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Crítica | Dumbo é um Coliseu de ganância e emoção

Por| 26 de Março de 2019 às 13h00

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Disney
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Confesso que quando fui escalado para assistir a este filme, já me deu um friozinho na barriga. Sou meio manteiga derretida mesmo, ainda mais quando envolve animais. Para se ter uma ideia, até hoje não consegui assistir a Marley e Eu (2008) e só assisti Sempre ao seu Lado (2009) porque perdi a uma aposta para uma ex-namorada.

Se você quer assistir a esta adaptação de Dumbo, tenha em mente duas coisas: primeiro, o filme é bem diferente da animação de 1941; e segundo, prepare o coração. O giro de emoções vai fazer com que você passe boa parte da película com lágrimas nos olhos, como foi o meu caso.

Em pouco mais de uma hora e meia, Tim Burton conseguiu reunir tudo o que queríamos nesta adaptação. Roteiro simples, diversão, emoção, excelente qualidade gráfica, ótimo elenco e, claro, lágrimas, muitas lágrimas.

Sendo assim, começo esta crítica por sua conclusão: Dumbo é a melhor adaptação da nova onda de live-actions que a Disney está trazendo. Ainda teremos Aladdin e O Rei Leão este ano, é verdade, mas a maneira como Dumbo te afeta certamente será bem diferente desses outros filmes.

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*Atenção, esta crítica pode conter spoilers de leve

Vamos contextualizar

Antes de mais nada, é importante falar sobre a época em que esta adaptação é situada. Ao contrário da animação feita pela Disney em 1941, em meio à Segunda Guerra Mundial, o filme de 2019 se passa no final da Primeira Guerra (1918), uma época em que os circos nos Estados Unidos – tal qual na década de 40 - estavam em um momento de crise, já que o país, para custear as campanhas de suas tropas na Europa, vivia um momento financeiro complicado, com a população não podendo gastar com entretenimento.

É aí que o Capitão Holt Ferrier (Collin Farrell) entra em cena. A maneira como este personagem é inserido dentro do filme fez o historiador dentro de mim pulsar de alegria. Os artistas de circo foram muito utilizados durante a Primeira Guerra Mundial. Isso porque muitos deles possuíam físico perfeito, agilidade e destreza necessárias nas trincheiras. No caso do Capitão Ferrier, exímio montador no circo dos Irmãos Medici, suas habilidades na cavalaria o colocaram, certamente, em uma posição de destaque no exército. Ao retornar do combate, com uma marca evidente em seu corpo, e se encontrar com seus filhos, Milly (Nico Parker) e Joe (Finley Hobbins), é que inicia a trama central por trás de Dumbo.

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Como citamos acima, os circos não viviam grande momento e, claro, não poderia ser diferente com o de Max Medici (Danny DeVito), o ítalo-americano dono do Circo dos Irmãos Medici. A apresentação das atrações são bem fieis às encontradas em espetáculos do início do Século XX, com sereias, homens com superforça, malabaristas e, claro, animais. Todos meticulosamente pensados, como era de se esperar que Tim Burton fizesse, mesmo com o elenco de apoio.

Hoje seria impensável um circo desses, sobretudo se levarmos em conta as condições de vida que várias espécies eram submetidas na época. Mas, é necessário abrir a mente e entender o contexto.

Ao reencontrar uma de suas principais atrações de outrora, agora veterano de guerra e precisando de trabalho, Medici teve a brilhante ideia de colocá-lo para ser o responsável pelos elefantes do circo. Aí você se pergunta: por que Ferrier não volta para sua tradicional montaria? Bem, com a crise em que o circo se encontrava e com a “expectativa” da morte do cavaleiro, Medici teve que vender os cavalos e fazer um novo investimento no seu 'zoológico'. A aquisição foi de nada mais, nada menos, do que a elefanta Jumbo, que chegou grávida do nosso simpático elefantinho orelhudo.

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Dumbo, as crianças e os shows

Ao contrário da animação de 1941, o elo que faz com que Dumbo cresça e apareça não foi o ratinho Timóteo, mas sim os filhos do Capitão Ferrier, Milly e Joe. Ambos foram criados no circo por Max Medici - já que a esposa do Capitão havia falecido - e possuem personalidades bem diferentes. Milly quer ser cientista e é ávida por descobertas, já Max quer porque quer fazer parte do elenco do circo, tal qual o seu pai fora em outros tempos. Outra coisa que ficou bem diferente do filme da década de 40 foi a questão do bullying, sutilmente retirada por Burton.

O nascimento de um elefante com orelhas grandes e desproporcionais trouxe o espanto característico em todos, mas, desde o princípio, a relação da família Ferrier com Dumbo e Jumbo se mostrou sólida e amorosa, e as cenas subsequentes mostraram a tendência do que seria a amizade entre eles.

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Como estamos falando de Dumbo, logo cria-se a expectativa do seu voo. E nisso as crianças têm papel fundamental, mesmo que a descoberta deste dom tenha sido quase que por um acaso. A pena, tal qual no desenho original, foi perfeitamente colocada dentro da adaptação, mas a motivação pela qual Dumbo começa a bater suas orelhas e se mostrar ao público é o que, de fato, conecta as duas obras. Suas apresentações logo tornam o Circo dos Irmãos Medici a atração mais cobiçada do interior dos Estados Unidos, e isso vai nos transferir para outra parte importante da trama e que começa a trazer lições e agendas importantes que foram trabalhadas na película.

