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Crítica | Bumblebee: no seu tempo, com a sua voz e na sua vez

Por| 28 de Dezembro de 2018 às 19h47

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Crítica | Bumblebee: no seu tempo, com a sua voz e na sua vez
Crítica | Bumblebee: no seu tempo, com a sua voz e na sua vez

É difícil não associar os cinco filmes acerca dos Transformers dirigidos por Michael Bay a essa espécie de reinício. Enquanto aqueles eram praticamente tentativas forçadas de épicos grandiosos, megalomaníacos, filmados a partir de muitos planos extravagantes e que, muitas vezes, tornavam a ação incompreensível – auxiliados sempre por uma montagem convulsiva – Bumblebee mira em um quase completo oposto. Se isso não torna o filme em questão um acerto sem pontos negativos, constrói, ao menos, uma experiência válida, compreensível e com uma agradável e despretensiosa pretensão (porque afirmar que um blockbuster com orçamento de US$ 130 milhões é totalmente despretensioso pode ser bem estranho).

Não dá para dizer, por outro lado, que os cinco filmes capitaneados por Bay não têm identidade. O conjunto possuiu um esqueleto – sem entrar no mérito ou no demérito da osteoporose. O que falta ali é coração. E antes dele faltam os demais músculos e órgãos, tendões... Mas, enfim, Bumblebee.

O inverso, novelas e “pop”

Apostando em um roteiro simples (escrito por Christina Hodson), cada minuto do primeiro ato parece buscar identificação com o público. Para isso, vê-se investido muito menos na guerra entre Autobots e Decepticons e mais nas relações que circundam a vida de Charlie (Hailee Steinfeld): a saudade do pai, a relação conflituosa com a mãe e o irmão e a rejeição ao padrasto.

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Essa procura por identificação junto ao espectador é de uma beleza que ganha contornos sensíveis especialmente a partir do carisma de Steinfeld. A moça não somente tem uma atuação que convence com muita competência em suas interações com o robô alienígena que dá nome ao filme, mas também passa tranquilamente por cenas de diálogos solitários, que geralmente desconcertam muita gente experiente e são muito utilizadas nas novelas brasileiras.

Assim, Bumblebee direciona sua atenção, seu foco, a uma visão humana dos acontecimentos, esquivando-se de erguer sua história a partir da criação de um perigoso olhar alienígena acerca da humanidade. Não que faltem elementos do tipo – visto que a fragilidade humana é revelada com sarcasmo quando um Decepticon reflete sobre a onomatopeia “pop” que faz um homem quando explode –, mas se está diante muito mais de um filme sobre o poder da amizade do que sobre uma espalhafatosa e grandiloquente produção sobre o perigo de a raça humana ser dizimada por aliens robóticos.

O Gigante de Ferro

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É interessante refletir o tanto que Bumblebee se assemelha à trajetória de O Gigante de Ferro (de Brad Bird, 1999 – baseado em um romance de Ted Hughes publicado em 1968). Naquele filme (e no livro), um garoto solitário que foi criado por sua mãe viúva acaba descobrindo um gigante de aço que veio do espaço. Com a ajuda de um sujeito adepto ao beatnik, ele faz de tudo para impedir que o exército americano e um agente federal encontrem e destruam seu mais novo amigo.

Não é difícil substituir duas ou três palavras dessa história e dizer que o que foi contado é um resumo sobre, justamente, Bumblebee. Em tempo: ambas as narrativas se passam durante a Guerra Fria e possuem menções a ela. O Gigante de Ferro, por sinal, passa-se durante o pico desse período histórico (no final da década de 1950) ao passo que Bumblebee a algum pouco tempo do fim (no final da década de 1980). A linha que divide plágio de referência, homenagem ou readaptação é muito fina e não cabe qualquer julgamento aqui. Fica somente a indicação.

A memória de uma época... e os mangangás

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A verdade é que, com mais espaço para intimidades, a produção de Bumblebee consegue acertar em cheio em pontos nunca alcançados antes pelos filmes sobre os Transformers. Se a atuação de Steinfeld merece destaque, o mesmo pode se dizer do Desenho de Produção de Sean Haworth (de Deadpool), que ergue um mundo cheio de referências aos anos 1980.

De cartazes de filmes a objetos de cena, tudo parece complementar o que quer ser passado ao espectador. Se a um momento, por exemplo, o condizente cartaz do filme O Enigma de Outro Mundo (de John Carpenter, 1982) é revelado com destaque, a equipe de arte não se cansa de posicionar o filme em seu período através dos carros e até do helicóptero no qual se transforma o Decepticon Dropkick (um Bell AH-1SuperCobra).

Vale destacar, nesse sentido, a interação extremamente orgânica entre o nome recebido por Bumblebee e os besouros aos quais o nome faz referência: os mangangás. Para além da cor, a visão do robô extraterrestre é toda baseada em hexágonos que em muito lembram favos e, a um momento, mostra-se uma pequena colmeia que se instalou em meio ao Autobot.

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Tudo fica ainda mais complexo: ao mesmo tempo em que o filme lida com a memória – de Charlie, de Bumblebee e até do Agente Burns (John Cena), um estudo publicado pela revista Current Biology no início de 2015 comenta que, assim como os humanos, os mangangás (bumblebees) também podem ter lapsos de memória.

“Meu corpo, minhas regras.”

Bumblebee é, sem dúvida alguma, um filme de roteiro simples, talvez requentado e até clichê, mas cheio de intenções sinceras, que se posiciona a léguas de distância dos cinco que fizeram a pentalogia antecessora. Não somente na qualidade artística do projeto, mas em seus propósitos. A proporção é a mesma às vezes, mas invertida: Como em Transformers (2007) e em Transformers: A Vingança dos Derrotados (2009) Michael Bay explorava o corpo de Megan Fox (e nos seguintes os de Rosie Huntington-Whiteley e Nicola Peltz), aqui Travis Knight parece responder, recobrindo Hailee Steinfeld com um respeito absoluto.

Mas não é que a jovem atriz se veja presa ou destituída de atenção física. Apesar de interpretar uma semiadulta solitária e alternativa, a equipe não quer a construir como alguém sem vaidades. Charlie importa-se consigo, mas entende que é muito mais do que um corpo graças ao roteiro de Hodson (uma mulher – em seu lugar de fala) e à direção cheia de compaixão de Knight (que já provou sua sensibilidade e empatia com Kubo e as Cordas Mágicas).

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Aliás, Charlie não somente entende a sua posição como ela é a própria heroína (e, como antagonista, lá está uma fêmea Decepticon). Ela não necessita de um herói de resgate, de um salvador. Ela, muito menos, é pintada como inferior a quem quer que seja. Ao final do filme, lá está o mantra que todo homem deveria entender e respeitar: “Meu corpo, minhas regras.” Se Charlie diz que ainda não é o momento, Memo (Jorge Lendeborg Jr.), ao respeitar, somente comprova que ele é, de fato, o príncipe encantado que deve existir.

Bumblebee (o robô) é a dama de honra de um blockbuster que traz a década de 1980 para bem perto do público, mas que entende o seu tempo, a sua voz e que é a sua vez.