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Crítica | Como terror, Campo do Medo é uma boa canção de ninar

Por| 13 de Outubro de 2019 às 09h35

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Netflix
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Cada espectador tem o direito de se dispor como quiser diante de um filme. Há quem queira apenas apreciar a história contada, há quem queira procurar pelas entrelinhas, há quem queira analisar tecnicamente... E todas as formas de ser espectador são válidas. Eu, espectadora de terror desde o ventre da minha mãe, gosto de tentar entender qual é a metáfora dos filmes de terror, qual alerta ou mensagem encontra-se escondida por trás da trama. A Netflix apostou em mais uma adaptação de Stephen King com Campo do Medo e, ao invés de entregar terror, acaba mexendo em um vespeiro... e não mexeu com a delicadeza merecida.

Adaptações de livros e contos do Stephen King costumam agradar poucos leitores e, por vezes, provocam o próprio escritor. Acredito que falta a compreensão de que os livros de King causam medo justamente pela habilidade que ele tem de criar uma ambientação assustadora e talvez por isso O Iluminado (1980, de Stanley Kubrick) seja um grande filme de terror: há muito mais um clima de terror do que situações aterrorizantes em si. Se a direção não for capaz de pelo menos traduzir a atmosfera criada pelo autor em suas obras, as chances de a adaptação não dar certo são enormes.

A partir daqui, a crítica pode conter spoilers.

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Potencial

Dificilmente um filme (de terror) é completamente descartável e é sempre bom fazer o exercício de encontrar algo que foi bem trabalhado, mesmo que a obra aparentemente pareça ter nada de aproveitável. Em muitos casos, a sensação é de que estamos diante de uma boa ideia mal executada: um argumento que poderia ser muito bem desenvolvido, mas que infelizmente caiu nas mãos erradas.

Ao ver qualquer filme, nossa empatia é ativada e somos capazes de compartilhar os sentimentos dos personagens. No cinema, uma boa equipe é capaz de intensificar a nossa empatia. Campo do Medo nos coloca diante de um grupo de pessoas que estão perdidas em um loop espaço-temporal aparentemente sem lógica dentro de um campo alto o suficiente para que seja impossível visualizar a saída. Não é difícil imaginar que, nesse caso, compartilharíamos com os personagens sentimentos como angústia por não encontrar uma saída, desespero ao encarar a realidade de que é impossível lidar com o campo de forma lógica (sobretudo estando grávida) e claustrofobia por estar tanto tempo rodeado por folhas e sem conseguir enxergar muito longe.

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O diretor e roteirista Vincenzo Natali já não é um nome completamente desconhecido após ter dirigido Cubo (1997) e Splice – A Nova Espécie (2009), além de episódios de séries como Hannibal, The Strain e Westworld. Ainda assim, parece pouco experiente ao fazer de Campo do Medo um filme que não se esforça para nos colocar no lugar dos personagens. Como um bom argumento nascido em Stephen King, havia potencial para obra-prima, mas Natali cria um suspense dramático que apenas leva os personagens de um ponto a outro da forma mais simples possível.

Medida do medo

Natali faz isso optando por remover o terror dos sentimentos humanos e depositar tudo no campo ao redor dos personagens: as folhas parecem falar, comunicar-se e reagir ao que acontece, mas o espectador contemporâneo dificilmente irá ficar aterrorizado com umas plantas que ficam sussurrando algo incompreensível ou que parecem tramar contra um grupo de humanos. É muito claro que há algo de sobrenatural no campo, mas essa característica não é mais do que apenas citada: vemos as plantas desfazerem os nós, vemos as pessoas perdidas ou mortas e vemos, inclusive, o campo todo ficar absolutamente parado. Por outro lado, apensar de estranho, não são as plantas que matam e, se o fazem, não vemos. A quebra de expectativa aqui é negativa: o campo parece ser mal em si, mas na verdade apenas abriga um mal que é superficialmente confrontado.

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Além disso, a narrativa apresenta seres estranhos, com rostos não humanos, que são introduzidos como meros acessórios: não são construídos para nos dar medo, tampouco são surpreendentes. Infelizmente, esses seres são as criaturas que nos conduzem ao que deveria ser o clímax do filme: o sacrifício do bebê. A sequência toda, no entanto, é um enxerto confuso, que não se atreve a mostrar o sacrifício e mais uma vez tem êxito ao não comprometer a zona de conforto do espectador. Ao final, o sacrifício não se justifica, nada é alterado, e o que nos resta é o questionamento sobre o que eram aqueles corpos sob a terra.

Fazedores de conserva

Para além da grama alta assassina que esconde uma pedra mágica do mal, consegui encontrar a metáfora que procurava e ela não foi menos que retrógrada.

Remova a parte sobrenatural e é possível ver que a trama é toda sobre uma mulher grávida, que decide doar a criança depois que o seu amado pediu que ela abortasse. Sua decisão é apoiada por outro homem: seu irmão. No meio do caminho, é atraída pela voz de uma criança que pede socorro para não morrer, a mesma criança (um menino) que, ao final, irá salvá-la com o auxílio do homem que sugeriu o abordo, mas que agora está arrependido. Ross Humboldt (Patrick Wilson), que aparentemente é um vilão, não é mais que um pai de família que, na tentativa de encontrar sua esposa e filho, acaba seduzido pela pedra.

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Removido o terror insosso, Campo do Medo se reduz a um drama que se propõe a discutir um assunto muito mais sério do que o roteiro propõe ser. Muito pior, propõe um moralismo de decisões imediatistas e prejudiciais para uma discussão mais profunda.