há a sabedoria de que algo está errado e precisa ser revertido) e a noção de que uma pessoa pode fazer diferença.

Mudança

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Enquanto Tennant represente a resistência daqueles que não têm voz, os invisíveis, que podem facilmente ser ignorados ou apagados por aqueles que detêm o poder, Bilott é quem tem certo poder (conhecimento e dinheiro sendo partes essenciais disso) e a opção de escolher o que fazer com essa vantagem.

O filme demonstra, a partir da citação da avó de Bilott e das fotos de infância, que a identificação de que fazemos parte desse mundo é necessária para optar pelo lado certo da luta: salvar o planeta é um autocuidado e uma preocupação com as futuras gerações, sobretudo se pensarmos na própria prole. Dessa forma, a mudança de Billot, de defesa de grandes indústrias para militante ambiental, não é milagrosa: ele é humano e só toma parte de uma luta a partir do momento em que se sente parte dela. A compreensão de que seus próprios filhos podem estar sendo envenenados é o ápice desse entendimento capaz de mudar um modo de vida.

Para o espectador, no entanto, cabe a cada um encontrar seu próprio ponto de virada: o que é importante para você a ponto de se importar com o planeta no qual você vive?

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Resistência

Agora mudado, Rob Bilott faz parte de uma resistência e, como tal, precisa enfrentar o poder. A partir desse ponto o roteiro está determinado a demonstrar que a opção por esse caminho não é fácil.

Ao invés de seguir o gênero de suspense e criar situações para nos deixar apreensivos sobre o final, sobre o desfecho dos processos, o filme opta pelo drama: você pode até saber o desfecho do caso DuPont, mas o que importa aqui são as vidas envolvidas e suas batalhas pessoais. A reflexão invocada, portanto, é sobre o que cada um de nós está disposto a arriscar para fazer a ação necessária em prol de um bem comum e que, muitas vezes, não nos diz respeito de forma direta.

O Preço da Verdade não parece ter o intuito de ser uma grande obra cinematográfica com o provável receio de que a estética pudesse interferir no conceito apresentado no roteiro. Atuações e quesitos técnicos limitam-se ao necessário, nada se sobressai ao ponto de largarmos o questionamento sobre nossas próprias vidas. É difícil pensar em O Preço da Verdade como um filme não-político, porque o convite à militância parece latente em cada quadro, restando para o espectador apenas três alternativas: a mudança, a ignorância ou o peso na consciência.