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Crítica | O Enigma da Rosa tem estrutura interessante e estilo sufocante

Por| 25 de Outubro de 2019 às 13h30

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Elite Filmes
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“A linguagem, comum a todos os cineastas, é o ponto de encontro da técnica e da estética; o estilo, específico de cada um, é a sublimação da técnica na estética.” – Marcel Martin

A linguagem no cinema é tão importante quanto o que se tem para contar. Ela diz respeito à forma, à estrutura. Assim, o roteiro é aquilo que se pretende falar e a linguagem é toda a união entre técnica e estética da direção e da equipe. Claro que isso é uma síntese e que não é possível explicar com exatidão em uma frase – até porque exatidão dentro de uma arte é algo perigoso. Mas O Enigma da Rosa conseguiu me fazer pensar muito sobre a escrita de um roteiro e a linguagem a ser empregada para que o texto chegue ao público. De quebra, ainda conseguiu me fazer refletir sobre o quanto um estilo consegue interferir, positivamente ou negativamente, no todo.

Cuidado! Daqui em diante a crítica pode conter spoilers!

Novela, preparação e segredos

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A primeira reação, ainda assistindo ao filme, foi de repulsa. Após uma abertura misteriosa dentro de um carro, o filme parte para a vida de uma família aparentemente comum. Nesse ponto, a pegada novelesca impressa pelo roteirista e diretor Josué Ramos (de Involucrado, 2013) pode incomodar. Isso porque, além do texto ser algo inteiramente banal, a ponto de se tornar cansativo, a opção por utilizar a câmera na mão pode ser um tanto quanto desconfortável. A sensação de estar assistindo ao filme e, ao mesmo tempo, perdendo a concentração nos passeios visuais praticamente aleatórios prejudica qualquer intimidade que possa ser criada com aquelas pessoas. Percebe-se, de maneira muito ativa, que se trata de um filme e, por isso, a oportunidade de entrar em um diálogo sincero com a obra acaba por ser esfacelada.

As atuações, inclusive, parecem afinadas em uma realidade que fica no limiar entre a naturalidade e o exagero. Desse jeito, o sofrimento do casal protagonista e de seu filho mais velho é esquisito, como se eles tentassem emular uma dor específica (a do desaparecimento da caçula) sem ter tido tempo para compor seus personagens. Pode ficar nítida a falta que faz uma preparação de elenco (por mais que tenha existido) ou uma direção que guie com um pulso mais decidido a criar uma unidade.

Toda essa carga amadora é diminuída com a chegada do antagonista (interpretado por Ramiro Blas). Nesse ponto, Ramos assume uma postura que parece inspirada em Michael Haneke, especialmente no original Violência Gratuita (de 1997). A diferença é que, aqui, a família acaba por ser presa tanto na possibilidade de perda da pequena Sara (Patricia Olmedo) quanto em seus segredos particulares. Há, de fato, uma construção finalmente interessante, que cresce na figura da personagem de Blas e, por outro lado, uma desconstrução das personalidades daquela família – o que é sofrível para algo que não chegou a ter uma estruturação junto ao público.

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Resta Um, virilidade e o viés social

O roteiro, que não tem medo algum de abraçar a previsibilidade, é montado sob uma disposição eliminatória, como no jogo Resta Um. Desse modo, cada revelação vai diluindo ainda mais a família e engrandecendo o antagonista. Se, por um lado, a dor da família tem sua força diminuída – ainda mais com um castigo sexual sendo tratado com um pequeno toque de humor preconceituoso (provavelmente não-proposital) –, por outro e, aos poucos, descortina-se a vilania de pessoas aparentemente ordinárias.

Mas não somente a vilania: a situação que afeta Julia (Elisabet Gelabert), por exemplo, é fruto de um sexismo que acaba por colocar aquela mulher como vilã em uma situação de machismo estrutural. A circunstância que faz com que a mulher pague a sua penitência de joelhos e fazendo sexo oral em um desconhecido (um rapaz que parece referência à subcultura incel) é humilhante. E se o castigo de Oliver (Pedro Casablanc) é algo dolorosamente viril – com direito a sangue e dentes –, ainda lhe cabe a condição de perdoar e dar afeto à esposa após obrigatoriamente assistir ao ato dela.

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Nesse sentido, pensando no meu tão distante Ensino Fundamental – quando xingar a mãe dos colegas era um tipo de esporte selvagem e bizarro –, imagino que, para salvar a vida de uma filha ou de um filho, minha mãe encararia um pênis desconhecido com a força de uma leoa e levantaria a cabeça depois sem precisar pedir perdão ao meu pai e sem precisar dele para consolá-la. É um cenário particular, claro, mas basta inverter a situação e, talvez, perceber como seria pelo viés social.

A provocação e a fusão

No final das contas, O Enigma da Rosa tem uma estrutura até bem interessante e utiliza a previsibilidade para intensificar a tensão – o que é bem provocativo (no melhor sentido) ao se tratar de um gênero geralmente alimentado por eventos inesperados.

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O problema é que o conteúdo tende a atrapalhar e o estilo de Ramos, que ainda está mais para uma fusão do que para uma sublimação da técnica na estética, tende a sufocar a história com movimentos de câmera vãos e uma triste falta de tato humano até chegar a um final de um pessimismo satisfatório, mas de uma competência quase irrelevante.