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Crítica | Deadpool 2: tomando fôlego para seguir

Por| 18 de Maio de 2018 às 12h48

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Fox Films
Fox Films

Antes de seguir adiante, cuidado. Esta crítica contém spoilers!

A estreia apenas três semanas após Vingadores: Guerra Infinita, filme que vem batendo recorde atrás de recorde, já revela um pouco sobre as escolhas de Deadpool 2. É uma demonstração de confiança e comodidade que provoca, afinal, a própria produção já demonstra não ter medo que a bilheteria gigantesca dos Vingadores influencie na sua.

Mas é arriscado de qualquer forma. A relação do público geral com o cinema hoje em dia é bem sugestiva. Vive-se em uma era de poucos escapes. As salas de cinema têm se tornado de difícil acesso. Além da maratona na qual vive quem precisa trabalhar diariamente por oito ou 12 horas – o que distancia a ida ao cinema indiretamente por motivos diversos –, há o valor cada vez mais alto dos ingressos. Levando em consideração a renda per capita do brasileiro em 2016 (R$ 1226,00 segundo o IBGE), ir ao cinema uma vez por mês é, na prática, excessivamente caro.

"Crianças nos dão a chance de sermos melhores do que éramos"

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Por outro lado, o primeiro Deadpool e o em questão podem servir como um programa ideológico enrustido para a “família tradicional brasileira”. Esta, conservadora, pode ver no mercenário falador parte daquilo que lhe causa ódio irrefreável e, então, dar-se conta que todo o humor escrachado, as obscenidades e as impulsivas investidas sexuais são, na verdade, tudo aquilo que sempre quis ver. É como voltar a ser criança e odiar o que ama por não ter controle total sobre suas emoções. A certo ponto do filme, a frase “Crianças nos dão a chance de sermos melhores do que éramos” surge como uma síntese disso tudo. Porque é melhor que se veja a imaturidade infantil como algo justamente infantil e que, assim, possa-se superar descontroles emocionais provenientes de birras.

Mas o maior poder de Deadpool 2 em relação ao anterior é justamente o financeiro. Se o primeiro contou com módicos (para um filme de super-herói atual) US$ 58 milhões, especula-se que essa segunda empreitada tenha ultrapassado a casa dos US$ 100 milhões. Mesmo ainda sendo um orçamento bem inferior ao citado Vingadores: Guerra Infinita (que custou mais de US$ 320 milhões segundo a Forbes), o resultado é visível: mais efeitos especiais, mais explosões e mais personagens – incluindo divertidas pontas de Terry Crews e Brad Pitt.

Thanos e os X-People

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E, felizmente, não é só isso. Apresentando um vilão que vai muito além daquele sem muitas camadas do filme anterior, o roteiro de Rhett Reese, Paul Wernick e do próprio Ryan Reynolds consegue, em meio a tantas piadas e referências, construir um personagem com enorme relevância moral. Sem dúvida, a aparência sisuda de Josh Brolin – que remete propositalmente ao seu Thanos no filme dos Vingadores (inclusive com piada a respeito) – e a sua atuação com movimentos sempre secos e objetivos, completamente oposta aos exageros do protagonista, é essencial para que Cable seja crível e transmita credibilidade.

É ainda no roteiro que Deadpool 2 tem outro bom acerto: sua discussão sobre machismo é tão acertada quanto válida. Jogando luz em uma entrevista de 2013 sobre o lançamento da HQ X-Men #1 (de Brian Wood e Olivier Coipel), a qual é um novo princípio do grupo X-Men, dessa vez liderado e composto somente por mulheres, o tagarela tem uma fala que reflete a principal questão. À época, em resumo, fora dito que se a Marvel introduzisse um nome de equipe sem gênero, como X-People, seria necessário que um personagem masculino popular, como o Wolverine, viesse a se proclamar como um X-Person antes que uma mulher da equipe utilizasse o título. A personagem de Ryan Reynolds não só o faz, como satiriza o título X-Men que, além de tudo, trata-se de uma equipe que surgira como metáfora ao preconceito nos anos 1960.

