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Crítica | Gigantes de Aço e a criação genesíaca

Por| 10 de Agosto de 2019 às 08h47

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Walt Disney Studios Motion Pictures
Walt Disney Studios Motion Pictures
“E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente.” – Gênesis 2:7

Da gênese bíblica à formação do ser humano em sociedade, criar é fundamental para a compreensão do que somos. Se a cada descoberta somos criativos o suficiente para planejarmos uma nova invenção, é a partir do novo que o futuro se aproxima. Algumas invenções são movidas pela sobrevivência, como as ferramentas de pedra do período paleolítico (de 2,6 milhões de anos); outras facilitam muitos lados da vida, como a roda – datada do período neolítico (3500 a.C).

Há, ainda, as invenções que transcendem ambos os casos e refletem a nossa necessidade em busca de afirmação. Nesse sentido, a notação musical, datada de 2000 a.C., talvez seja o primeiro indício de uma ferramenta que viria a eternizar artistas em si (e não a realização – ou independente dela), definir culturas e receber a primeira definição de arte. A reprodução artística, no caso, é fundamental como registro histórico. E todo registro histórico é essencial para que entendamos de onde viemos, onde estamos e para onde podemos ir.

Caminhantes

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Um filme como Gigantes de Aço (que está disponível no Telecine Play), por sua vez, não surgiu em 2011 para inovar. A arte não está aí somente para modificar ou revelar um novo mundo, um portal para o futuro; não é sempre que ela (a arte) existe para provocar ensaios mentais ou sensoriais (ou ambos); ela pode surgir, também, para utilizar do que é conhecido e, dessa maneira (e de tantas outras), provocar reflexões.

Dessa forma, não importa o quanto uma obra como o filme em questão faz uso de clichês, do já visto, de repetições. O que a faz ser assimilada enquanto arte evidente é a efetividade do seu discurso. E, indo além, a sua eficiência enquanto obra viva. É nessa perspectiva que Gigantes de Aço se encaixa: cada robô possui predicados que lhe cedem vida. Parafraseando o versículo do livro de Gênese: os robôs foram feitos almas viventes.

Transparecer realidade e falar da existência pode parecer, hoje, completamente irreal. Mas é justamente nisso que talvez se esteja perdendo a essência do que é ser humano. Criar realidades, imaginar mundos paralelos, universos possíveis e impossíveis, passou a ser – em grande escala – uma vivência apenas infantil. Os filmes “mentirosos”, as fantasias, estão perdendo espaço na idade adulta. Uma desejada e ilusória realidade no cinema tem tomado conta do que podemos ser para revelar o que já somos. Aos poucos, vamos deixando de voar para sermos meros caminhantes.

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Do excesso necessário ao espremedor musical

Gigantes de Aço traz muito dessas reflexões sem precisar inventar, apenas reproduzindo. Para isso, conta com um roteiro (de John Gatins), como dito, recheado de clichês. Gatins (do recente Power Rangers) parte do princípio de que, para alcançar o desconhecido, é necessário utilizar o que já se conhece. Shawn Levy (da trilogia Uma Noite no Museu), que sempre demonstrou ter competência na administração de banalidades, dirige de uma maneira enérgica. Cada cena parece que vai transbordar, seja de exagero dramático, seja na força... A pegada de Levy é clara: ele quer passar uma mensagem que está nas entrelinhas e, para alcançá-la, precisa do excesso.

Nesse esquema, a direção de fotografia de Mauro Fiore (de Avatar) e o desenho de produção de Tom Meyer (de A Órfã) esbanjam criatividade e concedem detalhes fundamentais ao entendimento subjetivo da história. Do jogo de luz e sombra que ora esconde o rosto de um envergonhado Charlie (Hugh Jackman) ora ilumina o pequeno Max (Dakota Goyo); do enferrujado e desbotado robô Ambush, passando pelo guerreiro samurai Noisy Boy até desencadear na obra-prima que é Atom (o robô que move a trama) e sua semelhança (que vai para além da estética) com o Homem de Lata do clássico O Mágico de Oz, tudo dá a impressão de ser erguido em bases efusivas, mas sólidas.

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Se Danny Elfman (de MIB: Homens de Preto – Internacional e parceiro recorrente de Tim Burton) pode demonstrar uma certa entrega a um piloto automático, ainda assim sua composição tem uma mistura muito bem equilibrada e orgânica que acaba desencadeando em uma espécie de heavy-rap-metal. Infelizmente, por outro lado, suas interferências emocionais parecem querer espremer o público em pontos dramáticos com a finalidade de extrair as lágrimas que tinham potencial para serem mais naturais.

A inocência do aço

Além de tanto, Gigantes de Aço consegue a proeza de, em meio a lutas brutais, transparecer inocência. Isso, claro, graças especialmente à escolha de Levy por diluir a história pela visão de Max. O menino, que transparece sentimentos fundamentais para a dissolução do roteiro (admiração e curiosidade principalmente), tem tanto carisma quanto seu companheiro de cena. Jackman não faz muito esforço para ser um bruto que ama, um Wolverine sem Adamatium e, dessa forma, para que sua trajetória seja importante para o público.

Gigantes de Aço é, no final das contas, uma recapitulação futurista de Rocky: Um Lutador (de John G. Avildsen, 1976) entremeada pelos mais recentes O Lutador (de Darren Aronofsky, 2008) e O Vencedor (de David O. Russell, 2010). Provavelmente não com o peso desses três, mas é um blockbuster ousado e válido o suficiente para continuar indo muito além da bilheteria (ou do lucro posterior) e do papel de entreter. É, enfim, um filme coerente em sua principal insinuação, a de que, em um futuro (talvez não muito distante – mas não mais em 2020), nós, a medida em que humanizamos robôs, alcançaremos o poder da criação genesíaca.

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E isso, para além de assustador e inimaginável, consegue ecoar de um jeito muito sutil – mas ferozmente – após o último tilintar do aço.

Gigantes de Aço pode ser assistido pelos assinantes do Telecine Play.