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Crítica | O Limite da Traição fica na margem da preguiça

Por| 21 de Novembro de 2020 às 16h00

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Netflix
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O roteirista e diretor Tyler Perry (de Um Funeral em Família — lançado em 2018) comentou sobre ter filmado O Limite da Traição em somente cinco dias. Sabendo disso antes de assistir ao filme, pode existir duas sensações opostas: a primeira é de admiração, porque manter a organização em um set não é fácil — ainda mais em se tratando de um longa-metragem com múltiplos personagens —; a segunda é de obviedade, porque apenas com tão pouco tempo para construir algo tão sem personalidade.

Durante as quase duas horas de filme, pode ser que ambas as conclusões lutem e, no fim, o peso maior caiba ao espectador — o que é ótimo. Ainda assim, pode ser complicado acompanhar uma história que, além de estar presa à falta de um conceito bem definido, fica estacionada em outras tantas dualidades — que vão se dissolvendo até a chegada de um final previsível (hipérbole das maiores).

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Atenção! Esta crítica contém spoilers sobre o filme!

Na sombra de uma peneira

Desde o princípio, há um foco no mínimo estranho nas atuações, como se elas pudessem salvar o todo. É um desequilíbrio que não estaria justificado nem mesmo se o elenco fosse imbatível. Acontece que Perry utiliza closes constantes e planos que expõem suas atrizes e seus atores solitários na cena, enfatizando quase que ininterruptamente suas expressões faciais, seus gestuais e o modo que falam. Aliás, o timing das falas soa como se não tivesse liga de vez em quando, ressaltando que tudo não passa de texto decorado.

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A mistura estética proposta por Perry ganha corpo com a debilidade da fotografia de Terrence Laron Burke (de The Most Dangerous Man). A iluminação é monótona, não aproveitando nem mesmo o dualismo implícito de luz e sombra. O diretor dá a impressão de estar confiante demais em seu roteiro, este que, semelhante a uma espécie de afrodisíaco puritano, talvez sirva mais para divertimento próprio de quem pouco consegue oferecer.

Mas o pior — ou o melhor — é que O Limite da Traição consegue empolgar em alguns momentos. A crescente situação de Grace (Crystal Fox) é bem alimentada por uma história que, de tão recorrente, pode causar identificação fácil. Cada nova descoberta, mesmo quando ela (Grace) tapa o sol com a peneira e não percebe o criminoso que é Shannon (Mehcad Brooks), fomenta uma raiva para com o antagonista que pode funcionar bem, dada a aparente segurança inabalável daquele homem.

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Sem qualquer responsabilidade emocional, ele é a ilustração da violência psicológica extrema, fazendo-a duvidar da própria memória, percepção e até sanidade — um exemplo claro de gaslighting. Por outro lado, Perry não parece comprometido nem mesmo nessa questão, virando a chave da personalidade de Shannon abruptamente, acabando com as chances de criar um personagem complexo para além do seu valor de crítica social.

Baixo orçamento não é sinônimo de preguiça

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O Limite da Traição chega, aos minutos finais, munido de uma revelação previsível sim, guiada pela personagem de Phylicia Rashad (Sarah). Mas não sem trazer um lampejo de loucura e, finalmente, de algo para além da realidade pouco inspirada. A narração de Grace, que comenta passo a passo os dois primeiros atos do filme em suas conversas com Jasmine (Bresha Webb), dá lugar à ação de fato, aos acontecimentos mais instigantes. Nesse sentido, existe um segundo filme quando o que se vê passa a ser o presente e não mais flashbacks narrados.

É uma pena, portanto, que os crimes mostrados nos instantes finais — em especial a exibição de Sarah como uma sequestradora em série — tenham, na prática, segundos em cena. Se, desde o início, a inocência de Grace era evidente, deveria estar claro que não é muito proveitoso investir em um suspense-de-obviedade sem ter um domínio da forma.

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No final das contas, O Limite da Traição pode até ser interessante em suas abordagens mais ácidas sobre as relações — especialmente as que envolvem o homem (o sexo masculino mesmo) —, mas merecia mais tempo de filmagem, mais foco, mais personalidade. Só torço para que os cinco dias comentados por Terry tenham se transformado em não mais do que cinco horas de pós-produção, porque, assim, existe alguma justificativa para a montagem tosca de Larry Sexton (também do citado Um Funeral em Família) — que tem seu ápice de preguiça nas elipses durante o julgamento.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Canaltech.