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Crítica | Disforia é guiado pelo clima e afogado pela duração

Por| 11 de Março de 2020 às 10h48

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Lucas Cassales, roteirista e diretor de Disforia, sabe criar a atmosfera dos seus filmes como poucos – algo que é parte de sua linguagem desde 2009, com os curtas-metragens Sebo e Sofá Verde. Isso fica muito claro, inclusive, em como os filmes são expostos nos trailers, onde a revelação de pouco instiga. No trailer do seu premiado O Corpo (2015), por exemplo, são quase 40 segundos de uma floresta em plano geral e mais meio minuto da caminhada de um homem misterioso carregando uma galinha. Nada além. Existe um controle das imagens nos curtas de Cassales que transformam qualquer que seja a simplicidade do roteiro em algo único. É, de fato, um diretor consciente.

Cuidado! A crítica pode conter spoilers!

Efeito e causa

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O mesmo acontece com o interessante início de Disforia. A utilização do desconforto gerado pelos takes alongados junto às situações, o desconhecimento do público para com os personagens e as atitudes estranhas de quem supostamente está consciente – como Paolo (Vinícius Ferreira) – geram uma curiosidade pela dissolução, pela descoberta. A instabilidade cedida pelo roteiro de Cassales e Thiago Duarte é, nesse princípio, alimentada pela direção que foge de obviedades com habilidade. A angústia do protagonista – Dário (Rafael Sieg) – é uma espécie de espelho para o temperamento da personagem de Ferreira. Sofia (Isabella Lima), por sua vez, é fruto de uma inquietação, personagem que cede horror ao tom mental com uma inocência excêntrica.

Em poucos minutos, muitas cartas já estão expostas. É nesse ponto que, talvez por inexperiência – porque conhecimento não lhes falta –, Cassales e Duarte parecem apegados à estrutura inicial e acabam por iniciar um processo de enxerto: inserem mais e mais lacunas, ainda mais aflição, a ponto de quase tudo se tornar uma sequência ininterrupta de cenas inquietantes. Sem o respiro do desenvolvimento das questões, Disforia quase chega ao limite da autossabotagem, de desconstruir negativamente o seu próprio universo, inicialmente tão bem construído.

Falta, por essa perspectiva, uma aproximação mais íntima, uma quebra das perguntas sobre o todo para a construção de respostas sobre os personagens. Esse tipo de ligação tão necessária vez ou outra surge – como nas recordações gravadas de Paolo –, mas não encontra eco no presente enrijecido. Nesse sentido, quase não existem rimas para que as individualidades existam, o que faz a direção de Cassales trabalhar muito para uma ideia de efeito sem ter o poder da causa em mãos.

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Questão de tempo

Ao mesmo tempo, há uma desconexão entre os personagens causada justamente pela individualidade, como se cada um estivesse ali somente para cumprir suas funções. Quase não existe a coexistência humana entre eles. O que rege a história é, assim, o clima, e este, por sua vez, revela, a cada minuto que passa, a sua necessidade de contar com mais riqueza nas interações e mais humanidade nas investidas metafóricas esteticamente sobrenaturais.

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A impressão, ao final de Disforia, pode ser a mesma do início: Cassales sabe criar atmosfera como poucos. É possível que, se sua competência for posta à prova mais e mais vezes, ele venha a se tornar um dos nomes aclamados do nosso cinema. Há, claramente, um excepcional diretor de histórias curtas por trás do filme em questão. Aguardar que ele esteja adaptado ao ritmo de um longa-metragem (e isso vale para a montagem de Daniel Laimer – também debutante nessa categoria) parece ser questão de tempo.