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Crítica | A Freira ou "o sangue de Cristo tem poder"

Por| 06 de Setembro de 2018 às 12h46

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Warner Bros
Warner Bros

Em 2003, quando Jogos Mortais foi lançado, o nome de James Wan começou a circular como uma renovação inteligente para o terror. Mas antes do malaio ter seu nome fixado entre os grandes do gênero, ele ainda viria a dirigir dois longas-metragens de pouca visibilidade e baixo sucesso. Gritos Mortais e Sentença de Morte (ambos de 2007) são filmes que parecem dirigidos com pressa, com menos cuidado. Apesar disso, o talento de Wan já estava por ali. A impressão é que, após Jogos Mortais, o diretor tentou encontrar um caminho, uma forma que o deixasse confortável.

E encontrou três anos depois, com Sobrenatural (2010). Bem aceito por público e crítica, Insidious (título original) abriu espaço para aquele que é considerado o melhor filme da carreira de James Wan e, dentro do gênero, um dos melhores deste século: Invocação do Mal (2013). Claro que, a partir do sucesso imenso nas bilheterias, uma continuação era somente questão de tempo. E o foi para ambos: Sobrenatural: Capítulo 2 surgiu como uma produção requentada em 2013 e, três anos depois, Invocação do Mal 2 foi aos cinemas e teve praticamente o mesmo sucesso do primeiro. Ambos os filmes já estavam consolidando seus universos próprios, algo financeiramente óbvio.

Cuidado! A partir daqui esta crítica pode conter spoilers!

Terror clássico ou terrir?

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A Freira surge, então, como mais um episódio do universo The Conjuring – que ainda conta com o fraco Annabelle (2014) e com sua continuação acima da média Annabelle 2: A Criação do Mal (2017). Vendido como “o capítulo mais tenebroso da franquia”, A Freira transforma todo o marketing que teve em falsas expectativas. A direção de Corin Hardy (do bom A Maldição da Floresta, de 2015) não consegue encontrar o clima de tensão característico dos filmes produzidos por Wan, por mais que tente através de elementos fantásticos. Nesse sentido, a utilização de locações cheias de uma fumaça típica de gelo seco constrói um paralelo interessante entre o terror atual e aqueles produzidos durante a era de ouro do gênero no cinema italiano, que teve Mario Bava como um dos seus expoentes. Há um pouco, aqui, por exemplo, do excepcional A Maldição do Demônio (1960).

Mas Hardy, por mais que consiga construir, junto ao desenho de produção de Giorgio Giovannini e à cinefotografia de Maxime Alexandre, um ambiente realmente tenebroso, parece não se importar o suficiente com o terror, abrindo bastante espaço para a personagem do ótimo Jonas Bloquet, o Frenchie. O moço acaba roubando todas as cenas com o seu carisma, amenizando cada sentimento sombrio que o filme tenta gerar. Aquele que poderia ser um alívio cômico mais do que acertado transforma-se quase que no personagem central da história, fazendo com que o tal “capítulo mais tenebroso” fique a poucos passos de se tornar um terrir. De fato, se a propaganda fosse real e divulgasse A Freira como “o capítulo mais engraçado da franquia”, os fãs do terror – e especificamente os do universo The Conjuring – não lotariam as salas. Fomentar a curiosidade, criar hype, deve ser o passatempo preferido na área.

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Por outro lado, esse aspecto somente é negativo se for levada em consideração essa expectativa que a divulgação plantou com o intuito de levar mais e mais espectadores aos cinemas. Há alguns instantes que são muito inspirados, como o momento da cena introdutória no qual o diretor opta por uma transformação orgânica a um aterrorizante ângulo holandês (quando a imagem é inclinada) e o diálogo tête-à-tête entre o Padre Burke (Demián Bichir), a Irmã Irene (Taissa Farmiga) e a sinistra Abadessa de rosto coberto no hall da abadia. Aliás, a abadia é fascinante: das suas paredes externas e tetos historicamente demolidos por bombas da guerra aos corredores estreitos e claustrofóbicos, o local é assustador por si só e carregado de memórias e mistérios.

Sustos previsíveis

O problema maior está, de fato, na condução geral de Hardy. Nessa perspectiva, o diretor não se mostra proativo (com exceções pontuais – como a já dita cena de abertura), repetindo exaustivamente as mesmas técnicas, demonstrando não estar seguro para buscar outros caminhos. Percebe-se isso através da utilização durante todo o filme de um movimento que vai se tornando cansativo ao longo dos 96 minutos: a câmera vai para um lado, vai para o outro, cria um certo suspense e, enfim, surge um elemento assustador. É funcional, mas se torna maçante se utilizado dezenas de vezes em sequência. Pode dar certo na primeira vez, na segunda... e tem êxito quando o jump scare (o susto alicerçado no som repentino) vem de cima – o que acontece após uma sequência cômica protagonizada por Frenchie –, porém fica cansativo e torna os sustos previsíveis.

A Freira está longe de ser o capítulo mais tenebroso do seu universo. É, aliás, o mais bem-humorado. O terror, que existe apenas nos elementos sobrenaturais e na bizarra (no bom sentido) maquiagem prática e digital de quem assume o demônio Valak, cedeu espaço para um suspense de investigação que merece crédito por justamente se arriscar fora dos domínios estabelecidos com os filmes anteriores. Tanto que, ao final, quando se vê as personagens de Vera Farmiga (Lorraine Warren) Patrick Wilson (Ed Warren) em uma palestra comentando o que acontecera com Frenchie, o clima parece mudar completamente, retornando às origens de Invocação do Mal.

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Um poder literal

Por fim, vale ressaltar que Taissa Farmiga está excepcional no papel de uma noviça prestes a fazer seus votos e tornar-se freira. Sua expressão ingênua contrasta com a sua fé que, por sua vez, encoraja-a a seguir e lutar contra o mal. O ápice dessa construção se dá no confronto final entre a moça (irmã caçula de Vera – seria a Lorraine mais nova?) e Valak, quando, fingindo-se de abatida, ela ilustra umas das interjeições mais faladas entre fiéis: “O sangue de Cristo tem poder!”

E, em A Freira, esse poder é literal.

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