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A Maldição da Casa Winchester – ou "De boas intenções o inferno está cheio"

Por| 06 de Março de 2018 às 09h00

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Divulgação/California Filmes
Divulgação/California Filmes

Antes de seguir adiante, cuidado! Esta crítica contém spoilers (apesar de que a gente não acha que isso vai mudar sua experiência com este filme)

A Casa Winchester existe. É real. É conhecida por ser a casa mais mal-assombrada do mundo. Essa ligação com a realidade é promissora, pois consegue, já no princípio do filme, instigar um interesse que ultrapassa a tela. Se, generalizando, o ser humano é curioso por natureza, por que não atentar?

Esse senso para o terror dos irmãos Michael e Peter Spierig, responsáveis também pelo recente Jogos Mortais: Jigsaw, induz a uma percepção inicial excepcional. Se o clima criado pela fotografia de Ben Nott (parceiro dos irmãos no filme anterior) a partir da iluminação difusa e muitos pontos sombreados revelam referências expressivas – que vão do terror produzido no cinema na década de 1960 a muito do que fora descrito por expoentes da literatura do gênero como H. P. Lovecraft e Edgar Alan Poe –, as tomadas externas e especialmente os planos aéreos da casa constroem um primeiro ato que é de puro brilhantismo.

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O espelho, a cadeira e o "rifle de repetição"

É quando o protagonista, Dr. Eric Price (Jason Clarke), conhece a anfitriã, Sarah Winchester (Helen Mirren), que tudo começa a desmoronar. Cedendo a uma sucessão de sustos gratuitos, os diretores ecoam como inconsequentes: deixam diversas subtramas ao léu – como a própria história da casa – e investem no que há de mais grosseiro. Assim, cada mínima criação de tensão é finalizada com um susto grátis.

E há espaço para o medo. Através de uma cena das mais caprichosas, os Spierig atestam que eles poderiam continuar com a construção de algo de qualidade: Utilizando um espelho em seus aposentos de visitante, o Dr. Price revela uma cadeira vazia atrás de si ao se abaixar. Esse movimento acontece algumas vezes, numa progressiva constituição de medo e curiosidade. Afinal, o que é aquela cadeira?! A cena segue e, desviando totalmente a atenção do público, o susto vem justamente no espelho, o que é incrível pela habilidade de criar um interesse em um ponto (a cadeira) e desconstruir tudo de forma inesperada. O problema vem na sequência, quando, insatisfeitos com esse resultado interessante, promovem mais um susto, dessa vez pela cadeira.

Assim como piadas, o susto é uma ferramenta que perde o sentido quando explorado à exaustão. Tentar entender a escolha pela abordagem trem-fantasma de parquinho (essa que acaba por ser uma aventura cheia de sustos bobos e nada mais) é como querer relacionar os sustos reincidentes à famosa carabina Winchester 44, o rifle mais conhecido da Winchester Repeating Arms Company. Essa arma era popular por permitir ao carabineiro atirar algumas vezes antes de precisar recarregar. Ganhou, por isso, o termo “rifle de repetição”, que continuou sendo utilizado por todas as armas subsequentes que permitiam o mesmo ao atirador. A relação, portanto, pode se dar como uma louca referência: De repente, o que os diretores queriam era transformar o filme em uma Winchester 44 de uma hora e trinta e nove minutos – atirando sustos sem jamais recarregar medo ou tensão.

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O consenso espiritual

É importante ressaltar, ainda, o debate válido que o filme poderia ter promovido caso fosse um bom exemplar de terror. Diferente do excepcional Corra!, integrante dessa nova safra de terror que sabe onde está pisando e o faz com competência, aqui tudo é descartável. Legando aos espíritos uma motivação mais do que suficiente para ser explorada com validez, o roteiro de Tom Vaughan e dos próprios diretores não precisava ter ido muito além para promover um debate circunstancial sobre armamento versus desarmamento. Sendo todos os espíritos vítimas de violência armada, bastava que isso fosse levado a sério. Mas... recebe-se outro susto, de outro tipo: eles querem matar Sarah porque o marido dela foi o criador das armas. E eles são de um consenso absurdo. Não há debate algum sobre essa solução – que é duvidosa no mínimo. A saída para tudo é eliminar Sarah. E ponto final.

Tudo isso é exposto com uma naturalidade assustadora, como se houvesse uma certeza embutida de que o público de terror, em sua totalidade, não quer discussões e vai ao cinema como quem vai ao parquinho mesmo. Caem por terra todas as referências do primeiro ato; nem mesmo a experiente e oscarizada Helen Mirren consegue dar veracidade às falas; a dita ligação com a realidade se perde totalmente; e o que sobram são escombros de algo que poderia ter sido tão excepcional quanto o estilo neogótico emulado pelas cenas externas da casa.

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De médico a Vincent Price...

Ao final, uma cena chama a atenção e parece resumir tudo numa metalinguagem autodepreciativa: Enquanto a casa desmorona, Dr. Price fala para si mesmo que aquilo não passa de visões. Depois de tanto passado, os Spierig Brothers pintam seu protagonista como um tolo. Parecem torcer para que o público seja tão incapaz quanto aquele que, de médico e Vincent Price, passa a ter somente o título e o sobrenome respectivamente.

O mais triste é perceber que, lá no fundo, A Maldição da Casa Winchester é um terror que anseia para arremessar diversas questões sociais com propriedade e construir personagens psicologicamente complexos, mas na vida real é um filme esquecível, que apela para sustos apoiados explicitamente nos sons repentinos da trilha sonora genérica e esquece até a própria casa título como personagem.

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A verdade, por fim, é que “de boas intenções o inferno está cheio”. E esse ditado, se bem refletido, já é mais profundo e assustador do que o filme em questão.