Ida para Dreamland

Com a fama conquistada por seu dom de voar, Dumbo atraiu a atenção de um grande dono de circo de Nova Iorque, VA Vandevere (Michael Keaton), que imediatamente se dirigiu para o Circo dos Irmãos Medici para ver de perto o paquiderme voador. Talvez pela simplicidade do roteiro as coisas pareceram um pouco mais aceleradas neste momento, mas achei que Vandevere, talvez por sua grande lábia, talvez por necessidade de enredo mesmo, se aproximou muito rapidamente de Medici. Não houve qualquer resistência por parte do ítalo-americano de entregar Dumbo e suas atrações ao mega empresário do entretenimento. Este pequeno buraco, no entanto, pode ser explicado diante de uma das lições que o filme tenta passar: a ganância pode te fazer tomar decisões precipitadas.

Com a ida de toda a trupe para 'Dreamland', uma espécie de circo misturado com parque de diversões (bem a cara de Tim Burton), tivemos algumas surpresas bem agradáveis. A melhor delas foi do relacionamento criado entre Dumbo e a artista Colette Marchant (Eva Green). Em um primeiro momento, a bela francesa – que esbanjava a arrogância atribuída a seus conterrâneos – parecia mais uma daquelas vilãs bregas que a Disney sempre teve, como Cruela DeVil (101 Dálmatas), por exemplo. Mas, talvez pela dependência criada em cima das habilidades de Dumbo para seu show dentro do Coliseu (a principal atração de Dreamland) ou pelo romance discreto com o Capitão Ferrier, logo vimos uma personagem amolecida e totalmente inserida na missão de Dumbo e os Ferrier. Vai parecer meio 'rococó', mas poderia ter rolado uma aproximação maior entre o Capitão e a artista. Sim, eu gosto de romancezinhos.

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A ganância de Vandevere crescia no mesmo ritmo em que a percepção de toda a trupe de Medici – e dele próprio - sobre o que estava acontecendo em Dreamland. E, aqui, vai outro ponto negativo e que também está atrelado ao roteiro simples. Tudo foi resolvido muito rapidamente. O clímax durou muito pouco, por mais legal que o desfecho tenha sido no fim das contas.

Tecnicamente impecável

Na parte técnica, Dumbo é um show a parte. Minha grande preocupação era justamente com a aparência do elefantinho, mas ela logo foi deixada de lado com as primeiras aparições tanto de Jumbo como de Dumbo. A maneira como ele interage com os atores é espantosamente perfeita, e seu carisma natural é impressionante, para não dizer apelativo – o que é ótimo.

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A paleta de cores para o circo foi bem escolhida. Os tons mais escuros de luz e fotografia nos colocaram muito bem em um espetáculo do início do Século XX. Mesmo em Dreamland, com muitas luzes, o cenário sempre me pareceu escuro, mas que encaixa bem para a tensão instalada no local.

A trilha sonora é outro destaque. Claro que a música Baby Mine, já presente na animação de 1941, teve uma performance de encher os olhos (de lágrimas). A versão do filme foi interpretada por Miss Atlantis (Sharon Rooney), mas também foram feitas outras duas: uma pela banda canadense Arcade Fire (vídeo abaixo) e outra pela cantora norueguesa Aurora.

Preservação animal

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Uma das coisas mais tocantes e delicadas de Dumbo é a questão dos animais. Como citamos acima, é necessário entender o contexto em que o filme se passava. Era super normal os circos possuírem animais e mais normal ainda era a falta de tino com as feras, principalmente as grandes como os elefantes. Infelizmente, em pleno 2019, vemos espécies contrabandeadas, negociadas e caçadas inadvertidamente, mas, ao mesmo tempo, existem trabalhos maravilhosos de preservação e combate a essas atrocidades.

Em tempo, e é bom deixar claro para você, amigo leitor do Canaltech: eu não sou vegetariano, tampouco vegano, mas tenho enorme apreço pelos animais. É uma discussão longa e polêmica, como muitas outras em nossa sociedade, mas acredito ser possível ter sentimentos bons para com os bichinhos mesmo que você se alimente e os utilizem para outras coisas na vida. No entanto, corremos o risco, SIM, deste filme ser problematizado. Espero, sinceramente, que não. Muito embora as cenas com os bichos, mesmo que virtuais, não sejam de carnificina, elas nos tocam na alma.

Felizmente, evoluímos, e o próprio filme, à sua maneira, também. Desde o início, a família Ferrier se coloca com muita sensibilidade pela causa de Jumbo e Dumbo e esse é um dos pontos mais altos da película e que foi muito bem explorado por Tim Burton.

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Um Coliseu de ganância e emoções

Esta adaptação de Dumbo nos traz algumas lições. A ganância é um sentimento que nos aprisiona e faz com que cometamos equívocos induzidos pelo imediatismo. Vandevere tinha na arte uma maneira de fazer dinheiro e nela depositava a motivação para todas as suas atitudes. Medici também, mas com uma maneira muito mais genuína, amistosa e divertida. A ganância que, por momentos, tomou o ítalo-italiano, quase colocou tudo a perder, mas ele aprendeu – e creio que todos nós aprenderemos um dia.

Além disso, Dumbo nos mostra valores familiares. Uma guerra ou uma simples gripe podem ser capazes de destruir uma família, mas o amor supera tudo e foi o combustível que ajudou os Ferrier a se unirem e se reinventarem, assim como o nosso paquiderme orelhudo, que foi de “aberração” à solução para todos – principalmente para si próprio e sua mãe.

Mas, a maior lição de todas é que a relação entre animais e seres humanos, embora controversa, por vezes, ainda é uma das coisas mais lindas que existe. É uma amizade verdadeira, um sentimento puro, e uma parceria quase que inabalável.

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Dentro do Coliseu da Dreamland, a ganância não conseguiu vencer todas as outras emoções ali depositadas. Melhor para nós. Lembram da conclusão lá em cima? Pois bem. Acho que acertei.

O Canaltech assistiu a Dumbo à convite da Disney.