A sorte de Domino e o coração no lugar certo

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Além disso, o protagonismo de Wade Wilson e seu Deadpool é completamente posto em xeque com a entrada de Domino no filme. Com o inusitado poder da sorte – inicialmente descreditado pelo personagem principal –, a mutante não somente é um acréscimo extremamente orgânico pelo seu poder tão singular quanto o humor do filme. Ela é também interpretada por uma atriz (Zazie Beetz, da ótima série Atlanta) cheia de carisma e que exala uma autoconfiança madura e aparentemente vulnerável, tudo o que é possível para se construir identificação imediata com o público. Indo além, Domino protagoniza a melhor cena de ação do filme, fazendo valer o seu poder sem precisar que nenhum outro personagem observe a sua desenvoltura.

Esteticamente, Deadpool 2 tem aquelas que são, provavelmente, as melhores cenas de ação de um filme de super-herói. Se o subgênero estava começando a parecer cansado das lutas sombrias e cheias de computação gráfica dos filmes da DC e das batalhas intensas dos heróis que compõem os Vingadores, aqui a pegada é completamente diferente. Dirigido por um sujeito que esteve à frente (sem ser creditado) do excepcional De Volta ao Jogo (o primeiro John Wick) e que dirigiu uma das cenas de ação mais incríveis do século (tenta-se não exagerar e dizer da história), que é o plano-sequência coreografado fenomenal de Atômica, Deadpool 2 tem o coração no lugar certo. Afinal, em se tratando de ação, o diretor David Leitch parece entender como poucos do cinema atual.

O roteiro inconstante e Cyttorak

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Nesse sentido, é estranho perceber o quanto o roteiro é inconstante. Se acerta em tantos pontos, peca por sua base ser uma história clichê. Não é difícil prever, por exemplo, o que acontecerá com Vanessa (a brasileira Morena Baccarin) no início do filme devido ao aprofundamento progressivo do relacionamento dela com Wade. Ainda, a utilização de piadas sobre clichês e sobre a capacidade dos roteiristas é duvidosa ao ponto que não se tem o discernimento se elas estão ali ingenuamente para fazer rir ou se elas também estão para mascarar propositalmente as banalidades. O fato é que o filme faz rir. E muito! Mas também há tentativas de causar gargalhadas que podem parecer deslocadas e acabam por resultar em um ou outro riso quase forçado.

Deadpool 2 é um filme melhor do que o seu antecessor. Talvez as piadas funcionem em menor escala porque o público que gostou do filme de 2016 já parte de uma expectativa. E esperar algo que foge de qualquer controle pessoal quase sempre pode resultar em frustração (mínima que seja).

De qualquer maneira, agora o personagem está amadurecido (não ele em si) na mente de quem o acompanha; há um vilão (não-tão-vilão-assim) de muita relevância; uma heroína muito bem-vinda ao universo; e, de quebra, a aparição do Fanático. Este, enquanto no filme tem uma saída um tanto quanto controversa, pode causar alguma especulação quanto ao futuro dos universos da Marvel (contando com esse da Fox), visto que não é um mutante originalmente e, sim, um ser-humano comum com poderes provenientes da gema escarlate, nativa da entidade demoníaca Cyttorak.

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Especulando através do abismo do passado

Por sua vez, Doutor Estranho e outros heróis feiticeiros utilizam algumas habilidades advindas da entidade (o Cyttorak). E dá para ir mais longe: Fanático também está em um arco no qual, ao entrar em contato com um martelo místico, transforma-se em Kuurth, O Destruidor de Pedra, que tem seus poderes diretamente ligados a um irmão de Odin (o pai de Thor).

Mas, por enquanto, só resta a saudável especulação e aproveitar o que Deadpool 2 tem de bom. Seja para um membro de uma “família tradicional brasileira” ou apenas para um alguém em busca de algum entretenimento (e pouco mais do que isso) que valha a pena, o filme cumpre a sua função. Fica a dúvida se sobrará fôlego para outra continuação sem fazer a fórmula maluca perder o efeito.

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A se basear nas cenas dos créditos finais pode ser que esse fôlego já esteja sendo tomado e que surjam novidades de algum abismo do passado. Com ou sem eletrocussão. Seria [S]inistro.